Mulher casada não deve usar camisinha?

MARCELA BUSCATO  – Revista Época

Essa é para seção “pérolas do cotidiano”. Escuto uma mulher contar um “causo” sobre sua manicure: “Imagina que ela, aos 19 anos, fugiu da Bahia com o namorado porque a mãe não aprovava o relacionamento. Agora, aqui em São Paulo, estão casados e ela me disse que só transa com ele de camisinha porque tem medo de pegar uma doença.” Eu já estava quase perguntando o endereço da manicure para ir dar meus parabéns para ela. Juro que, quando escutei essa história, me enchi de esperança. Uma menina tão nova e tão consciente! Que maturidade exigir do marido usar camisinha. Quantas mulheres com todo jogo de cintura que a experiência nos dá penam para pedir isso a seus maridos sem arrumar confusão em casa? Pior: quantas acham que isso não é necessário e acabam engrossando as estatísticas de mulheres contaminadas pelos maridos, como nos contou a Ruth em outro post. Cerca de 20% dos maridos traem e deste 57% não usam camisinha, segundo artigo da Cris Segatto. Gente, a manicure merece ou não merece um beijo?


Bom, o problema é que a história não termina aí. Conclui a Dona Fulana, para meu desespero: “Casada e usando camisinha, que absurdo! Imagina o que o marido não apronta com ela?”. Eu não agüentei. Falei em voz alta, assim, no automático: “Claro, porque é melhor pegar Aids”. Meu namorado, que estava do lado, já me lançou aquele olhar fica-quieta-senão-finjo-que-não-conheço. Continuei bufando no meu lugar, sem saber se estava mais indignada com a Dona Fulana ou com o namorado. A mulher sai falando uma barbaridade dessas e eu que sou a louca?

Fiquei aventando os motivos pelos quais a cidadã poderia considerar usar camisinha um absurdo. Seria ela religiosa de carteirinha e, seguindo as recomendações doutrinárias, abominaria a ideia de usar preservativo? Estaria ela indignada com o fato de o marido “aprontar” com a manicure e ela ainda continuar com ele? Nenhum dos dois motivos justifica o comentário esdrúxulo. Primeiro porque pregar contra o uso da camisinha é inconcebível até sob a óptica da religião. Ela diz não condenar o prazer, mas defende que o preservativo incentiva o desrespeito ao corpo, templo de Deus. Alguém conhece maior ato de respeito com o próprio corpo do que exercer sua sexualidade de uma maneira saudável, usando camisinha? Em segundo lugar, se a manicure continua com o marido, isso é problema dela. Não cabe a ninguém se meter no casamento dos outros. E se eles optaram por um relacionamento aberto? Isso é algo deles e, pelo o que tudo indica, eles estão se prevenindo adequadamente. Quantas pessoas juram fidelidade para a vida inteira e, para não ter admitir uma escorregada, preferem colocar parceiros e parceiras em risco?

Mais tarde expliquei para o namorado a razão da minha indignação. Que direito tem a Dona Fulana da nossa historinha de sair por aí espalhando desinformação? Usei as mesmas palavras da Cris Segatto no artigo sobre os homens que traem sem camisinha: “Isso é criminoso”. O namorado continuou achando descabida minha manifestação pública de indignação. Defendeu que cada um tem direito a sua opinião e sabe da sua vida – argumento que eu mesma acabei de usar aqui. Para mim, é caso de vida e de morte porque com camisinha não se brinca. Só se for para incrementar a hora de colocar, combinado?

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