'Corte brasileira preserva lei que protege torturadores'

Do G1, com informações da Agência Estado

ONG Anistia Internacional divulgou nota criticando decisão do STF. Supremo decidiu nesta quinta (29) que Lei da Anistia vale para todos.


A ONG Anistia Internacional, que luta pela defesa dos direitos humanos, divulgou nesta sexta-feira (30) nota em que critica a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que rejeitou nesta quinta-feira (29) ação que pedia a revisão da Lei da Anistia. Sob o título “Corte brasileira preserva lei que protege torturadores”, o texto avalia a iniciativa do STF como “uma afronta à memória de milhares de pessoas mortas, torturadas e estupradas” e ressalta que as vítimas da ditadura militar e seus familiares tiveram “novamente o acesso à reparação, verdade e justiça negado”.

O chefe de estudos da Anistia Internacional no Brasil, Tim Cahill, afirma na nota que o STF “deu chancela” ao indulto conferido no governo militar “àqueles que cometeram crimes contra a humanidade”. “Em um País onde não são julgados assassinatos desencadeados pela força policial e onde muitos são torturados em delegacias e prisões, essa posição é um claro sinal de que no Brasil ninguém é responsabilizado quando o Estado mata seus próprios cidadãos”, afirmou.

Desobediência
A entidade acusa o Brasil de desobedecer as convenções e entendimentos internacionais que obrigam a ser submetidos a julgamento responsáveis por crimes de execução e tortura. “A eliminação de responsabilidade é inadmissível, pois tem como objetivo impedir investigações e punições de responsáveis por sérios crimes de violação aos direitos humanos, como a tortura”, salienta a ONG.

A Anistia Internacional também compara o Brasil aos seus vizinhos latino-americanos, destacando que, diferentemente deles, o País não levou ao banco dos réus acusados de crimes contra os direitos humanos durante o regime militar. “Diferente de Argentina, Bolívia, Chile, Peru e Uruguai, o Brasil não levou à Justiça os acusados de violar os direitos humanos durante a ditadura militar”, ressalta.

O STF decidiu ontem que a anistia no Brasil é ampla e irrestrita, destacando que é impossível processar ou punir agentes do Estado que praticaram crimes contra opositores durante o regime militar. Promulgada em 1979, a Lei da Anistia perdoou os cidadãos punidos por ações contra a ditadura e os agentes de Estado acusados de violarem direitos humanos.

Julgamento
Em dois dias de julgamento, os ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Ellen Gracie, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e o presidente do STF, Cezar Peluso, resolveram seguir o parecer apresentado pelo relator da ação, ministro Eros Grau. Em seu voto, que demorou mais de três horas para ser lido nesta quarta-feira (28), Grau disse que a ação proposta pela OAB feria “acordo histórico que permeou a luta por uma anistia ampla, geral e irrestrita”. Ele também considerou que o Judiciário não teria “autorização para reescrever a história da Lei da Anistia”.

“É inútil argumentar que os agentes da repressão não teriam cometido crimes políticos, porque a anistia também apanha os chamados crimes comuns”, avaliou o presidente do STF ao proferir o último voto do julgamento.
Dias Toffoli se declarou impedido de analisar a questão por ter atuado como advogado-geral da União no caso. Com problemas de saúde, Joaquim Barbosa deve ficar afastado do STF por 60 dias e não participou do julgamento.

Contra
Primeira a votar depois do relator, a ministra Cármen Lúcia lembrou parecer do então conselheiro da OAB Sepúlveda Pertence sobre o projeto da Lei da Anistia segundo o qual considerava há três décadas: “Nem a repulsa que nos merece a tortura impede reconhecer que toda a amplitude que for emprestada ao esquecimento penal desse período negro da nossa história poderá contribuir para o desarmamento geral, desejável com o passo adiante no caminho da democracia.”

Ellen Gracie seguiu mesmo entendimento afirmando que “não é possível viver retroativamente a história”. Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello apresentaram argumentos semelhantes.

A favor
Os ministros Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Britto votaram pelo acolhimento do pleito da OAB por entender que a anistia não deve se concedida a torturadores e
autores de outros crimes hediondos, como assassinatos, sequestros, estupros.

O ministro Ayres Britto foi responsável pela defesa mais contundente da mudança na Lei da Anistia. Ele argumentou que o texto da norma não é claro. “Não consigo enxergar no texto da Lei da Anistia essa clareza que outros enxergam com tanta facilidade, que incluiu no seu âmbito todas as pessoas que cometeram crimes, não só os singelamente comuns, mas os caracteristicamente hediondos ou assemelhados”, afirmou Britto.

Britto foi duro ao condenar os torturadores. “Um torturador não comete crime político. Um torturador é um monstro, é um desnaturado, é um tarado. Um torturador é aquele que experimenta o mais intenso dos prazeres diante do mais intenso sofrimento alheio perpetrado por ele. É uma espécie de cascavel de ferocidade tal que morde ao som dos próprios chocalhos. Não se pode ter condescendência com torturador”, afirmou Britto. “A humanidade tem o dever de odiar seus ofensores porque o perdão coletivo é falta de memória e de vergonha. Com viés masoquístico à reincidência”, argumentou Ayres Britto no seu voto.

O que diz a lei
A Lei da Anistia (Lei 6.683/79) foi proposta pelo presidente João Baptista Figueiredo e beneficiou os que tiveram direitos políticos suspensos, servidores públicos, militares, dirigentes e representantes sindicais punidos com fundamento nos atos institucionais – conhecidos como AI – e complementares do regime militar. Ficaram de fora da anistia os condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal.

A ação da OAB cobrava uma interpretação mais clara sobre o que foi considerado na norma como perdão aos crimes “de qualquer natureza” quando relacionados aos crimes políticos ou praticados por motivação política. Para a OAB, a lei “estende a anistia a classes absolutamente indefinidas de crime.”

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Decisão do Supremo acaba com chance brasileira no Conselho de Segurança da ONU, diz Fábio Konder

 

Gilberto Costa*
Repórter da Agência Brasil

Brasília – O jurista Fábio Konder Comparato, que formulou ação contestando a Lei da Anistia (Lei 6.683/79), acredita que a decisão de não revisar a legislação que perdoou crimes comuns cometidos por agentes do Estado durante o período militar é um “escândalo internacional”. Ontem (29), o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a ação proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

“O Brasil é um

país de duas faces. Lá no exterior, nós somos civilizados e respeitadores dos direitos humanos, sorridentes e cordiais. Por dentro, nós somos de um egoísmo feroz”, analisou. “Isso é um escândalo internacional. Nós somos o único país da América Latina que não julgou inválidas essas anistias.”

No Peru e no Chile, as leis de anistia foram revistas após julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Comparato acredita que o Estado brasileiro será condenado, na Corte Interamericana de Direitos Humanos, por causa da prisão arbitrária, tortura e desaparecimento de 70 pessoas na Guerrilha do Araguaia, na década de 1970. O julgamento na Corte está previsto para os dias 20 e 21 de maio.

Na avaliação do jurista, a condenação na Corte vai afetar pretensões da chancelaria brasileira. “Com isso cai por terra todo o projeto do Itamaraty de fazer com que o Brasil ocupe uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.”

O relatório da OEA, acatando a denúncia apresentado pela seção brasileira do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL/Brasil) e pela Human Rights Watch/Americas (HRWA), está disponível no link: http://www.cidh.org/annualrep/2000port/11552.htm

Para Criméia Almeida, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos de São Paulo, o resultado do julgamento “era esperado”. “O Poder Judiciário tem a postura a favor da impunidade”, afirmou.

Segundo ela, a decisão de ontem “faz o que o João Batista de Oliveira Figueiredo [último presidente militar, que assinou a Lei da Anistia] não teve coragem de fazer”. “O ex-presidente foi mais dissimulado. A lei não diz que estão anistiados quem cometeu crime comum.”

Para o presidente do Clube Militar, general Gilberto Barbosa de Figueiredo, o Supremo não poderia tomar outra decisão. Em sua opinião, “ficaria complicado” rever o alcance da Lei da Anistia. “Seria uma reviravolta”, comentou.

*Colaborou Carina Dourado, repórter da TV Brasil

Edição: Lílian Beraldo

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Vannuchi diz que Comissão da Verdade pode avançar apesar da decisão do STF

 

Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Um dia após o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitar a ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra a interpretação que a Lei da Anistia perdoou inclusive quem cometeu crimes comuns, o ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, disse que pode haver, nesse momento, um efeito paradoxal e o anteprojeto para criar a Comissão Nacional da Verdade avançar. “O ruído de punição não ajuda o entendimento”, comentou o ministro citando votos do STF que defenderam o direito à memória e à verdade.

Criméia Almeida, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos de São Paulo, não tem a mesma percepção. “Não acho que seja possível uma Comissão da Verdade com impunidade”. Para o general Gilberto Barbosa de Figueiredo, presidente do Clube Militar, “nada impede que se apure. O direito da verdade existe é essencial”.

Na próxima quinta-feira (5), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve encaminhar um anteprojeto de lei propondo a criação da Comissão Nacional da Verdade para apurar violações contra os direitos humanos cometidos na ditadura militar (1964-1985), segundo informação de Vannuchi.

A comissão não terá caráter punitivo como um tribunal. Terá como atribuição verificar quem foi torturado, quem torturou e onde estão os corpos das pessoas desaparecidas por causa da repressão do regime militar. “Se não há mais corpos, deverá saber porque foram destruídos, como e quando”, salientou o ministro. Não está decidido se haverá apuração de supostos crimes cometidos por quem atuou na resistência armada à ditadura.

O anteprojeto proporá as funções da comissão e o perfil dos componentes. Em princípio, a escolha dos nomes será do presidente da República. Vannuchi espera que sejam escolhidas pessoas que não tenham envolvimento com vítimas, familiares ou militares envolvidos em na guerrilha ou na repressão.

O ministro dos Direitos Humanos evitou usar a palavra “notáveis”, mas disse que deverão compor a comissão “pessoas de ilibada reputação, trajetória democrática e respeito aos direitos humanos, e que não gerem repulsa nos segmentos envolvidos”. A elaboração do anteprojeto baseou-se em experiências internacionais como da Argentina e da África do Sul.

No vizinho sul-americano, a presidência da comissão esteve a cargo do escritor Ernesto Sábato. Na África do Sul, a presidência da comissão de reconciliação e da verdade pós-apartheid coube ao bispo anglicano Desmond Tutu que recebeu o Prêmio Nobel da Paz. A recomendação de especialistas estrangeiros é que a duração da comissão seja em torno de dois anos.

Além da Comissão Nacional da Verdade, o governo deve anunciar na próxima semana as modificações na terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3). Segundo Vannuchi serão feitas alterações na redação de pontos que foram polemizados como aborto, ações programáticas de comunicação e a mediação de conflitos na reintegração de posses rurais.

Edição: Rivadavia Severo

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