Rompendo a barreira em ciências agrícolas

Isaiah Esipisu, da IPS

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Nairóbi, Quênia, 4/8/2010 – Em uma aldeia próxima da cidade de Kisumi, no Quênia, a pesquisadora Mary Anyango Oyunga dedica-se a capacitar mulheres em algo que sempre fizeram, mas sem a informação científica suficiente: cultivar batata doce. Oyunga fornece ferramentas úteis baseadas nas conclusões de um estudo que publicou em 2009 na Revista Africana para Alimentação, Agricultura, Nutrição e Desenvolvimento. A pesquisa, segundo a qual a batata doce vermelha é extremamente rica em vitamina A, esteve sob domínio científico desde o ano passado, mas só agora as mulheres de Kisian conhecem sua aplicação prática.

Para Mary, colocar em prática a pesquisa é fundamental. “Realizar um estudo é um passo importante. Mas a utilização das descobertas como ferramentas para melhorar a vida das pessoas no campo o completa”, afirmou. Ela pode aplicar esses conhecimentos graças à bolsa Mulheres Africanas em Pesquisa e Desenvolvimento Agrícola (Award), entregue pelo Grupo Consultivo sobre Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR). O programa premia cientistas por seus méritos em 20 disciplinas agrícolas diferentes.

“Os cientistas estão à frente na busca por soluções para a crise alimentar da África. E precisamos urgentemente encarar a brecha de gênero em nossa comunidade científica. É necessário que mais mulheres procurem uma carreira na ciência agrícola, porque são elas que estão à frente da agricultura africana”, disse a vice-presidente da Aliança para uma Revolução Verde na África, Akinwumi Adesina. Mary é apenas uma das 180 cientistas que ganharam a bolsa Award.

Em Kisian, é considerado vergonha uma mulher não ter batata doce em suas terras. Trata-se de um produto muito valorizado nesta parte do mundo. A planta é cultivada o ano todo e seu tubérculo às vezes complementa dietas magras. Mary, que trabalha no Instituto de Pesquisa Agrícola do Quênia, transmite as conclusões de seu estudo às agricultoras. Determinados tipos de batata doce têm valor nutricional importante, o que é fundamental, principalmente para as crianças, acrescentou.

Estas descobertas poderiam salvar 43 milhões de crianças menores de cinco anos na África subsaariana com carências de vitamina A. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a deficiência em vitamina A é a principal causa da maioria de casos de deficiências visuais e de um significativo aumento no risco de doenças severas, e inclusive de morte, entre crianças. Nas grávidas, a falta dessa vitamina causa cegueira noturna e pode aumentar o risco de mortalidade materna.

Mary recebeu fundos para popularizar diversas variedades de batata doce na região. Graças a um plano-piloto no oeste do Quênia, todas as grávidas que vão a clínicas públicas recebem um vale para retirar esse produto com os agricultores. “Se o método tiver sucesso, então vamos repetir em toda a região da África subsaariana”, esclareceu. “Quando seu estudo é aplicado especialmente para servir os pobres rurais, você sente que criou uma ponte para que as pessoas possam usar para cruzar da pobreza para o desenvolvimento econômico. É extremamente gratificante”, disse Mary.

Um informe divulgado em junho deste ano pela organização ActionAid International, revela que a pequena agricultura, em sua maior parte realizada por mulheres, representa 90% dos cultivos de alimentos na África, e produz cerca de metade do fornecimento mundial. Apesar disso, mulheres cientistas raramente participam de estudos agrícolas ou assumem postos de liderança nessa área.

Vickie Wilde, diretora do programa de Diversidade e Gênero do CGIAR e fundadora da Award, afirma que é hora de mudança. “Investir nas mulheres africanas é um investimento inteligente. E investir em mulheres cientistas é a melhor aposta”, afirmou. Aishatu Bashir Ardo, do norte da Nigéria, é uma mulher de tradição muçulmana que quebrou barreiras culturais para se dedicar à inseminação artificial de gado. É a única mulher em sua região que faz um trabalho considerado masculino.

O número de mulheres profissionais nas ciências agrícolas cresceu 8% entre 2000 e 2008, segundo um estudo. A pesquisa da Award, realizada em sociedade com o centro de estudos Indicadores de Ciências Agrícolas e Tecnologia, indicou que, por sua vez, o número de homens no setor cresceu 2% ao ano.

Embora a brecha diminua, a pesquisa revelou que as mulheres ainda são menos de um quarto dos cientistas da África que trabalham em pesquisa agrícola, e ocupam menos de 14% dos postos de liderança no setor. “As mulheres sempre tiveram papel central não apenas na produção de alimentos, como também assegurando que estes cheguem à mesa. Assim, conhecem o que é bom para a sociedade”, afirmou Mary. Envolverde/IPS

FOTO
Crédito:
Karen Homer
Legenda: Mary Anyango Oyunga compartilha com agricultoras suas descobertas sobre a batata doce.

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