Caio de Menezes – Jornal do Brasil
O aborto clandestino, segunda principal causa de internação de mulheres em idade fértil (10 a 49 anos), foi discutido ontem em audiência pública realizada pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e de Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Relatório apresentado na reunião mostrou que no estado, o problema é grave. Somente em 2008, o Rio somou 15.868 internações motivadas por abortagem insegura.
De acordo com uma das coordenadoras do dossiê, Beatriz Galli, do Instituto Ipas do Brasil, o estudo mostra que os abortos realizados em condições insalubres ou por pessoas despreparadas são um problema grave da saúde pública do estado. Segundo ela, apesar do grande número de casos, parte dos profissionais da rede hospitalar não está preparada para atender às vítimas dos abortos de risco.
– A média anual supera os 15 mil casos. É um problema de saúde cotidiano, com influência direta no sistema de saúde, que não está apto a receber esse tipo de paciente.
No estado do Rio, o aborto é a terceira causa de mortalidade materna, atrás apenas de hipertensão arterial e hemorragias – disse. – E o pior: constatamos que as mulheres que procuram as emergências com problemas decorrentes do aborto inseguro são vítimas de preconceito – afirmou.
Beatriz Galli comentou a indicação do estudo, que apontou serem as mulheres negras as que mais sofrem com abortos de risco.
– O determinante racial é muito forte. Negras morrem seis vezes mais que brancas ou pardas, o que indica que há preconceito na hora de fazer o registro das mortes decorrentes de abortos de risco.
Para a médica sanitarista Tizuco Shiraiwa, presidente do Comitê Estadual de Prevenção e Controle de Morte Materna, que também participou da elaboração do dossiê, é preciso que haja investimento maior, pelos municípios, em programas de planejamento familiar.
– Quem coloca um instrumento lesivo, sem assepsia, vai ter uma infecção generalizada.
A gravidez indesejada vai existir sempre, mas falta orientação e planejamento – alertou.
Relato A assistente social Rogéria Peixinho, coordenadora local do dossiê e integrante da Articulação de Mulheres Brasileiras, relatou o caso de uma mulher que morreu depois de “esperar três dias na fila pelo atendimento devido”.
– Ela passou pela triagem, onde foi sendo jogada para o final da fila. Por saberem que se tratava de uma mulher que tinha feito um aborto de risco, a negligenciaram – afirmou.
Até nos casos previstos em lei há discriminação
Para o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e de Cidadania da Alerj, deputado Marcelo Freixo (Psol), a audiência pública mostrou ao governo que tipo de tratamento é dado às mulheres que têm uma gravidez indesejada no Rio.
– O Executivo tomou conhecimento da necessidade de cumprir a legislação já existente e de se abrir ao diálogo com a sociedade civil em torno do tema.
A Comissão vai mediar esse diálogo, que deverá avançar a partir de uma reunião a ser agendada o mais brevemente possível entre a Secretaria Estadual de Saúde e as organizações que reivindicam a humanização do tratamento dado às mulheres na rede pública de saúde – disse.
De acordo com Freixo, a situação é tão alarmante que até em casos previstos em lei, mulheres que engravidaram depois de terem sido estupradas ou que correm risco de vida recebem tratamento “extremamente discriminatório e até vexatório” nas unidades hospitalares.
– Houve um caso, exposto na audiência, em que uma mulher internada por complicações após um aborto inseguro foi algemada à maca. Um absurdo completo – definiu.
Segundo o legislador, as mudanças no quadro apresentado pelo dossiê passam pela descriminalização do aborto.
– É uma luta pedagógica. Isso deve ser um assunto de saúde pública e não de polícia. Os dados apresentados no dossiê revelam a incapacidade e até a inexistência de políticas de saúde que privilegiem o atendimento a mulheres que por ventura tiveram que praticar o aborto – disse Freixo na audiência.