As mulheres do Irã, por um brasileiro

Leandro Loyola*

É muito comum ver uma mulher se arrumar. Incomum é ver uma mulher esconder a beleza. Há duas semanas, durante um voo entre Dubai, nos Emirados Árabes, e Teerã, capital do Irã, eu vi. Pouco antes de o avião pousar, uma moça bonita, bastante maquiada, que vestia uma calça jeans justa e uma blusa, vai ao banheiro e volta diferente. Ela veste, por cima de tudo, um vestido comprido que esconde suas formas. Também esconde o cabelo arrumado sob um lenço. A moça estava apenas se adequando às leis do Irã, uma ditadura religiosa, um país onde as leis estão submetidas aos preceitos do islamismo.

 

Nos cinco dias que passei em Teerã, durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para fechar o mais que comentado acordo nuclear envolvendo o Irã e a Turquia, eu vi muitas mulheres que escondiam sua beleza (por sorte, as feias também escondiam…). No ano passado, as iranianas foram notícia depois que o governo reprimiu com violência protestos contra fraudes na reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad. Morta nos protestos, a estudante Neda Soltani se tornou um símbolo mundial da luta contra o governo.

Nesse regime ditatorial, obviamente as mulheres têm uma vida mais difícil. Mas, antes de examinar a vida delas, é bom evitar os clichês, que são produto da ignorância. O Irã não comporta clichês. Ao contrário dos seus vizinhos, o Irã não é um país árabe: os iranianos são persas, falam uma língua chamada farsi e são descendentes milenares de reis que estudamos no ensino médio, como Ciro, Dario e Xerxes (representado no cinema, entre outros, por Rodrigo Santoro, com visual de Vera Verão, em “300 de Esparta”). Durante décadas até a revolução islâmica de 1979, os iranianos viveram sob a ditadura do xá Reza Pahlavi, mais próximo do ocidente.

Em cinco dias em Teerã, consegui perceber que as iranianas são muito diferente das habitantes de países muçulmanos, como Arábia Saudita, Catar ou Afeganistão. Elas não se escondem sob pesadas burcas, não vivem enclausuradas, nem são proibidas de estudar. As iranianas andam sozinhas nas ruas como as brasileiras, dirigem carros, trabalham e são mais da metade dos estudantes das universidades. Tudo muito parecido com o mundo ocidental, mas não corresponde aos clichês sobre o mundo islâmico. É por isso que o Irã é diferente.

Primeiro, as roupas. É possível fazer uma analogia: em Portugal encontra-se nas ruas mulheres – especialmente as mais velhas e no interior do país – vestidas com pesadas roupas pretas. No Irã, apenas as mulheres mais velhas ou mais religiosas usam aquela roupa preta característica, que deixa apenas o rosto descoberto. A maioria anda pelas ruas como a moça do avião: de calça, camisa, o vestido e um lenço colorido na cabeça. Seguem a moda ocidental, mas são obrigadas a cumprir a lei islâmica. No caminho inverso, de Teerã para Dubai, vi uma mulher embarcar de lenço e vestido e descer em Dubai de camisa e calça jeans, ambas justas, e coberta de jóias. Era uma mulher árabe comum.

O lenço, que parece um sinal de submissão, é apenas pragmatismo.Pela lei, ele deve cobrir os cabelos, considerados sensuais. Mas a cada dia os lenços estão cada vez mais para trás, cobrindo uma porção menor do cabelo. Na frente aparecem vastos topetes, muitas vezes pintados de cores claras, como o tratamento de luzes feito pelas brasileiras. Deixar o cabelo exposto é uma espécie de protesto silencioso das mais jovens contra o conservadorismo e o endurecimento do governo Ahmadinejad. Se, no Brasil, ousadia são as calças justas, baixas e os decotes abusados das funkeiras, no Irã a ousadia é o lenço. Convenhamos: pelo menos há algum charme ideológico, há muito desaparecido por aqui.

As iranianas parecem gostar muito de maquiagens. Em geral, elas se pintam com mais intensidade que as brasileiras. Um detalhe chama a atenção: nas ruas é muito comum ver mulheres jovens, até meninas, com bandagens no nariz. As cirurgias plásticas no nariz são uma mania nacional. Assim com as brasileiras estão turbinando seus seios com próteses de silicone, as iranianas procuram mudar seus narizes, característicos da etnia árabe, para um estilo mais parecido com o ocidental. Isabel Clemente diria que é um caso de “globalização de um padrão de beleza”. Não posso teorizar, seria picaretagem. Mas, na prática, se for para melhorar o visual feminino, eu apoio.

Provavelmente o modo de agir das iranianas e dos iranianos torna o ambiente menos opressivo. A única restrição é o contato físico com os homens. Um homem não cumprimenta uma mulher com um aperto de mão, quanto mais com beijinhos no rosto, se não for seu pai, irmão, filho ou marido. Com essas restrições, não é difícil inferir que sexo casual é uma operação arriscada no Irã. Pela lei, quem não é casado não pode transar. Estrangeiros já foram presos e cumpriram pena por transar com iranianas “sem serem casados”. Alguns apenas passaram por constrangimentos ao tentar chegar aos seus quartos de hotel com uma iraniana.

É claro que a situação das mulheres no Irã é ultrajante. É difícil para nós, ocidentais, que vivemos há mais de 200 anos sob os padrões de liberdade estabelecidos a partir do Iluminismo, pensarmos em viver sob as restrições de uma teocracia. Mas é preciso também comparar com outros estados islâmicos e ver que as iranianas têm mais autonomia do que muitas à sua volta. Para quem se acostumou a pensar no Irã apenas pela imagem de seu governo, do presidente Ahmadinejad e dos aiatolás, é instrutivo conhecer melhor suas origens e seu modo de vida. Como sempre, as pessoas são surpreendentes.

*Leandro Loyola é editor de ÉPOCA na Sucursal de Brasília, e, ao contrário do Guilherme Evelin, citado num post da Ruth, não está disponível. É casado e pai de dois meninos. Aqui faz uma participação especial como colaborador do blog.

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