Brasileira é exemplo da pequena agricultura de palma

Por Mario Osava, da IPS

Moju, Brasil, 20/9/2010 – “Não é trabalho para mulheres”, diziam. Mas Benedita Nascimento se destaca agora como o melhor exemplo de sucesso de um programa de agricultura familiar vinculado ao cultivo de palma na parte oriental da Amazônia brasileira.

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“Há oito anos não conhecia o dendê (a palma africana), e vendia a preços injustos farinha de mandioca para intermediários”, recordou a camponesa, cujo testemunho foi o mais aplaudido na II Conferência Latino-Americana da Mesa Redonda do Óleo de Palma Sustentável, realizada entre 24 e 27 de agosto, em Belém, a capital do Estado do Pará.

Ganhava cerca de US$ 170 por mês, “no máximo”. A palma garante sete vezes mais. Incrédula, Benedita mostrou uma nota fiscal de julho registrando a venda para a empresa Agropalma de uma quantia equivalente a US$ 2.500 desta oleaginosa da qual se extrai o óleo. 

A empresa, que controla dois terços da produção do óleo de palma no Brasil, desconta de cada pagamento o adubo antecipado, a amortização do empréstimo bancário e outros insumos e serviços, como parte do programa de pequenos agricultores que realiza junto com o governo do Pará.

Porém, o “alívio do trabalho” é algo que Benedita valoriza mais do que a renda, assegurada por um contrato de 25 anos com a empresa. 

A tarefa anual de cortar mato, queimá-lo, preparar a terra, semear mandioca, limpar e colher, em um ciclo sem fim e sem perspectivas, a levara ao desânimo. “Pensava em ir embora”, como muitos fizeram, confessou à IPS durante uma visita à sua casa na zona rural do município de Moju, a 200 quilômetros de Belém.

A palma exige dela, de seu novo marido e de um filho de 18 anos, apenas dois ou três dias a cada quinzena para cortar e transportar os frutos. Também a cada seis meses é preciso podar as árvores e limpar e fertilizar o solo. 

Com isso, os agricultores familiares como Benedita superam o rendimento dos 39 mil hectares de palma que a Agropalma cultiva diretamente, de 22 toneladas anuais por hectare.

Os três primeiros anos foram duros. Sem colheita e com um trabalho árduo para cuidar do crescimento das palmas, além dos gastos em sementes, adubos e equipamentos, que foram financiados pela empresa e pelo Banco da Amazônia, instituição estatal de fomento. 

E antes havia a incerteza de saber se a companhia aceitaria contratar uma mulher sozinha, com duas filhas adolescentes, que agora vivem fora, e o mais moço, na época com dez anos. Do primeiro marido não tem notícias. O segundo, pai do filho que a ajuda e faz o curso secundário, foi assassinado em um barco que transportava madeira. O terceiro veio depois da palma. 

“Não nasci para servir de burro a homem algum”, afirma Benedita, e alerta para sua “intolerância diante dos desaforos masculinos, para azar dos meus maridos”, diz, dando um sorriso. 

Também precisou vencer a desconfiança sobre o negócio que lhe ofereciam. “A Agropalma tomará suas terras, os converterá em escravos, isso não é cultivo para pobres”, diziam membros de sindicatos agrícolas contrários ao programa. 

O auge da palma, sobretudo para produzir agrocombustíveis, sofre muitas críticas de insustentabilidade social e ambiental, pelo desmatamento que provocou em países asiáticos. 

Benedita não desanimou e ganhou um dos primeiros 50 lotes, distribuídos em 2002. Sua liderança a levou à Presidência, entre 2007 e 2009, da Associação de Desenvolvimento Comunitário do Ramal do Arauaí, que representa, junto à Agropalma, parte das 185 famílias que plantam dendê em áreas de dez hectares. 

Seu exemplo deu resultado, e agora a produção de 36 lotes é encabeçada por mulheres, que se ajudam entre si, “porque todas temos famílias por trás e queremos ser as melhores para nossos filhos, e assim trocamos conhecimento e apoio”.

O programa inclui moradores rurais pobres, cuja renda dependa da agricultura em pelo menos 70%. Depois de 25 anos, a média de idade produtiva da palma, a propriedade passará para seu nome e com uso livre. 

Para as três primeiras etapas do programa, entre 2002 e 2005, o governo do Pará entregou terras às 50 famílias beneficiadas em cada uma, vizinhas da fazenda da Agropalma.

A quarta etapa incorporou 35 famílias assentadas pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário, a 20 quilômetros de distância. Outra mulher, Raimunda da Costa, preside a Associação de Pequenos Agricultores de Água Preta, que reúne os produtores desta fase. 

“Quando temos apoio, nós mulheres não temos freio. Quero que meu exemplo sirva para outras”, disse Raimunda à IPS.

Hilda Paiva da Silva, de 44 anos, ainda enfrenta problemas em seu lote. Consegue cerca de US$ 580 por mês, mas quase a metade vai para pagar empréstimos. E com o que resta não pode subsistir com seus seis filhos. 

A terra estava em nome de seu ex-marido, que “nunca gostou do dendê” porque para ele “só gerava dívidas” e acabou descuidando, afirmou Hilda à IPS. 

Quando ele se foi, em 2008, transferiu o contrato para sua irmã, Benedita, que a ajudou a produzir um ano depois. Hilda está em plena luta para não cair nos 10% de fracassos que o programa registra.

Entretanto, herdou o lote sem ferramentas nem um burro para transportar a produção, por isso, quando a colheita cai, sua renda volta a depender da farinha de mandioca, que dá muito mais trabalho e pouco dinheiro, queixou-se. 

A palma exige um “trabalho intensivo”, permanente de combate às pragas e alto rendimento para cobrir os empréstimos que se acumulam e cuja amortização é automática na venda dos frutos à Agropalma, que obtém biodiesel e também abastece a indústria alimentícia e de cosméticos.

Em 2009, a crise financeira mundial reduziu pela metade o preço internacional do óleo, referência para os pagamentos da Agropalma, disse Benedita, que vive em sua propriedade às margens de um riacho e a um quilômetro de Arauaí, um povoado de 30 casas. 

A Agropalma tem 4.748 empregados, dos quais 830 são mulheres, a maioria colhedora dos frutos que caem no solo quando se separam dos cachos de alturas de até 12 metros. 

Elas “às vezes ganham mais do que os homens” que cortam os cachos, porque os colhedores recebem por produção, além do salário mínimo, explicou Flávio Trindade, gerente de produção agrícola da empresa. Envolverde/IPS

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Crédito:
Mario Osava/IPS
Legenda: A mandioca continua crescendo no lote de Benedita Nascimento.

 

(IPS/Envolverde)

 


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