Claudia Lulkin, eco-nutricionista vegana, ativista pelos direitos animais, multicultural, mediadora social, adora o cheiro de mata, tomar banho de rio mas está em Porto Alegre no momento. Tem 54 anos, mora num sítio urbano, participou da Cooperativa Coolméia nos anos 80, teve um filho em parto de cócoras, como as índias, fez parte de movimento estudantil, foi hippie, trabalhou com dança, assessorou governos em projetos em nutrição, adora fotografia, e ainda pensa em voltar para o mato… Assim que for o momento.
ANDA – Claudia, em meio a tantas frentes em que milita, por que o veganismo?
Claudia Lulkin – O veganismo é um jeito de viver que promove a vida dos animais, cuida deles, os ouve, os entende, não os “usa”. No último ato da Vanguarda Abolicionista se dizia: “animais não são produto”… São vidas pertencentes ao mesmo Planeta onde vivo. E, claro, não se alimenta deles. Pratico uma vida eco-veg, o melhor que posso dentro de uma cidade.
ANDA – Costuma dizer que seu único dogma é a libertação animal. Como transitar entre esses diferentes públicos, muitos dos quais não abrem mão da exploração dos animais?
Claudia Lulkin – É um jogo diário. Todo dia há um momento de “explicações”. Ou de um lanchinho “óbvio”: passas, castanhas… frutas… ou de alguma brincadeira quando alguém fala de comer algum bichinho eu falo… coitadinho… A energia passa a rolar por si só…as pessoas começam a trazer frutas nas reuniões, inventam coisas, barras de cereais… a coisa vai pegando….
ANDA – Em pleno Fórum Social Mundial, neste ano, você coordenou a cozinha ECOmunitária da Aldeia da Paz, servindo refeições veganas para cerca de 350 pessoas. Como isso se deu?
Claudia Lulkin – Foi muito na sincronia… Fui a uma reunião do Acampamento da Juventude, apresentada como nutricionista vegana, havia uma pessoa da Aldeia, me falou que ainda não havia quem focalizasse a cozinha e que esta seria vegana. Topei na hora. Nem tinha muita idéia de nada. Mudou minha vida! A prática da ALDEIA DA PAZ, que acontece quando pessoas se encontram para criá-la, possivelmente poucas são as que já se encontraram algum dia, é uma prática sustentável, auto-construída. Fomos construindo tudo: a Cozinha, a estrutura de limpeza da água de lavagem dos alimentos e de louça, fizemos banheiros secos, chuveiros lindos, tenda de suor, tenda da cura, geodésica onde se conheceu o calendário maia, criamos o espaço da Fogueira e abrigamos o Fogo Sagrado que fica aceso ao longo de todo o Fórum Social Mundial, cortamos lenha, buscamos…e com mínimo impacto ambiental. No final ainda plantamos nas beiradas do lago à volta da área onde estávamos com mudas nativas. Conheci muitas medicinas, gentes biodiversas, culturas de Paz. E pudemos viver por 15 dias juntos nos alimentando do mundo vegetal. Uma sensação de total liberdade e PAZ. As fotos de alguns dos belos momentos saíram em matéria na ANDA.
ANDA – Porto Alegre é a Capital de um Estado com tradição de carne e exploração dos animais, mas paradoxalmente possui inúmeros locais vegetarianos e veganos, duas telepizzas, bares e afins, além da forte presença dos grupos ativistas. Como vê isso?
Claudia Lulkin – Porto Alegre é um lugar onde as novas idéias tomam corpo e se expandem. O naturalismo, o vegetarianismo, o movimento forte por uma agricultura orgânica tem base em POA há uns bons 35 anos ou mais. A politização e a busca de consciência sempre permearam a cultura local. Por vias “políticas” tradicionais, por vias “espirituais”, por vias das “medicinas alternativas”, das terapias não convencionais, os movimentos sociais, a expansão e experimentação de novas formas de produção de alimentos- a permacultura, a agrofloresta…. Aqui nasceu a feira ecológica, há 21 anos, base da agricultura orgânica, onde nunca foi liberado vender-se alimentos cárneos. Mesmo quando ainda não se tinha toda a clareza da situação animal. Isso cria as condições para que vá se compreendendo as questões do momento e vá se gerando soluções.
ANDA – Segurança e soberania alimentar, de que se trata?
Claudia Lulkin – Segurança alimentar é o direito que todo ser humano (é uma visão especista) tem de se alimentar com qualidade todos os dias e ter condições dignas de vida. A Soberania Alimentar se amplia para o território, para um País. Que este possa ter sempre garantido o alimento de qualidade para seu povo. Recém neste ano o Direito Humano à Alimentação Adequada entrou na Constituição brasileira!!!! E o Brasil, apesar de sua riqueza natural não é um país SOBERANO EM SUA ALIMENTAÇÃO, é dependente das regras de mercado impostas pelas organizações internacionais como a OMC, o FMI, a FAO, é subserviente das empresas multinacionais que comandam a cena e, alguns, se dão bem financeiramente, com essa visão dilapidadora da natureza brasileira, das suas terras ricas, das suas águas, da sua quantidade de SOL que o Brasil tem (uma riqueza inigualável). É nesse jogo que a Amazônia é queimada impunemente, que os animais são chamados de “PECUÁRIA”, que as terras são ocupadas com soja e grãos para alimentação “do gado para abate”… e que a fome continua a grassar em pleno BERÇO ESPLENDIdo. Além da cotidiana falta de nutrientes pois a alimentação está envenenada de agroquímicos, as águas poluídas, os solos sem vida… As palavras escondem seus verdadeiros sentidos fazendo perder o sentido da comunhão com a natureza.
ANDA – Paisagismo alimentar é uma de suas propostas. Como funciona, na prática?
Claudia Lulkin – Bom, ainda é uma idéia mas ela vai tomando corpo. É simples… é plantar em TODOS os lugares, em todos os pátios, em vazios urbanos, em pátios de hospitais, de prédios, de clubes, de escolas, colocar plantas em todos os muros, em todas as paredes, em todos os becos. Colocar árvores frutíferas, trepadeiras de flores, plantas medicinais, aromáticas, condimentares. Poderá alimentar pessoas, pássaros, minhocas, borboletas. Vai colorir, oxigenar, hidratar e curar, e dar uma sentido do único verdadeiro tempo que é o ciclo da Vida na Natureza. E isso CURA. A PETA está falando em resgatar “the wildlife” fazendo jardins em todos os lugares. E mostra uma foto de um esquilo…Lindo! No meu pátio vem beija-flores, bem na porta de casa por conta das inúmeras flores “lanterninha japonesa” que está bem crescida e florida nesta época (outono).
ANDA – Há décadas você lida com o lixo de forma pensada, inclusiva na arte-reciclagem. Como isso começou?
Claudia Lulkin – Tive um namorado muito vanguardeiro que me falou do LIXO pela primeira vez. Aquilo mexeu comigo. Passei a pensar sobre o consumismo… descobrir a riqueza do que se chama lixo e ficar incomodada de não poder separar os resíduos e utilizar o orgânico. Nos anos 80 a Cooperativa Coolméia alugou uma casa no bairro Bom Fim, na João Teles, pertinho do Bar Ocidente. Lá começamos a levar nosso “orgânico” e criamos um bordão “LIXO É LUXO”, que depois se popularizou. Esse movimento impulsionou ações governamentais de separação de lixo. E fui encontrando a arte-reciclagem na moda- a customização, os antigos brechós (que eram poucos), os recortes, as colagens, a pegar embalagens lindas pelas ruas e, em 2003, montar a exposi
ção “Espelhos de Camarim”, em Brasília, um trabalho todo em arte-reciclagem de móveis, madeiras encontradas em lixo, posters, latas…, do artista plástico Rasiko, que está vivendo em Lisboa, atualmente. Para fechar o ciclo, fui assessora da Cozinha Comunitária da UTC – Unidade de Triagem e Compostagem na Lomba do Pinheiro em POA, onde hoje há uma bela horta. Minha “pós-graduação”!!!!
ANDA – Você se sente marginalizada por suas posturas?
Claudia Lulkin – Sim, ainda sou marginalizada, apesar de já receber mais avais….
ANDA – A desobediência civil parece ser o ponto de partida para muitas mudanças necessárias no sistema. Concorda?
Claudia Lulkin – Acho que a sociedade é a cara e a cabeça das pessoas. A sociedade impõe modelos, cultua o apego ao passado, tem uma dinâmica que não me faz bem, usa de uma medicina em que não acredito, não acolhe as pessoas nem os animais, trata as crianças como imbecis, pratica “tradições” cruéis, estabelece o medo, dá prioridade à economia e não a outros valores que a mim interessam… Na medida em que discordo dessas práticas e quero fazer as coisas do jeito que me fazem bem sem prejudicar ninguém e ser solidária com uma nova possibilidade de encantamento coletivo baseado na natureza, desobedeço o estabelecido como padrão. A desobediência civil é um libelo, um posicionamento por direitos.
ANDA – Socialmente, como fazer a população mais simples compreender e usufruir do vegetarianismo/veganismo?
Claudia Lulkin – Mostrando, estando junto, fazendo… sou muito Paulo Freire nessa hora. O povo é muito prático. Se come bem, gosta, se sente bem, vê que o intestino funciona, entende os argumentos pelos animais, pode aderir. Ou, pelo menos, integrar ao cardápio cotidiano. Não é com a prescrição da nutricionista do posto ou com flyers governamentais que ele assume uma mudança. É só com olho no olho e mão na panela, na terra… Depois que assume o que conhece…. incrível, só dá ótimos “feed backs”.E isso é ativismo, também.
ANDA – Quem a conhece pessoalmente sabe que você é uma jovem de 53 anos, com pique invejável. Qual o segredo?
Claudia Lulkin – Quase 54… Segredo? Prazer de viver sendo desobediente, sendo ativista…. sendo ambientalista, vendo as flores nascerem, os verdes crescerem, brincando com o Pedro, meu neto, ouvindo seus papos, suas músicas, teatrando a vida com ele. Tendo uma família veg, uma alimentação saudável e MUITOS AMIGOS-IRMÃOS, de todas as idades, de todos os credos, de todas as cores.
fonte: http://www.anda.jor.br/?p=57125