Idade do bem-estar

O amadurecimento pode trazer felicidade. Pesquisa realizada nos EUA indica que, depois dos 50, as pessoas tendem a sentir menos estresse e raiva e a valorizar atividades que dão mais prazer, como passar o tempo com os amigos e os familiares

Paulo de Araújo/CB/D.A Press
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Correio Braziliense

A vida começa aos 50. O ditado pode ser bem antigo, mas sua mensagem nunca esteve tão atual. Com mais maturidade e experiência, quem já completou cinco décadas de vida dá o exemplo para os mais jovens e mostra que a vida é bem melhor quando os pequenos problemas são deixados de lado, e mais valor é dado ao que realmente importa, como os amigos e a família. Para essa turma, que esbanja felicidade, a palavra de ordem é aproveitar o que a vida pode oferecer de melhor, sem estresse.

A professora e arquiteta Luana Le Roy, com 55 anos e no auge da felicidade, acredita que esse estado só pode ser alcançado quando se aproveitam os ensinamentos que são dados ao longo de toda a vida. “A simples passagem dos anos não garante experiência. A experiência verdadeira — aquela que pode gerar a felicidade própria da idade madura — é adquirida quando vive-se cada evento que a vida nos coloca no caminho como uma oportunidade para aprender, para desenvolver valores internos, para adquirir sabedoria”, diz.

Ela acredita, no entanto, que essa postura otimista pode gerar reflexos positivos não só com o passar dos anos. Para Luana, aproveitar as oportunidades de aprendizado nos torna pessoas mais felizes também no presente. “Não é muito mais tranquila e feliz a vida de quem encara cada dificuldade como uma oportunidade em vez de ficar lamentando? Cada obstáculo é uma aventura. Vamos a ela com alegria e coragem! E retornamos com um troféu: o saber”, acredita. “Podemos ser o herói em vez da vítima indefesa”, ensina.

Luana não está sozinha na percepção de que a maturidade pode ser uma aliada do bem-estar. Uma pesquisa do Instituto Gallup feita recentemente nos Estados Unidos, com cerca de 340 mil pessoas, observou que o sentimento de felicidade é mais comum entre aquelas que já passaram dos 50. “Os principais resultados são que os sentimentos de raiva e de estresse diminuem consideravelmente com o passar dos anos”, explica Arthur Stone, psicólogo da Universidade Stony Brook, em Nova York, um dos autores do estudo, em entrevista ao Correio. “Assim, os mais velhos relataram menos estresse, raiva e preocupação, e, a partir de 50 anos, mais felicidade”, explica.

Apesar de a pesquisa não apontar uma causa específica para o fenômeno, Stone acredita que essa felicidade seja fruto da mudança de valores que acontece ao longo da vida. “Pessoas mais jovens estão se esforçando para alcançar realizações e não baseiam suas decisões em felicidade imediata, mas em atingir essas conquistas”, afirma o pesquisador. “Com a idade, a realização passa a ser menos importante, e o foco da escolha das atividades passa a ser o prazer imediato. Isso pode ser a companhia de um amigo, a proximidade da família, atividades divertidas ou qualquer outra que a pessoa valorize”, completa.

Humildade
A aposentada Ana Emília de Oliveira Silva, 55 anos, ilustra bem essa parcela da população identificada na pesquisa americana. Com o tempo, ela mudou seus valores e passou a viver com mais leveza. “Com certeza, eu sou muito mais feliz hoje do que há 20 anos. Aprendi a dar valor ao que é realmente importante na vida, como as verdadeiras amizades e a família. Aprendi a ver cada momento de uma maneira única”, conta.

Além disso, ela acredita que humildade deve ser a palavra-chave para quem quer ser feliz. “Se você é uma pessoa apegada, que não sabe abrir mão das coisas, dificilmente ficará bem com você ou com o resto do mundo. Acho que ceder também é importante para ser feliz”, opina Ana Emília. “Por isso, acredito que exercitar a humildade é um bom caminho para levar uma vida cada vez melhor.”

Para a psicóloga e gerontologista da Universidade Católica de Brasília (UCB) Alessandra Arrais, a experiência adquirida ao longo dos anos pode ajudar a pessoa a encarar a vida de uma maneira diferente. “A maturidade tem esse grande ganho. Algo que na juventude tem grande importância, com o tempo, acaba se tornando uma besteira. Em muitos casos há um ganho de flexibilidade, você passa a se preocupar menos com a vida e a aproveitar mais o que ela tem a oferecer”, avalia.

A especialista acredita, no entanto, que para aproveitar as vantagens do amadurecimento é preciso saber utilizar os conhecimentos adquiridos a seu favor. “Não dá para generalizar e achar que toda pessoa com mais idade é sábia. Há quem passe a vida toda sem amadurecer. Essas pessoas acabam correndo o risco de ficarem mais enrijecidas”, conta. “Nesse caso, o tempo, que poderia ser um aliado, acaba atrapalhando, já que a pessoa não consegue reavaliar suas atitudes e não acompanha as mudanças do tempo”, completa.

O esforço de amadurecer bem vale a pena. Segundo o coordenador do Centro de Medicina do Idoso do Hospital Universitário de Brasília (HUB), Renato Maia, felicidade pode ser sinônimo de saúde. “O conceito de saúde moderno envolve muitas outras questões além do bem-estar físico. Sentir-se bem consigo mesmo e ter uma postura positiva diante da vida influenciam positivamente nossa qualidade de vida e, por consequência, nossa saúde”, afirma o médico. “Acreditar na vida e na felicidade não tem limite de idade, muito menos contraindicação. É para todo mundo”, garante.

Cada obstáculo é uma aventura. Vamos a ela com alegria e coragem! E retornamos com um troféu: o saber”

Luana Le Roy, arquiteta


Sou muito mais feliz hoje do que há 20 anos. Aprendi a dar valor ao que é realmente importante na vida”

Ana Emília de Oliveira Silva, aposentada

Três perguntas para

Melissa Andrade, filósofa, professora voluntária da Nova Acrópole

A senhora concorda com a ideia de que a felicidade vem com a idade?
Felicidade, de acordo com a

filosofia de Aristóteles e Platão, é aquela própria do ser humano que vive uma vida conforme a razão guiada pelas virtudes. Para eles, o homem feliz seria aquele guiado pela justiça, pela beleza, pelo amor. Se o homem tem uma saga de vida profunda, com o passar do tempo fica melhor, pois a decadência do corpo não é motivo para lamúrias. Ela, na verdade, liberta a alma para a contemplação. Por outro lado, se o homem vive uma vida muito externa, a velhice é um peso, pois não se pode desfrutar mais tanto dos prazeres próprios dos sentidos. Não é o tempo que deixa o homem mais feliz, mas o seu amadurecimento. Contemplação para os filósofos não significa uma atitude passiva, mas uma busca pelas essências, pelos segredos e mistérios da vida.

Será que só o tempo é capaz de nos fazer feliz ou é preciso algo mais?
O tempo cronológico diz pouco. Uma pessoa idosa pode ser mais imatura que uma pessoa jovem. A felicidade está associada à sabedoria. Quanto mais o conhecimento sobre o sentido da vida e o papel do homem são traduzidos numa conduta de vida profunda e verdadeira, mais feliz e realizado o homem se torna. O que torna um homem feliz é ser coerente com os sonhos mais elevados e sublimes de sua própria alma. É agir conforme o dever e trabalhar em função de ideais que vão além da mera sobrevivência. Viver assim é possível, podemos aprender a ser assim. É isso o que a filosofia ensina.

A senhora acredita que é possível encontrá-la definitivamente ou ela é sempre passageira?
A felicidade é um arquétipo, um ideal. Felicidade definitiva só pode ser identificada com o nirvana, o estado de realização total dentro da filosofia do Oriente. O que temos são lampejos de felicidade próprios de um mundo em constante mudança. Mas, apesar disso, o homem pode ser muito mais feliz do que é hoje. Pode expandir seus limites e viver experiências cada vez mais profundas que o realizem. Esse é o trabalho da filosofia: ajudar o homem a se tornar cada vez mais pleno.

Leia a íntegra da entrevista com o pesquisador norte-americano Arthur Stone

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