Texto defendido por bancada conservadora exige exame de corpo de delito em mulheres para que comprovem um estupro.

 

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou na última quarta-feira, dia 30 de outubro, um projeto de lei que cria uma série de empecilhos para mulheres vítimas de violência sexual praticarem aborto na rede pública de Saúde. O PL 5069/2013, de autoria do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) segue agora direto para o Plenário.

Atualmente, no Brasil, o aborto é permitido em três casos específicos: quando a gravidez coloca em risco a vida da gestante; quando a gestação for consequência de um estupro; e no caso de o feto ser anencéfalo, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal.

O projeto de lei de Eduardo Cunha cria empecilhos para a realização do aborto. O texto prevê, por exemplo, a obrigação de exame de corpo de delito para comprovar a violência sexual sofrida pela vítima em decorrência do estupro. Hoje, o testemunho da pessoa no serviço de saúde é suficiente para o procedimento, sem exigência de provas.

Além disso, o projeto prevê o aumento de pena a profissionais saúde que tratarem ou mesmo informarem essas pessoas de como proceder em caso de desejo de abortar após estupro – o que pode incluir perigosamente a distribuição das chamadas pílulas do dia seguinte. Na legislação atual, se uma mulher relata ter sido vítima de estupro, recebe gratuitamente uma pílula do dia seguinte como medida para evitar a fecundação. É a chamada profilaxia da gravidez – termo que o projeto também tenta eliminar da legislação por, em teoria, criar uma ligação entre gestação e doença.

As poucas deputadas integrantes da CCJ lançaram nesta semana uma carta aberta a profissionais de saúde pedindo apoio para impedir a aprovação do projeto. O texto enfatiza que trechos do PL, como “anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto”, podem levar a interpretações dúbias de magistrados, capazes de impedir o tratamento adequado à vítima de violência na rede pública.

“Este projeto não pode prosperar, pois diz respeito à saúde física, mental e psicológica das mulheres e pode afetar para sempre a vida de todas elas. Simplesmente não tem sentido colocá-lo em pauta, mas, infelizmente, de tempos em tempos, temos de enfrentar grupos extremamente conservadores, representados por deputados como o Evandro Gussi e o próprio autor do projeto, o presidente da Casa, Eduardo Cunha”, critica a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), abertamente contrária à legalização do aborto e uma das vozes dissonantes na comissão em relação ao projeto. Ela e Maria do Rosário (PT-RS) são as únicas mulheres entre os membros titulares da CCJ.

Organizações de profissionais de saúde e grupos em defesa dos direitos das mulheres veem o texto como inconstitucional e contra a vida. “É uma aberração, um retrocesso completo. Primeiro, porque revoga a lei que já existe de atendimento à violência, dificultando ainda mais o acesso das mulheres às políticas públicas. Segundo, porque impede o agente da Saúde de atuar na defesa da vida da mulher, levando ao judiciário um problema que não pertence mais a ele”, analisa a psicóloga Rosângela Talib, coordenadora-executiva da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, que luta pela legalização do aborto no País. “O atendimento já é difícil agora. Por que complicá-lo ainda mais?”.

“Como mostram as pesquisas, mulher que diz que foi estuprada foi realmente estuprada e sofre com a amargura e a condição dessa experiência”, disse, na ocasião, a médica Ana Costa, presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde. “Precisamos punir os estupradores, não colocar as mulheres para serem ainda mais humilhadas depois de terem sofrido a violência.”

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