No Irã a resistência tem nome de mulher

Paris, junho/2010 – No dia 12 de junho de 2009, o povo iraniano ocupou as ruas para protestar contra as fraudulentas eleições com as quais Mahmoud Ahmadinejad iniciou seu segundo mandato. Essas demonstrações pacíficas foram enfrentadas com extrema violência pelo regime iraniano. Desde esse dia, o povo não deu marcha à ré e continua lutando (pacificamente) em defesa de seus direitos humanos básicos

No dia 12 deste mês, ao completar o primeiro aniversário eleitoral, o povo voltou a manifestar seu protesto nas ruas e reclamar a libertação dos 2.500 presos políticos que se encontram nas prisões iranianas. Novamente, o regime reprimiu brutalmente as manifestações. Desde o dia 12, recebo diariamente informações sobre novas prisões e sentenças contra opositores e ativistas.

Há poucas semanas, no dia 9 de maio, os extremos aos quais chega o regime para sufocar seus oponentes ficaram evidentes. Cinco presos políticos foram executados em segredo, nem suas famílias nem seus advogados foram notificados.

Shirin Alam Holi, uma mulher curda de 28 anos, foi executada junto com quatro homens. Em cartas enviadas da prisão Evein, Shirin denunciou como foi torturada para admitir na televisão os atos de terrorismo que lhe eram atribuídos. Ela rechaçou as acusações e negou-se a se declarar culpada, o que, desgraçadamente, decidiu sua sorte. Pelo menos outros 25 homens e mulheres aguardam pelo mesmo destino nas celas dos condenados à morte. Entretanto, como vemos de vez em quando, quanto mais dura é a repressão, maior é a resistência contra o regime. E como demonstra a história de Shirin, as mulheres ativistas estão na vanguarda da luta pelos direitos humanos no Irã.

É interessante observar que este poderoso movimento feminista não nasceu do protesto contra a fraude nas eleições. Na realidade, ganha força desde a Revolução Islâmica de 1979, quando o regime começou a impor leis discriminatórias contra as mulheres, e inclusive antecede a essa revolução. As iranianas exercem o direito de voto desde 1963, antes mesmo das suíças. Atualmente, mesmo sob regime mais repressivo, elas integram em grande número as fileiras dos médicos, professores e executivos, constituem mais de 63% dos universitários e demonstram, em geral, que estão melhor instruídas do que seus colegas homens. 

Não pode, então, ser surpresa que não queiram ficar de braços cruzados nem aceitar que suas vidas não tenham o mesmo valor que as dos homens. Sem líderes, nem uma organização central, durante 31 anos o movimento das mulheres residiu em cada família iraniana que se importa com os direitos humanos. No ano passado, surgiu o Movimento Verde. Com as ativistas pelos direitos humanos no timão, a rede de grupos e de pessoas que constitui este movimento exige sistematicamente o império da democracia e dos direitos humanos no Irã.

Tomemos como exemplo o caso das Mães de Luto. Todas as semanas, desde junho de 2009, as mães, cujos filhos estão na prisão, desapareceram ou morreram devido à repressão, se reúnem no Parque Laleh em Teerã. Vestidas de negro, levam consigo fotos dos filhos ou netos, rodeadas por outras mulheres que as apoiam. Reúnem-se pacificamente todo sábado e a cada vez a polícia as ataca, as espanca e as prende. Esta violência desmedida se converteu, lamentavelmente, em rotina no Irã, mas isso não dissuadiu as Mães de Luto de insistir em seu protesto.

Em dezembro do ano passado, uma onda de prisões e violência seguiu-se aos protestos pacíficos que tiveram lugar no dia sagrado de Ashura, celebrado pelos muçulmanos xiitas. Dezenas de jornalistas e de ativistas foram escolhidos como alvo da repressão, e eu não fui exceção. Em uma tentativa de impedir que cumprisse meu trabalho do exterior, o governo prendeu minha irmã, a médica Noushin Ebadi. Ela nunca foi politicamente ativa nem participou de manifestações. Foi detida por três semanas apenas em razão do meu compromisso com os direitos humanos.

Mas este valente grupo de mulheres não se deterá em sua luta. Elas estão demonstrando que as maneiras criativas de resistência são inúmeras e não podem ser anuladas pela repressão.

A Campanha do Milhão de Assinaturas trabalha desde as eleições de 2009 para conseguir adesões dos homens e das mulheres do Irã que se opõem às leis e às práticas discriminatórias. No dia 11 de março desse ano, o site Mudança pela Igualdade, que promove a campanha de assinaturas, recebeu o Prêmio Netizen, da organização Jornalistas Sem Fronteiras. No dia seguinte, que ironicamente era o Dia Mundial Contra a Cibercensura, as autoridades iranianas fecharam o site pela 23ª vez desde que entrou no ar em 2006. Apesar de tudo, voltou a funcionar novamente quatro horas depois.

A luta pelos direitos humanos e a igualdade de gênero e pela democracia no Irã continua. As mulheres estarão na vanguarda das atividades pacificas de hoje como estiveram antes e estarão amanhã. E tenham em conta minhas palavras: serão as mulheres que trarão a democracia ao Irã. IPS/Envolverde

Shirin Ebadi é advogada, prêmio Nobel da Paz em 2003 pela defesa dos direitos humanos no Irã e fundadora da Iniciativa de Mulheres Prêmio Nobel.

 

(IPS/Envolverde)

 

 

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