Ajuda para decidir sobre aborto no Paquistão

Por Zofeen Ebrahim, da IPS

Karachi, Paquistão, 13/8/2010 – Uma coalizão de organizações defensoras dos direitos femininos inaugurou uma linha telefônica direta para ajudar mulheres que pensam em abortar no Paquistão. Um controvertido projeto que tem defensores e críticos. “Recebemos cerca de 30 ligações em um mês”, disse Gulalai Ismail, de 24 anos, presidente e fundadora da Aware Girls. “Nem mesmo fizemos divulgação”, acrescentou surpresa.

Vários especialistas em saúde reprodutiva estão preocupados com a notícia de que a linha direta incentiva o uso do remédio misoprostol para provocar aborto. A iniciativa pode “desvirtuar” o principal uso do medicamento, de reduzir as hemorragias pós-parto, disse Zulfikar Bhutta, diretor do departamento de Pediatria do Hospital de Clínicas Aga Jan.

“Não sabia que seu uso era incentivado de forma tão descarada no Paquistão. Até nos países ricos são desestimulados seu uso e sua propaganda”, alertou Zulfikar, um dos presidentes da Countdown 2015, uma organização que supervisiona os êxitos em matéria de saúde materna e infantil. “Pode-se imaginar que é problemático em mãos de pessoas inexperientes”, ressaltou.

O misoprostol está aprovado pela Organização Mundial da Saúde, e seu uso comum é prevenir e tratar úlceras gástricas. Os especialistas reconheceram que pode induzir abortos espontâneos, o que atraiu organizações defensoras dos direitos femininos interessadas em reduzir os riscos de terminar uma gravidez em condições precárias.

Cerca de 30 mil mulheres morrem por ano por causas relacionadas à gravidez no Paquistão. Aproximadamente 5,6% dos casos estão ligados ao aborto, segundo a última pesquisa sobre saúde e demografia, feita entre 2006 e 2007. Entretanto, o número real pode chegar a 15%, segundo especialistas.

Acontecem 900 mil abortos inseguros ao ano neste país, diz um estudo nacional realizado pelo Conselho de População em 2004, e aproximadamente 197 mil mulheres acabam em hospitais por complicações posteriores ao procedimento. Apenas 22% das casadas utilizam métodos de planejamento familiar, diz o informe. As paquistanesas que costumam abortar estão casadas e têm média de três filhos.

A legislação sobre o aborto é ambígua neste país, de maioria muçulmana, e os hospitais evitam praticá-lo. As normas sociais não permitem às mulheres buscar formas de acabar com a gravidez. As intervenções costumam ser feitas clandestinamente e sem condições higiênicas adequadas, o que significa alta morbidade e mortalidade.

Para muitas ativistas, o misoprostol é o mais parecido com a salvação. O remédio é muito mais seguro do que uma intervenção cirúrgica em condições precárias ou os métodos tradicionais que as mulheres desesperadas usam para pôr fim a uma gravidez indesejada. É muito semelhante a um aborto espontâneo, diz um comunicado de imprensa da organização internacional Women on Waves, que apoia a linha direta.

Esta linha direta garante “total confiabilidade em um país onde o aborto é tabu”, afirmou Gulalai. “A maioria das mulheres não tem acesso à Internet, não tem muita liberdade para se deslocar, nem chegam a centros de cuidados médicos. E atualmente todo mundo tem um celular”, acrescentou.

A linha direta foi inaugurada no dia 25 de junho, dentro do projeto Sahailee (amiga em língua urdu), criado por uma coalizão de organizações, entre elas a Aware Girls, que trabalha em Karachi, Peshawar e Lahore. Os atendentes foram treinados durante três semanas antes de começarem a trabalhar e dar informação sobre o uso do misoprostol e seus efeitos, como náusea, vômitos, diarreia, debilidade física, dor de cabeça, arrepios, febre e tontura.

Os operadores estão inteirados em assuntos de saúde reprodutiva e planejamento familiar. Quem liga não costuma falar com médicos nem psicólogos e “tampouco podem impor sua opinião, nem seus valores morais. A decisão final de abortar, ou não, é exclusiva da mulher”, destacou. O misoprostol é um medicamento de venda livre e relativamente barato, e não é mencionado no começo da conversa. “Fazemos várias perguntas antes de dar informação sobre o remédio. Também dizemos às mulheres que é recomendável tomá-lo na presença de uma parteira capacitada”, afirmou uma operadora de Lahore.

A linha direta é “um passo muito bom”, disse Samrina Hashmi, ex-integrante da Associação Médica do Paquistão. Por não haver contato pessoal, existe maior confiabilidade, acrescentou. “Espero que chegue às mulheres que precisam de ajuda”, declarou, por sua vez, a obstetra Nighat Shah. Diante da falta de disponibilidade do abortivo mifepristona, o misoprostol é a melhor opção, disse. “Salvamos mães, apesar de tudo”, acrescentou.

Contudo, não há consenso entre os especialistas sobre os benefícios reais da linha direta. “Como clínico, seria muito imprudente auxiliar uma mulher sem conhecer seu histórico nem fazer um exame prévio”, disse a presidente do Comitê Nacional de Saúde Materna e Neonatal, Sadiqa Jararey. O misoprostol não deve ser distribuído “como se fosse bala”, disse, por sua vez, Imtiaz Kamal, presidente da Associação de Parteiras do Paquistão. “Os ativistas, muito entusiasmados, às vezes causam mais dano do que bem a uma causa”, disse Imtiaz, de 86 anos. O remédio deve ser ingerido sob supervisão de uma pessoa capacitada, acrescentou.

“Estamos aqui para salvar vidas de mulheres. A lei permite isto. De fato, muitas dariam vivas se o governo desse a possibilidade de abortar em hospitais públicos”, destacou Gulalai. Envolverde/IPS

(IPS/Envolverde)

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