Metodologias

Desde a criação da Universidade Livre Feminista, estamos desenvolvendo uma metodologia que consiga adaptar para o ambiente EaD (Educação à Distância) elementos da práxis educativa popular e feminista. 

Para tanto, buscamos trazer para nossa prática princípios pedagógicos da ação educativa feminista e também princípios políticos do fazer feminista. Nossa referência é o feminismo antissistêmico, que enfrenta o patriarcado, o racismo e o capitalismo, se configurando, ao mesmo tempo, como movimento social, como teoria crítica e como projeto de vida para as mulheres que se organizam a partir do Sul global.

Esta referência implica em uma leitura e compreensão das desigualdades de gênero, de raça e de classe, não a partir delas mesmas, ou seja, das desigualdades em si, mas como produtos históricos dos sistemas de dominação, opressão e exploração que as estruturam e reproduzem.

Isso significa que entendemos as relações sociais de gênero, de raça, etnia e de classe como consubstancializadas, isto é, são de tal forma interligadas que não podemos pensá-las ou analisá-las em separado. São relações que interferem na dinâmica uma da outra, se produzindo e coproduzindo mutuamente, de forma complexa e, muitas vezes, contraditória. Em termos práticos, esta consubstancialidade institui interseccionalidades diversas na vida cotidiana das mulheres, que envolvem outras dimensões, como a sexualidade, a corporeidade, a religião, a origem regional, dentre outras tantas. Tudo está “junto e misturado”, não podendo se analisar a realidade das mulheres a partir de uma única dimensão da vida social.

O papel da educadoras

Diferente de algumas experiências em EaD, não utilizamos os termos “tutora” e “tutoria” em nossa prática pedagógica, já que em nossa leitura remetem a tutela, ideia de guia, orientação, proteção ou mesmo autoridade de uma pessoa sobre outra. Embora existam iniciativas que proponham algo diferente, geralmente a tutoria em EaD significa apenas orientar ou facilitar o estudo, tirar dúvidas, remeter questões para professores, organizar atividades. Para uma educação que se pretenda transformadora, entendemos que o papel das educadoras deve ir além.

Assim como nas atividades presenciais, as educadoras que acompanham os processos virtuais precisam ter a capacidade de estimular processos de reflexão individual e coletiva, sintetizar debates, mediar controvérsias, problematizar questões e aportar conhecimentos. Este perfil irá contribuir para que, além da apropriação individual dos conteúdos, o processo pedagógico também favoreça a elaboração/produção coletiva do pensamento e conhecimento críticos. 

Assim, é importante que as educadoras tenham acúmulo de certo conhecimento sobre os temas/questões abordadas. Se de um lado valorizamos e partimos da experiência e do conhecimento das participantes, de outro, compreendemos que os saberes e a experiências das educadoras são centrais no processo educativo. Não se trata, portanto, apenas de “facilitar” aprendizados, estimular o acesso aos conteúdos, mas, sobretudo, de desencadear e fazer parte de um processo de construção de conhecimentos.

Outro ponto para as educadoras feministas no ambiente EaD é a capacidade de articular as dimensões objetivas e subjetivas da vida das participantes, numa perspectiva de cuidado e autocuidado no processo educativo. Isso exige a adaptação, para o espaço virtual, de práticas como a “observação atenta”, o “saber ouvir”, o “saber acolher”, desenvolvendo o aprendizado do “saber ler” as mulheres nas linhas e entrelinhas dos textos escritos, comentários, áudios e imagens.

Isso também implica reaprender a interpretar o silêncio. Se nas atividades presenciais o silêncio pode ser considerado uma forma de participação (pois o olhar permite perceber outros modos de interação), no ambiente virtual, essa observação se torna mais difícil, exigindo cuidado e atenção. Ou seja, o fazer da educação feminista no ambiente EaD, tanto quanto no presencial, é uma ação desafiadora. Especialmente quando ela se propõe a nada menos que transformar as mulheres para estas, juntas, transformarem o mundo.

Princípios

Oferecemos processos de formação política feminista gratuitos e buscamos promover a inclusão digital das mulheres.

Inspiradas pela filósofa feminista Françoise Collin, promovemos o encontro entre o “pensamento pensado”, já produzido e sistematizado, e o “pensamento pensante”, que é o pensamento vivo, em elaboração na prática política dos movimentos feministas.

Entendemos que os conhecimentos e experiências trazidos pelas participantes são elementos centrais do processo educativo. Incentivamos o compartilhamento e a análise crítica destes saberes para elaboração coletiva de conhecimentos.

Como forma de trazer o lúdico para o ambiente EaD, utilizamos ferramentas e dinâmicas que estimulam o diálogo e articulam materiais como textos, áudios e vídeos ao uso de músicas, poesias, crônicas, encenações etc.

As mulheres estão inseridas em diferentes contextos e nós tomamos tais realidades como referência para a reflexão. É essencial estabelecer relações entre as questões debatidas nos cursos e os desafios enfrentados pelas mulheres no dia a dia.

Para construir conhecimentos diversos, coletivos e colaborativos, promovemos um espaço onde o respeito mútuo é fundamental, bem como a abertura e acolhimento para colocar seus pensamentos e posicionamentos políticos.

Partimos da crítica feminista à separação entre o pessoal e o político, emoção e razão, sociedade e natureza, individual e coletivo, para construir ações educativas articulem as diferentes dimensões reflexiva, corporal e emocional do aprendizado.

Buscamos criar um espaço de acolhimento e troca, em que as experiências, vivências, dúvidas e questionamentos de caráter pessoal podem ser objeto de partilha e de reflexão, sempre dialogando com as questões críticas e sociais que estão em debate.