Pesquisa mostra desrespeito às mais elementares prerrogativas das grávidas

Correio Braziliense(24/10/2010)

Todas as mães esperam que o nascimento de um filho ocorra tranquilamente, cercadas de todos os cuidados médicos possíveis e com o apoio da família. No entanto, a realidade nem sempre dialoga com o sonho das futuras mamães. O parto vem se tornando um procedimento cada vez mais artificial, reclamam. No lugar das contrações, um bisturi. No lugar da família, médicos que sequer acompanharam o pré-natal e, no lugar do apoio, muitas vezes o que elas encontram é algo muito próximo do descaso. Profissionais e autoridades admitem o problema e criam programas, na tentativa de garantir o que antigamente era comum se desejar a qualquer gestante: Uma boa hora.

Uma pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) mostra que, pelo menos nas unidades de saúde da capital paulista, uma das regiões mais ricas do país – e, portanto, teoricamente em melhor situação -, o desrespeito aos direitos das gestantes é constante. Elas relataram ter sofrido com a ausência de recursos materiais e humanos, como a falta de anestesistas de plantão para aliviar a dor do parto normal, conta a psicóloga Janaína Marques de Aguiar. Muitas relataram a negação do direito – garantido por lei – a um acompanhante durante todo o trabalho de parto e pós-parto, conta.

Outro problema apontado pela pesquisa da USP foi a discriminação social e racial que muitas mães, especialmente as de renda mais baixa, sofriam. Isso se manifesta na forma de brincadeiras jocosas de cunho moralista, baseadas em preconceitos e estereótipos de classe e gênero, conta. Está chorando por quê? Na hora de fazer, não chorou é um típico insulto que algumas gestantes relataram às pesquisadoras paulistas. Esses jargões revelam crenças culturais como a de que a dor do parto é o preço que a mulher deve pagar pelo prazer sexual; ou que a mulher pobre tem uma sexualidade descontrolada e por isso tem muitos filhos, conta.

Segundo a doula Clarissa Kahn, o problema não está restrito à capital paulista. O parto se tornou algo muito hospitalar, muito médico. Nós defendemos tornar esse momento o mais natural possível. Achamos que é direito da mulher ter por perto quem ela gosta e ter seus direitos respeitados, afirma a psicóloga, que faz parte da organização não governamental Amigas do Parto, que trabalha para a humanização do tratamento das gestantes em todo o Brasil.

O grupo tenta divulgar o conceito de parto humanizado. A Organização Mundial da Saúde (OMS) exige uma série de aspectos que podem ser flexibilizados para dar mais qualidade de vida e conforto no momento do parto, afirma Clarissa. Não deixar a gestante sem se alimentar durante todo o trabalho de parto, garantir um espaço privado que resguarde a intimidade da gestante e respeitar a sua manifestação de dor são alguns dos aspectos aos quais os profissionais de saúde devem estar atentos, conta.

Se no dia do parto muitas gestantes se sentem perdidas, durante o pré-natal a sensação é constante. A informação é muito ruim. Sinto que os médicos não se dão ao trabalho de explicar o que está acontecendo, reclama a socióloga Mariléia Hillesheim, 35 anos, grávida pela primeira vez. As consultas são geralmente rápidas, objetivas e focadas. Sempre que surge alguma questão, o máximo que eles respondem é: Fique tranquila, não é nada grave.

Na sétima semana de gravidez, Mariléia teve um susto. Fui fazer uma ultrassonografia e foi detectado um descolamento da minha placenta. Na hora, o médico simplesmente disse para eu procurar meu obstetra. Me senti desnorteada. Até o médico me explicar, não tinha informação alguma, relata. O jeito é a gente ir se resolvendo como dá. Tento pesquisar em livros e procurar na internet mais informações, mas elas nem sempre são confiáveis. E quem não tem acesso a esse tipo de ferramenta, como faz?, questiona.

Para tentar resolver o problema, o Ministério da Saúde (MS) criou o Programa Parto Humanizado. Nosso objetivo é levar informação e capacitação para as maternidades, para que as mães possam exercer plenamente seus direitos. Algumas das questões são um pouco mais complicadas. Para garantir a presença de um acompanhante, temos que investir na ampliação nas salas de parto, explica a coordenadora técnica de Saúde da Mulher do MS, Thereza De Lamare.

Cesarianas

Se as maternidades públicas ainda têm problemas estruturais, as mães reclamam que no setor privado o problema é outro. Logo na primeira consulta, a primeira coisa que o médico diz é: Parto normal para quê? Melhor marcar a data e o horário e resolver isso logo, reclama a professora Maria Ferreira Florinda, 35 anos. A opção pela cesariana, que deveria ser apenas para casos específicos, tem se tornado padrão, reclamam as mães. Eu já passei por cinco obstetras e nenhum deles aceitou fazer parto normal, que é o que quero pra mim. É uma forma menos invasiva, mais natural. Desde que soube que seria mãe, decidi que seria parto normal. Só falta encontrar um médico, diz.

Ela diz que, entre os especialistas que já consultou, as desculpas foram muitas. Alguns tentam dizer que é mais prático, mais rápido e menos doloroso. Outros já são mais diretos e dizem abertamente que não fazem parto normal, conta Maria. Eles dizem que até podem fazer o pré-natal, mas na hora do parto não te acompanharão e que eu ficarei na mão da equipe que estiver de plantão. O problema é o mesmo relatado por Mariléia. É muito mais difícil e demorado, então me disseram abertamente: se eu quiser parto normal, terei que procurar outro profissional, mas está difícil de encontrar, lamenta.

A médica Lucila Nagata, da Federação Brasileira da Associação dos Ginecologistas e Obstetras (Febrasgo), admite o problema. Muitos profissionais trabalham em vários hospitais e, por uma questão econômica, preferem a cesariana. Por mais que o valor pago por um parto normal seja maior que o da cesariana, o tempo e esforço do médico são muito maiores, e isso acaba desestimulando-o a optar pelo parto natural, conta.

O Ministério da Saúde também reconhece o abuso nas cesarianas – que violam o direito das gestantes a um parto o mais natural possível. Segundo dados do próprio ministério, 43% de todos os partos do Brasil são desse tipo. Na iniciativa privada, o índice chega a 80%. Há três anos fazemos campanhas com as associações médicas e com os planos de saúde para conscientizar os médicos, especialmente da iniciativa privada, sobre a importância do parto normal, afirma Thereza. Nos hospitais públicos, as normas do SUS também reforçam que cesariana só em casos excepcionais, completa a coordenadora.

Amanhã, a professora Maria Ferreira tem uma consulta com o sexto obstetra. Na lista de perguntas que pretende fazer sobre a gestação e sobre a saúde do futuro filho, a primeira não será a tradicional É menino ou menina? Antes de qualquer coisa, a professora vai perguntar: Podemos optar pelo parto normal?

Suporte profissional

A palavra vem do grego e significa mulher que serve. Nos dias de hoje, aplica-se às mulheres que dão suporte físico e emocional a outras mulheres antes, durante e após o parto. Antigamente, o cargo era ocupado por mulheres mais velhas, que, além de ajudar no momento do nascimento, acompanhavam as mães e faziam serviços domésticos. Hoje, com famílias menores, a doula virou uma profissão. Psicólogas e outras profissionais dão assessoria para o pré e o pós-parto e acompanham a mãe, tanto no hospital quanto em casa.

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