Polícia indicia médicos que fizeram cesariana em mulher que não estava grávida

Fantástico – Rede Globo
O Fantástico teve acesso exclusivo aos depoimentos, e revela novos detalhes dessa história inacreditável.

Você deve se lembrar: em abril, um médico fez cesariana numa jovem de Belém, mas não encontrou nenhum bebê. Esta semana, três médicos que atenderam a paciente foram indiciados pela polícia. O Fantástico teve acesso exclusivo aos depoimentos, e revela novos detalhes dessa história inacreditável.

Para entender a história de Lana Carla Pimenta é preciso voltar a dezembro de 2009. Foi quando a jovem, de 20 anos, levou ao posto de saúde uma ultrassonografia indicando uma gravidez de cinco meses.

Em janeiro, em um novo exame, a médica mostrou a Lana o feto com seis meses de gestação. “Ela disse que era uma menina, que continuava sentada e disse que eu estava com 26 semanas, se eu não me engano, 26 semanas e quatro dias. O feto estava normal, mostrou a cabeça, a coluna, o fêmur”, conta ela.

A partir disso, Lana começou o pré-natal em uma unidade de saúde da periferia de Belém. Em abril, na data prevista do parto, a jovem procurou a maternidade da Santa Casa de Misericórdia, mas, por falta de leito, foi encaminhada no mesmo dia para outra maternidade, para fazer uma cesariana.

Durante a cirurgia, a mãe da Lana foi chamada pelo obstetra. “Olha, eu lhe chamei para lhe dizer que não tem nada dentro na sua filha”, conta a mãe de Lana, Maria Elilde Pinheiro.

Afinal, o que houve com a filha que Lana esperava? O Fantástico teve acesso, com exclusividade, ao inquérito que investiga o caso. Nas mais de 200 páginas estão exames, prontuários, depoimentos de médicos e enfermeiros que atenderam Lana em três unidades de saúde.

Em depoimento à polícia, a enfermeira que atendeu Lana durante o pré-natal disse que não ouviu o coração do feto bater em nenhuma das três consultas da jovem.

“Ela assinalava no cartão como se tivesse ouvindo. Sempre colocou positivo”, lembra Lana.

A enfermeira Luzia Beatriz Barros não foi localizada. Segundo a direção do posto de saúde, ela viajou de férias.

Outro ponto analisado no inquérito foi o crescimento do bebê. Segundo a doutora Lilian Thomé, coordenadora de obstetrícia da Universidade Estadual do Pará, a barriga de Lana aumentou menos que o considerado normal entre o sexto e o sétimo mês de gestação.

“Realmente levanta suspeita muito importante, ou de parada de crescimento ou de desenvolvimento aquém do esperado”, explica a médica.

O advogado da ginecologista Ana Maria de Souza Oliveira, responsável pelo pré-natal da jovem, disse que, por enquanto, a médica não vai falar sobre o caso.

Na última terça-feira, o Instituto Médico legal do Pará confirmou que Lana não esperava bebê no dia da cirurgia, 19 de abril, e nem poderia estar grávida desde março. Só que o prontuário do pré-natal de 5 de abril registra que Lana estava no oitavo mês de gestação.

Em um dos depoimentos à polícia, Lana afirmou que no sétimo mês de gestação teve um sangramento intenso durante três dias seguidos, depois de ter feito esforço para subir uma rede, que fica em cima da cama da mãe. Após o susto, Lana disse que procurou o posto de saúde onde fazia pré-natal.

“A enfermeira disse que estava tudo normal”, conta ela.

“Pode ter havido um descolamento de placenta, uma parada do crescimento, e esse feto foi a óbito. Agora como esse feto foi expulso, sem que a gestante percebesse, eu não sei te dizer”, responde a coordenadora de obstetrícia da Universidade Estadual do Pará, Lilian Thomé.

A polícia também investigou o que aconteceu no dia marcado para o parto. Quando Lana procurou a Santa Casa, foi atendida pelo médico Raimundo de Góes e Castro Neto. Ele confirmou os batimentos cardíacos do feto e a posição do bebê. Depois, encaminhou a paciente para a Maternidade do Povo, onde foi feita a cesariana.

“A avaliação clínica dele atestou que ela estaria grávida, mas volto a afirmar, com base nos documentos que ela apresentou, e como ele estava numa situação de plantonista de urgência e emergência, ele não poderia despender tempo para essa situação, que ela não apresentava risco”, defende Antonio Leite Junior, advogado de Raimundo de Góes.

O obstetra José Guimarães Negrão, que fez a cirurgia e não achou o bebê, disse que examinou Lana antes da cesariana e também levou em conta o laudo da Santa Casa.

“Quando você recebe uma paciente com batimento cardíaco, no laudo que veio da triagem, e quando estou auscultando a paciente no momento do exame e não ouço batimentos cardíacos, o que você faria? Você não tem tempo. O raciocínio seu tem que ser rápido”, garante o obstetra.

A Polícia Civil do Pará indiciou os três médicos por lesão corporal e agora aguarda o parecer do Ministério Público. “Os fatos que deixam perguntas no ar, como ‘onde está o feto?’, que ainda não foram esclarecidos, com certeza serão esclarecidos pela policia”, afirma a delegada da Polícia Civil do Pará Mara Cristina Santos.

“Eu sento na minha cama, olho para as coisas da minha filha e fico tentando entender realmente o que aconteceu”, lamenta a jovem Lana.

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