Adital – Desde o golpe de Estado, ocorrido em 28 de junho, os direitos humanos em Honduras são constantemente desrespeitados. Pessoas contrárias ao governo golpista e a favor do retorno do presidente legítimo, Manuel Zelaya, são alvos de repressão policial e militar. A realidade das mulheres no país não é diferente. Por conta disso, acontece, até hoje (21), em Tegucigalpa, a "Jornada dos direitos humanos das Mulheres em Honduras".
O encontro, que começou na segunda-feira (17), reúne representantes da Missão de Observação Internacional Feminista da América Latina, do Canadá e dos Estados Unidos, as quais visitam o país para conhecer os casos de violações dos direitos das mulheres. As participantes demandam o retorno da constitucionalidade, o fim da violência e o respeito aos direitos humanos no País.
A situação das mulheres piorou após o golpe de Estado no país, informação que, nem sempre é divulgado pelos meios de comunicação nacionais e internacionais. Os assaltos e os feminicídios, por exemplo, triplicaram durante o golpe, segundo Indira Mendoza, de Cattaachas em Honduras, em entrevista à Rádio Feminista.
A constatação é reforçada pela coordenadora do Centro de Direitos de Mulheres de Honduras e dirigente do Feministas de Honduras em Resistência, Gilda Rivera, quem afirmou à agência EFE que, desde o dia 28 de junho, já se registraram 19 casos pontuais de violações em diversas regiões do país, nos quais os responsáveis eram policiais. De acordo com a agência, as hondurenhas denunciaram através de comunicado que "existem relatórios de aumento do feminicídio" e que a Promotoria da Mulher afirmou que, em julho deste ano, 51 mulheres foram assassinadas.
Assim, dentro das atividades da Jornada, acontece também o VII Observatório da Transgressão Feminista, que tem o objetivo documentar e colher informação, evidências e testemunhos de mulheres que tiveram seus direitos violados. Além disso, o encontro abre espaço para a reflexão das hondurenhas acerca da atual situação que vivem no país, do impacto do golpe em suas vidas, e das estratégias de resistência a governo de fato.
Durante dos cinco dias do evento, representantes da União Europeia e da Organização das Nações Unidas, autoridades governamentais, organizações feministas e de direitos humanos, profissionais do Direito, professores e grupos sociais que rechaçam o golpe têm a oportunidade de conversar sobre o caso. De acordo com informações da Rádio Internacional Feminista, na ocasião, ainda se realizará uma compilação de informações e apresentará uma reportagem preliminar sobre as violações dos direitos humanos das mulheres.
Honduras – Dando um passo firme para a emancipação das mulheres
Ircamericas *
Tradução: ADITAL
Por Laura Carlsen e Sara Lovera
Membros da delegação internacional da Jornada pelos Direitos Humanos das Mulheres em Honduras.
Entrevista com Bertha Cáceres, dirigente de COPINH (Consejo Cívico de Organizaciones Populares e Indígenas de Honduras) e da Frente Nacional Contra el Golpe de Estado.
– Como as mulheres estão participando no movimento?
Bertha – Mesmo nos espaços ditos progressistas, para as mulheres ainda é difícil porque enfrentamos a dominação e a domesticação patriarcais e as organizações do movimento não estão isentas disso.
Penso que a participação e a contribuição das mulheres, apesar de tudo, tem quebrado esse esquema de dominação de maneira bem decisiva -desde a participação e a condução da Frente Nacional Contra El Golpe, em âmbito nacional, como também as mulheres que se destacam, mulheres fortes na zona Norte, no ocidente, no centro, e inclusive no litoral do Atlântico, além de Tegucigalpa.
Outra maneira através da qual vemos a participação das mulheres é diretamente na luta. Nas marchas e nas mobilizações vemos que mais da metade são mulheres; e temos sido as mais reprimidas.
É algo que vimos anunciando, dizendo… está forte a participação das mulheres, e de maneira heróica, podemos dizer; inclusive, não somente nas marchas, mas na ação de defesa e resposta ante a repressão. Por exemplo, as que confrontaram diretamente o exército diante de ameaças e reagindo a alguns casos de recrutamento forçado de jovens tem sido as mulheres e, sobretudo, as mulheres indígenas. Daí, podemos constatar que as mulheres estamos participando nos diferentes espaços: na comunicação, na educação, na propaganda, em todas as estratégias de luta, em posicionamentos, no debate sobre como continuar, em contribuir para uma análise coletiva dos diferentes cenários que o país pode apresentar.
-Como as mulheres se veem incluídas no processo? Se eu fosse hondurenha, por que deveria lutar por uma nova constituinte?
-Primeiro porque significa enfrentar uma ditadura baseada em diferentes formas de dominação. Dizemos que não é somente o capitalismo depredador, não somente o racismo que tem se fortalecido nessa ditadura, mas também o patriarcado. Nós sentimos que lutar contra essa ditadura é ir além, com uma visão mais estratégica, mas a largo prazo; é lutar pela nação.
Uma Assembleia Nacional Constituinte é fundamental para as mulheres, porque, por primeira vez nós estaríamos colocando o precedente no sentido de dar um passo firme em direção à emancipação enquanto mulheres, para começar a romper as raízes da dominação. O fato de que, em nenhum momento a Constituição atual menciona as mulheres -nem uma vez- e, por exemplo, estabelecer nossos direitos humanos, reprodutivos, sexuais, políticos, socioeconômicos em uma Constituição é realmente enfrentar um sistema de dominação.
Por isso, nós queremos participar efetivamente -não ser observadoras, não estar isoladas setorialmente, fechadas em uma análise estéril e curta; queremos ser protagonistas, atrizes principais, decidindo e contribuindo no debate.
Creio que esse debate será um dos mais difíceis porque teremos que enfrentar aos setores fundamentalistas, reacion&aac
ute;rios. Nós temos que estar conscientes de que isso é um desafio para as mulheres: não permitir que outros/as decidam pela maioria das mulheres pobres. Porque esta é uma luta também entre ricos e pobres, entre mulheres pobres e mulheres ricas… Então, temos que estar conscientes de que esta luta cruza um monte de situações e, por essas razões temos que acreditar mais do que nunca na necessidade de uma Assembleia Nacional…
-Qual é a legenda que as mulheres têm que defender?
-O patriarcado não é exclusivo do sistema capitalista, verdade? Nem de apenas uma ou outra cultura… É ir em direção a uma nova Constituição, é um processo de refundar nosso pensamento; é o início disso, é começar a desmontar esse pensamento de que outros têm que decidir por nosso corpo e começar a garantir que as mulheres somos donas e temos o direito à autonomia de nosso corpos. É uma ação política; é uma proposta política.
O fato de ter e garantir o acesso à terra, às territorialidades, às cultura, à saúde, à educação, à arte, ao emprego digno e adequado às mulheres, e muitas outras coisas mais são elementos que nós devemos garantir nesse processo de uma nova constituinte para encaminhar realmente um processo de libertação.
-O que aconteceu às mulheres nesses 52 dias de golpe?
-Como sempre na ditadura, a repressão fortalece essas formas de violação e de violência contra as mulheres e está demonstrado que Honduras não é a exceção. Vimos como as companheiras, sobretudo das áreas rurais e as indígenas e negras têm sido violentadas em seus direito à mobilização e temos casos de mulheres garífunas a quem os militares disseram ao sair de Ceiba (norte) que elas não podiam viajar a Tegucigalpa, mas teriam que permanecer em suas zonas. É incrível a violação dos direitos humanos e lá se vê claramente o racismo diante de um ônibus cheio de garífunas. Um militar entrou no ônibus, olhou e disse que teriam que descer e regressar, pois estavam proibidos de viajar a Tegucigalpa.
E as companheiras indígenas e anciãs que foram detidas, encarceradas em lugares ilegais para detenção, escutavam insistentemente que deveriam mostrar suas vaginas (dando a entender que lá guardavam armas!), além de ter sido manuseadas, atingidas em sua integridade física e emocional.
Outro exemplo: Em San Francisco Opalaca, município indígena onde o exército encurralou e ameaçou, sobretudo, as mulheres, dizendo-lhes que se saiam para mobilizar-se, se saiam do município, seus filhos seriam recrutados. Era uma forma de pressioná-las, intimidá-las, aterrorizá-las, pois sabem que elas são as primeiras a confrontá-los. Em Honduras houve um processo, uma luta contra o recrutamento forçado no qual as mulheres e os jovens foram os grandes protagonistas para conseguir a abolição do serviço militar obrigatório. Isso foi em 1992.
Aconteceu um monte de violações aos direitos humanos, perseguições a nossas famílias de maneira constante, sistemático. Isso é uma realidade vista no país e por isso se faz presente no momento a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), para que veja os fatos em carne própria, que não é mentira o que está acontecendo.
-Você sofreu alguma violação pessoalmente?
– Três dias antes do golpe -eu vivo em La Esperanza com minha família, minha mãe e meus filhos- e minha cada foi rodeada por homens vestidos de civis, armados, com walkie-talkie, com celulares. Hostigaram, rodearam a casa durante muitas horas dia e noite. Em várias ocasiões chegaram policiais e gente do exército à minha casa, sabendo que lá se encontravam somente minha mãe e meus filhos pequenos. Tem havido uma constante violência e percebemos essa situação. Vivemos em uma ditadura repressora, e não esperamos nada de bom; porém, continuamos lutando porque não nos intimidarão.
-Que importância dás ao grupo de observação feminista internacional que está no país atualmente?
-Valorizamos todas as delegações que vêm; sabemos que, inclusive, esses setores são mais militantes, têm um compromisso, uma aliança natural, estratégica conosco. São, portanto, companheiras -não alguém estranho que vem observar-, mas são pessoas que estão conscientes dos motivos dessa luta, qual sua causa, qual é o compromisso e vêm não somente para observar, mas para acompanhar-nos. Isso tem um grande valor…
-O que esperas da comunidade internacional agora que parece que fracassou a mediação?
-Faço uma diferença entre a comunidade internacional formal -OEA, ONU, os governos dos Estados- e a estes exigimos que sejam coerentes com seu discurso de democracia, com seu discurso na ONU, na OEA, que sejam coerentes com as resoluções já assinadas e em vigor. A responsabilidade de salvar esse país e conseguir o retorno à institucionalidade e de arrancar de novo com o processo democrático incipiente é também da comunidade internacional.
Vimos a participação direta de governos, como o dos Estados Unidos, dos atores do Pentágono, da CIA e de todos os agentes terroristas que deslocaram -contra revolucionários, desestabilizadores de Estados e governos do povo-, com o claro objetivo de iniciar uma tendência golpista em nosso continente, dirigida ao sul.
Eles pensavam, e se equivocaram, que Honduras era o estandarte mais débil porque aqui havia sido iniciado um processo de participação, de incorporação a Alba, de relações com o Sul e com o Caribe… Equivocaram-se e calcularam mal. Haviam dito que seriam dois dias de resistência e se equivocaram. Esse povo demonstrou que temos capacidade não somente para 52 dias, mas para muito mais tempo.
E exigimos que a comunidade internacional seja responsável , que não veja o problema de Honduras como algo terciário em suas agendas. Estamos conscientes do que pode nos acontecer o mesmo que aconteceu no Haiti, que foi como uma avalanche no meio internacional e depois houve somente silêncio.
Por outro lado, pedimos um movimento internacional solidário, ativo conosco, acompanhando-nos. Qualquer ação desse movimento para nós é igualmente importante, da mesma maneira que as marchas que realizamos aqui todos os dias. É pressionar a OEA, seus próprios governos, que levam as sanções ao governo golpista, de forma que cumpram as resoluções da OEA, da ONU. Os meios autônomos e independentes de comunicação muito contribuem.
(continua…)
* Programa de las Américas
fonte: ADITAL