Deputados querem controlar mais ainda as mulheres

Cadastro obrigatório de gravidez em pauta no Congresso Nacional

CARTA enviada ÀS/AOS DEPUTADAS/OS DA COMISSÃO DE SEGURIDADE SOCIAL E FAMÍLIA – 9/11/2010

Desde o início da atual legislatura em 2007, a Câmara dos Deputados tem sido palco da atuação de parlamentares que têm dedicado seus mandatos a uma crescente perseguição e criminalização das mulheres, propondo verdadeiros retrocessos legislativos. Muitos desses parlamentares compõem a atual Comissão de Seguridade Social e Família. Entendemos que a apresentação de proposições legislativas que limitam os direitos sexuais e reprodutivos colocam em risco a vida e a saúde de milhares de mulheres por todo o país.

Importante recordar que desde a década de 90 o Brasil teve importantes avanços no campo da saúde das mulheres e dos direitos sexuais e reprodutivos, consoantes com os compromissos assumidos pelo estado Brasileiro junto às Nações Unidas. Referem-se especialmente à necessidade de buscar a redução dos elevados índices de mortalidade materna resultantes do aborto realizado em condições de insegurança e risco; à atenção humanizada às mulheres vítimas de violência sexual; o acesso aos métodos contraceptivos modernos de livre escolha das mulheres, e, por fim, reconhecer a capacidade das mulheres exercerem suas decisões no campo da saúde e sexualidade.

A Conferência Internacional de População e Desenvolvimento do Cairo, de 1994 e a Quarta Conferência Mundial das Mulheres de Beijing, de 1995, por exemplo, afirmaram os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Os documentos internacionais originados nestas conferências – o Programa de Ação do Cairo e a Plataforma de Ação de Beijing – são diretrizes para ações governamentais na área da saúde sexual e reprodutiva. O governo brasileiro, quando assinou tais documentos, passou a assumir um compromisso político de alcançar as metas ali previstas. O parágrafo 106 K da Plataforma de Ação de Beijing, de 1995, dispõe que “os governos devem considerar revisarem as leis que contém medidas punitivas contra mulheres que realizaram abortos ilegais”.

Os órgãos de supervisão e monitoramento do cumprimento dos tratados internacionais pelos Estados do Sistema das Nações Unidas já vêm se posicionando sobre questões de saúde sexual e reprodutiva, em especial quando se refere ao aborto inseguro ou realizado em condições de risco para a vida e a saúde das mulheres. O Comitê de Direitos Humanos da ONU, no seu Comentário Geral nº 28 sobre a igualdade entre homens e mulheres dispôs que “O Estado pode falhar em respeitar o direito das mulheres à privacidade relacionando às questões reprodutivas, por exemplo (…) quando os Estados impuserem uma obrigação legal sobre médicos e outros profissionais de saúde para reportar casos em que as mulheres realizaram aborto.” (parágrafo 20)

Neste sentido, a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, em seu artigo 2 (g) determina que todos os países derroguem disposições penais nacionais que constituam discriminação contra a mulher. A discussão sobre o aborto deve ser pautada nos dispositivos constitucionais e no disposto nos tratados e conferências internacionais de direitos humanos das Nações Unidas, conforme acima mencionado.

Por todo o exposto, no ano de 2010, em que se comemora o centenário do 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e em que o Brasil elegeu uma mulher para Presidente da República, novamente causa-nos enorme preocupação a pauta da Comissão de Seguridade Social e Família desta quarta-feira, dia 10 de novembro, por atentar contra os princípios constitucionais e compromissos internacionais assinados pelo Brasil.

Constam na pauta quatro projetos de lei relativos à interrupção da gravidez que, se aprovados, conforme propõem seus relatores, darão um passo a mais para a criminalização e discriminação das mulheres no Brasil. O PL nº 2.185/2007 (item 52) altera o art. 7° da Lei n° 9.263, de 12 de janeiro de 1996 (Lei de planejamento familiar), de modo a proibir a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros nas ações e pesquisas de planejamento familiar. Na verdade, o projeto visa impedir qualquer recurso para organizações brasileiras que lutem pelos direitos das mulheres no sentido do avanço da legislação em direitos sexuais e reprodutivos bem como na implementação de políticas públicas em saúde sexual e reprodutiva.

O PL nº 2.504/07 (item 55) cria o cadastro obrigatório de gravidez em todas as unidades de saúde, com o deliberado intuito de controlar a autonomia reprodutiva das mulheres, buscando como objetivo final a criminalização de mulheres que tenham praticado o aborto. O inciso IV do PL se refere a “dados probatórios para a comprovação do aborto” e explicita tal intenção de obtenção de provas para a prática do aborto através do cadastramento obrigatório e viola diversos princípios constitucionais, tais como: o princípio da intimidade e da privacidade (artigo 5º, inciso X); o princípio da presunção da inocência (artigo 5º, inciso LVII); o princípio da boa fé que deve reger as normas legais, já que parte do pressuposto que as mulheres gestantes são criminosas em potencial. Além disso, viola o direito de não produzir prova contra si, bem como o direito ao segredo médico e à confidencialidade, pois obriga o médico a cadastrar a paciente para fins de prova de aborto. Ou seja, impõe publicidade a uma relação que é privada e particular, porque estabelecida em confiança, a um profissional da área de saúde. Além disso, viola a Resolução nº 1.605/2000 do Conselho Federal de Medicina que desobriga os médicos a fornecerem prontuários médicos e informações que possam criminalizar pacientes.

O PL 3.204/08 (item 70), que propõe a obrigatoriedade de se estampar, nas embalagens de produtos para detecção de gravidez, a advertência “aborto é crime: aborto traz risco de morte à mãe; a pena por aborto provocado é de 1 a 3 anos de detenção”. O projeto fere o direito humano de ter acesso ao conhecimento científico e à informação sobre a reprodução humana, coagindo as mulheres do exercício do direito de escolha, bem como reforçando uma perspectiva punitiva contrária aos acordos internacionais assinados pelo Estado Brasileiro.

Por fim, causa ainda preocupação o PL 4.594/09 (item 99), que dispõe sobre o sepultamento e o assentamento do óbito em caso de perdas fetais. O projeto também merece rejeição conforme parecer da relatora, Deputada Jô Moraes, pois é inócuo, já que a dignidade do tratamento das perdas fetais está sendo observada na legislação e regulamentos sanitários do Brasil, pois em todas as situações os destinos previstos são o sepultamento, a incineração ou a cremação.

Entendemos que todas essas propostas e muitas outras que tramitam nesta Comissão atentam aos direitos humanos das mulheres e estão na contramão dos objetivos democráticos propostos para este Parlamento. Levando em consideração to

do o exposto, solicitamos aos/às parlamentares dessa Comissão um esforço no sentido de evitar a aprovação dessas proposições legislativas, seja solicitando a retirada de pauta ou o pedido de vistas das propostas, seja contribuindo para a rejeição desses retrocessos legislativos na Comissão de Seguridade Social e Família.

Contamos com o apoio de V. Exª para que os direitos sexuais e reprodutivos de nossa sociedade sejam implementados e respeitados.

Atenciosamente,

Jornadas pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro

Redes e Articulações

  • Associação Brasileira de ONGS – ABONG
  • Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB
  • Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras – AMNB
  • Católicas pelo Direito de Decidir- Brasil
  • Centro Latino-americano de Sexualidade e Direitos Humanos/CLAM 
  • Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher Brasil/ CLADEM Brasil
  • Frente Nacional pelo Fim da Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto
  • Fórum de Mulheres do MERCOSUL
  • Liga Brasileira de Lésbicas – LBL
  • Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia/ MAMA
  • Movimento de Adolescentes do Brasil
  • Rede de Homens pela Equidade de Gênero/ RHEG
  • Rede de Mulheres no Rádio
  • Rede Jovens Brasil Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos/RJB
  • Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos/RFS
  • Relatoria de Saúde da Plataforma pelos Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais/Plataforma DhESCA
  • Secretaria Nacional de Mulheres Trabalhadoras da CUT
  • União Brasileira de Mulheres/UBM

Organizações

  • Ações em Gênero Cidadania e Desenvolvimento/AGENDE (DF)
  • Associação Cultural de Mulheres Negras/ACMUN (RS)
  • Associação Lésbica Feminista Coturno de Vênus (DF)
  • ARACÊ – Mobilização em Direitos Humanos, Feminismos e Transexualidade
  • Bamidelê Organização de Mulheres Negras da Paraíba (PB)
  • Casa da Mulher Catarina (SC)
  • Casa da Mulher 8 de Marco (TO)
  • Centro da Mulher 8 de Março (PB)
  • Centro de Atividades Culturais Econômicas e Sociais/CACES (RJ)
  • Centro Feminista de Estudos e Assessoria/CFEMEA (DF)
  • CEPIA Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação, Ação (RJ)
  • Coletivo Feminino Plural (RS)
  • Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde/CFSS (SP)
  • Coletivo Leila Diniz – Ações de Cidadania e Estudos Feministas (RN)
  • Coletivo de Pesquisas sobre Mulher da Fundação Carlos Chagas (SP)
  • CNDM – Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
  • Comissão de Cidadania e Reprodução/CCR (SP)
  • Criola (RJ)
  • Cunhã Coletivo Feminista (PB)
  • Ecos Comunicação em Sexualidade (SP)
  • Fórum de Mulheres Cearenses (CE)
  • Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense (PA)
  • Fórum de Mulheres de Pernambuco (PA)
  • Fórum de Mulheres de Salvador (BA)
  • Grupo Curumim – Gestação e Parto (PE)
  • Grupo de Mulheres Negras Malunga (GO)
  • Grupo de Teatro Loucas de Pedra Lilás (PE)
  • Grupo Feminista Autônomo Oficina Mulher (GO)
  • Grupo Transas do Corpo (GO)
  • Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero/ANIS (DF)
  • Instituto Mulheres pela Atenção Integral à Saúde e aos Direitos Sexuais e Reprodutivos/IMAIS (BA)
  • Instituto Papai (PE)
  • Instituto Patrícia Galvão Comunicação e Mídia (SP)
  • Ipas – Brasil
  • Jovens Feministas de São Paulo (SP)
  • Maria Mulher Organização de Mulheres Negras (RS)
  • Mídia Radical (DF)
  • Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense/MMNEPA (PA)
  • Movimento do Graal no Brasil (MG)
  • Movimento Popular da Mulher/MPM
  • Mulheres em União Centro de Apoio e Defesa dos Direitos da Mulher (MG)
  • Mulheres Jovens Trocando Idéias (MG)
  • MUSA – Programa de Estudos em Gênero e Saúde (BA)
  • MUSA Mulher e Saúde (MG)
  • Núcleo de Juventude do CEMINA /REDEH (RJ)
  • Núcleo de Pesquisa em Gênero e Masculinidades / UFPE
  • Rede ARACÊ
  • Rede de Desenvolvimento Humano/REDEH (RJ)
  • Rede de Mulheres Negras (PR)
  • SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia (PE)
  • Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero (RS)

Militantes Independentes:

  • Alcilene Cavalcante / SP
  • Ana Paula Portella / PE
  • Angela Maria Teixeira de Freitas / RJ
  • Carla Batista / BA
  • Carmen Campos / RS
  • Claudia Vasconcelos / PE e BA
  • Dulce Xavier / SP
  • Elinaide Carvalho / PB 
  • Eleonora Menicucci / SP 
  • Magaly Pazello / RJ 
  • Rulian Emmerick / RJ 
  • Sandra Valongueiro / PE 
  • Silvia Dantas / PE
  • Lícia Peres/RS

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