Em audiência pública no último dia 24 de setembro, sobre a SUG, Teresa Blandón relatou a atual situação da Nicarágua e alertou para o perigo da criminalização das mulheres.
Na Nicarágua, o aborto terapêutico era permitido desde 1879, mas foi eliminado pelo Congresso da República em reforma sancionada pelo atual presidente Daniel Ortega, em 2006. Segundo Teresa, a mudança aconteceu num contexto eleitoral em que os principais partidos em disputa eram objeto de descrédito frente aos eleitores em razão da corrupção e de falta de respostas efetivas para os altos índices de pobreza do país. A penalização total do aborto foi usada por esses atores como estratégia para difundir na sociedade um falso discurso de defesa da vida.
Leia alguns trechos do discurso da nicaraguense:
“Depois da penalização absoluta do aborto, cresceu a porcentagem de mortes obstétricas indiretas. Entre 2012 e 2013, 47% das mortes maternas poderiam ter sido evitadas se a interrupção da gravidez em caso de risco tivesse sido praticada. Nesse período, as estatísticas também revelam causas de morte que não apareciam antes da penalização absoluta, tais como a gravidez ectópica. A muitas mulheres foi negado ou retardado o tratamento contra o câncer, para supostamente favorecer o desenvolvimento do feto. É conhecido, por exemplo, o caso de uma mulher de 27 anos que só iniciou seu tratamento de câncer após a pressão de organismos de direitos humanos nicaraguenses e do Sistema Interamericano de Direitos.
Também há casos de atendimento tardio em hospitais a mulheres em situação de aborto incompleto, que morreram porque o pessoal médico não realizou a intervenção necessária por medo de ser acusado de praticar um aborto. Finalmente, mulheres diagnosticadas com gestação de feto anencéfalo foram obrigadas a levar a termo essas gestações que inevitavelmente terminam com a morte do feto e que implicam risco de saúde, além da tortura que significa viver uma situação como essa.
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A penalização absoluta do aborto nos diz que estamos frente a um Estado que não reconhece o direito à vida das mulheres, especialmente das que vivem em condições de pobreza. De um estado que cria situações que distorcem o sentido da maternidade (dar vida sem perder a própria, cuidar e desfrutar da nova vida gerada) e convertem a gravidez em um fator de medo. A penalização absoluta nos diz que estamos frente ao Estado “carrasco” e não, como deveria ser em teoria, um Estado que garante os direitos humanos de cidadania, sem nenhuma forma de discriminação.
Também é preciso analisar a penalização absoluta do aborto em relação à gestação que resulta de violência sexual. Entre 2009 e 2012, a Polícia Nacional reportou 2.790 denúncias de estupro contra meninas menores de 14 anos. Dados de 2013 do Instituto de Medicina Legal sobre 5.516 vítimas de violência sexual informam que 6 de cada 10 delas eram menores de 13 anos. De acordo com o Ministério da Saúde, entre 2009 e 2012 foram registrados 6.404 partos de meninas entre 10 e 14 anos. Essas meninas estão sendo obrigadas pelo Estado a levar a termo gestações que colocam em risco a vida, saúde e desenvolvimento integral.
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A Nicarágua constitui um claro exemplo de como o Estado pode invocar a proteção da vida como um fetiche, e provocar, com leis injustas, a morte de milhares de mulheres que já vivem em condições de pobreza, discriminação e violência. E, para terminar, quero compartilhar a reflexão da teóloga católica María López Vigil que vive na Nicarágua, para quem diante de uma gravidez não desejada o aborto é sempre terapêutico porque possibilita que as mulheres gozem de um estado de saúde integral.
Para ler o texto completo, acesso o blog da Frente Nacional pela Legalização do aborto.