Solitários

Folha Universal

Cresce no mundo todo o número de pessoas que vivem sozinhas ou se sentem sós. Internet, a grande quantidade de divórcios e a correria das grandes cidades só agravam este grave problema, que pode levar à depressão

 

Obrigada por razões profissionais a me transferir para São Paulo, me encontro sozinha e sem amigos. A cidade me sufoca durante o dia e me isola à noite num pequeno apartamento. Não sei o que fazer, não tenho a quem recorrer, às vezes chego quase ao desespero. Quero gente para conversar e conviver. Ajude-me, por favor.”

Anúncios como este, destacado em uma tese de doutorado sobre solidão no mundo contemporâneo, são cada vez mais comuns nos jornais e sites da internet.

O trabalho excessivo, a vida acelerada das grandes cidades, a situação financeira ruim, os contatos cada vez mais virtuais e o número de divórcios que cresce a cada dia são alguns dos motivos que incrementam o exército de solitários que cresce a cada dia.

Uma pesquisa recente intitulada “The Lonely Society” (“A Sociedade Solitária”), feita pela Mental Health Foundation’s, na Inglaterra, com 2.256 pessoas de todas as faixas etárias, revelou que quase 60% dos entrevistados com idade entre 18 e 34 anos disseram sentir solidão com frequência ou às vezes.

O número cai para 35% entre pessoas com 55 anos ou mais (veja gráfico na página 10).
O estudo apontou também que a tecnologia pode acentuar o isolamento ao mesmo tempo em que oferece meios de conectar as pessoas.

Quase um terço dos jovens entrevistados assumiu que passa tempo demais se comunicando com a família através da internet quando poderia fazê-lo pessoalmente.

Outro dado importante do relatório inglês é que mulheres disseram se sentir mais sós do que homens. Elas apresentaram ainda maior tendência a se sentir deprimidas como resultado da solidão.

“Os jovens com quem trabalhamos nos dizem que falar com centenas de pessoas em sites de relacionamento não é como ter um relacionamento real e que, quando usam esses sites, estão sozinhos em seus quartos”, disse a diretora da entidade beneficente britânica YoungMinds, Sarah Brennan, comentando a pesquisa à rede britânica de notícias “BBC”. “A solidão é um problema que precisamos resolver. Nos últimos anos, nossas comunidades foram se desintegrando.”

Se na Inglaterra o índice de domicílios habitados por uma única pessoa é de 30% e, nos Estados Unidos, 25%, no Brasil a situação não é muito diferente. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE de 2008, 11,6% dos brasileiros não dividem o teto com outra pessoa. Há 10 anos o índice era de 8,4%.

A maioria dos solitários brasileiros está entre idosos: 40% têm mais de 60 anos. Para engrossar ainda mais a massa de pessoas sozinhas, o número de divórcios no País também cresceu, batendo o recorde desde que a contagem começou a ser feita em 1984: foram 188 mil em 2008. A média de idade dos divorciados foi de 43 anos para homens e 40 para mulheres.

Maíra*, de 46 anos, separou-se do marido aos 23. Ela cuidou sozinha dos filhos pequenos e trabalhava muito, o que gerou estresse, depressão e, alguns anos depois, a levou ao vício em cocaína. “Quando as crianças cresceram tudo piorou. Passei anos na cama, com depressão profunda. Não tinha mais ninguém para cuidar e já tinha conquistado um império financeiro. Tinha muito tempo para mim e não sabia como usá-lo”, lembra.

Hoje Maíra luta contra a depressão e o vício em uma clínica de reabilitação para álcool e drogas. “Estou mudando, mas as pessoas lá fora não. Vou ter de encarar o mundo sozinha mais uma vez”, desabafa (veja depoimento completo na página 9).

Dramas como este são contados repetidas vezes nos telefones ao Centro de Valorização a Vida (CVV). Segundo a central de comunicação da instituição, o CVV recebe 1 milhão de ligações por ano e a solidão é assunto recorrente.

“Existem pessoas que ligam falando sobre solidão e outros assuntos que podem, se não dermos atenção adequada, levar a pessoa a tirar a própria vida”, diz Adriana**, uma
das voluntárias.

Para a psicóloga Christina de Queiroz Lacerda, coordenadora terapêutica da Clínica Viva, a solidão, quando não trabalhada internamente, pode virar depressão. “E se a pessoa tiver propensão, a bebida e as drogas aparecem como um alívio para a dor.” Já a psicóloga e pesquisadora Roberta Elias Manna alerta: estar só é diferente da solidão como sofrimento que aparece mesmo quando há gente em volta.

“Estar com pessoas é uma necessidade humana. O contrário, estar sempre sozinho, é um fator gerador de sofrimento. Ainda mais quando você tem aquela sensação de não poder contar com ninguém”, completa.

É assim que o skatista profissional e empresário Alessandro McGregor, de 30 anos, se define: alguém com um grande círculo de amizades, porém solitário. “Eu sou de uma família de quatro irmãos e, desde pequeno, aprendi a me virar sozinho. Fui andar de skate, que é um esporte individual, e acabei ficando meio de lado em casa porque meu pai não gostava do esporte. Tive de trabalhar desde os 13 anos. Minha irmã mais velha, por exemplo, não precisou trabalhar na adolescência porque meus pais deram condição para ela estudar. Acho que tudo isso me influenciou a ser mais solitário”, lembra.

McGregor conta que muitas vezes até viaja para o exterior e volta sem que ninguém fique sabendo. E, mesmo namorando, afirma que sente necessidade de ficar sozinho. “Às vezes eu preciso ficar sozinho fisicamente. Acho que me acostumei. Quando eu era criança fechava a porta do quarto, não atendia telefone, não falava com ninguém. Hoje, por causa dos compromissos profissionais, não dá para desligar o celular, mas em alguns momentos preciso me isolar. Fico horas andando sozinho”, conta.

O empresário solitário acredita que sua postura autossuficiente afasta as pessoas e ao mesmo tempo funciona como defesa. “Isso me incomoda e é uma defesa também. Mas em certos momentos você acaba se vendo solitário porque os outros pensam que você é forte o suficiente e na verdade você não é.”

Para quem já sente que a solidão pode estar virando depressão, o conselho é procurar ajuda e vencer o isolamento com uma receita simples, porém eficaz: “É preciso se conhecer, ter mais segurança e autoestima. Descubra o que te dá prazer e viva com alegria”, afirma Christina.

*Nome fictício para preservar a identidade do entrevistado
** O sobrenome é preservado para manter o anonimato dos voluntários do CVV

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“Minha solidão aumentou ainda mais quando meus filhos cresceram”

Me casei aos 19 anos. Quando me separei, aos 23, com dois filhos pequenos, me vi sozinha e a partir de então tive uma vida solitária, porque fui mãe, pai, mulher, tudo ao mesmo tempo. Mas não tinha ninguém.

Tive vários namorados, mas nada me completava. Passei a trabalhar muito e esse excesso de trabalho me levou a um estresse enorme.

Aos 30 anos eu já tinha uma estabilidade financeira muito boa para as mulheres da minha idade.

Essa cobrança por ser cada vez melhor para a minha família e a solidão acabaram gerando depressão. Minha solidão aumentou ainda mais quando meus filhos cresceram.

Aos 20 anos, minha filha começou um namoro sério com um rapaz com quem está até hoje e vai se casar e eu quase não a via.

Meu menino também tinha suas atividades. Acabei ficando mais deprimida. Para piorar, perdi meu pai, que era minha única referência. Assim eu conheci a cocaína. Como estava em uma depressão muito profunda a droga pareceu maravilhosa.

Depois vinha o remorso, culpa, vergonha. Porque eu estava fazendo exatamente o contrário do que eu ensinei aos meus filhos.

Eu fazia psicanálise, ia ao psiquiatra, mas não contava que estava me drogando. Minha maior dificuldade em não usar a cocaína era a solidão, o vazio

Eu tinha muito tempo para mim e não aproveitava. Acabei contando para os meus filhos porque eles começaram a ver a minha mudança de comportamento.

Eu não saía mais, evitava qualquer tipo de programa social, programa em família, porque tinha medo de eles perceberem que eu estava alterada.

Quem não tem habilidade para lidar com essa doença vê o usuário como um fraco, sem caráter. A mulher que eu era foi esquecida. Eu passei a ser apenas a drogada da família e isso acabou comigo.

Muitas vezes, antes de usar cocaína, tentei pedir ajuda aos meus filhos e à minha mãe. Tentei mostrar que não estava bem, mas meus filhos eram muito jovens e minha mãe muito individualista. Vim para a clínica voluntariamente.

A maior dificuldade aparece na hora de sair. Porque nós mudamos aqui dentro, mas ninguém muda lá fora. Como nós dizemos na oração, “só podemos mudar a nós mesmos.

Aos outros só podemos amar”. Muitas mulheres quando ficam sozinhas vão para o álcool ou para a cocaína.

Por que o aumento crescente do uso de cocaína por mulheres? Justamente pela síndrome do ninho vazio, pela solidão.

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