América Latina: Cedaw precisa de mais apoio das mulheres

Marcela Valente, da IPS

Buenos Aires, 16/12/2009 – Trinta anos depois da assinatura da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, a América Latina requer mais compromisso por parte do movimento feminino a favor desses tratados e mais e melhor aplicação das leis existentes.

Foi o que concluiu uma reunião na capital argentina dedicada a analisar os progressos e obstáculos que a Convenção, conhecida pela sigla em inglês Cedaw, enfrenta nos países da região, quando na próxima sexta-feira se completará três décadas de sua aprovação na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas.

A brasileira Silvia Pimentel, integrante do Comitê de especialistas independentes que vigia o cumprimento da Cedaw, disse à IPS que “o que falta para avançar rumo à igualdade é o movimento de mulheres reconhecer a importância destes tratados internacionais e dialogar com eles” como ferramenta.

“Quando exigimos mais justiça, é crucial que a sociedade civil organizada e os organismos como o nosso trabalhem articuladamente, porque isso nos dá mais força”, recomendou durante o seminário sobre os 30 anos da Cedaw, realizado em Buenos Aires na sede do Ministério das Relações Exteriores da Argentina.

A peruana Gladys Acosta, chefe para a América Latina e o Caribe do Fundo das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), disse que os maiores êxitos regionais a favor da igualdade entre homens e mulheres são de legislação.

Mas estes êxitos, por si só, “não mudam a vida das pessoas, e a região tem uma característica de aprovação relativamente fácil de leis e um cumprimento muito baixo”, disse Acosta, para quem “a violência contra a mulher é a forma mais grave de discriminação”, suportada por metade da população latino-americana.

A Convenção nascida em 18 de dezembro de 1979 fornece um contexto legal para que os Estados legislem a adotem medidas destinadas a eliminar a discriminação para as mulheres e alcançar a igualdade entre os gêneros. Esta norma opera através do Comitê rotativo de 23 especialistas que monitoram seu cumprimento.

Desde 1999, foi adotado um Protocolo Facultativo da Cedaw que permite a indivíduos ou grupos pedir a intervenção do Comitê diante de violações dos direitos protegidos pela Convenção. Com exceção de cinco países, o resto da região também ratificou este instrumento de adesão opcional.

Em conversa com a IPS, a jurista costarriquenha Alda Facio, assessora da Unifem, disse que o recurso ao comitê através do protocolo ainda é pouco conhecido e utilizado, e atribuiu isso, em parte, à existência na região do caminho da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e seu respectivo tribunal para atender casos particulares.

Mas, Facio disse que o Comitê da Cedaw “tem mais experiência nos assuntos de discriminação contra as mulheres, e isso permite esclarecer melhor” temas como feminicídios, violações sistemáticas dos direitos sexuais das mulheres, uso dominante de linguagem sexista e outras práticas socialmente arraigadas.

Além disso, o Comitê está autorizado a visitar um país, a partir de uma denúncia, e analisar o caso. “Somos quase um tribunal de justiça porque temos direito de ouvir as partes, e embora nossas resoluções não sejam vinculantes têm força política, moral e ética, e, portanto, são eficientes”, assegurou Pimentel.

De todo modo, Facio observou que para estas ferramentas serem úteis também falta vontade política. “Instrumentos legais existem, mas nem sempre há vontade de avançar nestes temas. E neste sentido espero que os Estados reconheçam que não foi feito o suficiente”, afirmou.

O encontro, no segundo final de semana de dezembro, serviu fundamentalmente como balanço para destacar os progressos obtidos com a convenção como guia dentro de cada país, mas, também para alertar sobre os desafios que restam. Do debate participaram especialistas e membros dos sucessivos comitês que a Cedaw teve em suas primeiras três décadas.

Para Pimentel, que é advogada, os principais desafios estão relacionados com a violência contra as mulheres e a violação de seus direitos sexuais e reprodutivos, dois temas que foram incorporados à convenção anos depois de sua aprovação, porque em 1979 não havia margem política para apresentar esses temas abertamente.

Insistiu especialmente em um tema que considerou “tabu”, o do “abuso sexual incestuoso” contra meninas e adolescentes em suas casas. “Deve-se destacar que não é apenas abuso, mas incestuoso, porque é preciso dar o nome certo às coisas, sem tabus”, denunciou.

Pimentel explicou que a Cedaw é “um tratado sobre direitos humanos das mulheres que promove a igualdade e pune a discriminação. É a carta magna dos direitos das mulheres”, sintetizou a especialista, esclarecendo que quando os países a ratificam os três poderes do Estado ficam comprometidos com seu cumprimento. Na América Latina todos os países o ratificaram. Nesse sentido, a região está em uma posição avançada com relação a outras do planeta, afirmou-se durante a reunião.

Depois, o Comitê deve monitorar a execução da convenção através de um informe que o país apresenta a cada quatro anos. Com base nesse relatório, as especialistas podem decidir por uma visita ao país e “fazer observações sobre aspectos problemáticos, tentando manter um diálogo construtivo”, destacou Pimentel.

A advogada disse que “os governos devem dar mais atenção” a essas observações. E afirmou que, com sua experiência, os principais “obstáculos” que vê no monitoramento dos países da região se relacionam com a “violência e a violação de direitos sexuais e reprodutivos”.

Mencionou que há leis e decisões judiciais inadequadas e insuficientes que necessitam de mudanças, falta de educação em violência e direitos reprodutivos, o que redunda em abusos, gravidez de adolescentes e casamentos forçados. Falta de poder das mulheres, tráfico de pessoas, tráfico e exploração sexual.

Apesar dos progressos, disse que também se observa falta de participação política das mulheres, falta de formação em gênero em serviços públicos com o de justiça, falta de pesquisas e dados sobre mulheres, escassez de políticas para as mulheres em mais desvantagem, com as de povos

originários.

Após uma apresentação aberta ao público, as participantes mantiveram um debate fechado no qual analisaram as melhores vias para que os países incorporem as recomendações do comitê da Cedaw, e dividiram-se em comissões para analisar diferentes temas vinculados à igualdade de gênero.

Ao final, concluíram que é preciso recriar o debate sobre o conceito de igualdade, fortalecer o mecanismo de acompanhamento das sentenças, promover estudos sobre as mulheres vitimas de descumprimento das recomendações da Cedaw, procurar fazer com que as leis derivem em políticas e ampliar os recursos do Comitê.

Durante o encontro, uma das vozes mais críticas pelo escasso compromisso dos Estados foi a do italiano Amerigo Incalcaterra, representante para a América do Sul do Alto Comissariado ds Nações Unidas para os Direitos Humanos.

Incalcaterra afirmou que os sucessos em matéria de igualdade de gênero ainda são “frágeis e parecem desvanecer” diante de uma realidade que continua colocando mulheres e meninas como “as primeiras vitimas”. “Apesar do compromisso dos Estados, os direitos das mulheres continuam se ser devidamente garantidos”, alertou.

Para este funcionário com longa trajetória em países da região, “a situação é alarmante”. “É preciso analisar se as estratégias dos governos são corretas ou se é preciso corrigi-las”, acrescentou.

“Tornar realidade os direitos humanos das mulheres exige vontade política, não apenas de palavras. Os governos devem transformar seus discursos em realidades tangíveis”, desafiou Incalcaterra.

O representante do Alto Comissariado considerou que a Convenção “é um instrumento adequado” mas que “são os Estados que devem garantir que as mulheres conheçam seus direitos e castigar os que os violarem. A violência contra as mulheres deve ser vista como um crime totalmente inaceitável”, ressaltou. (IPS/Envolverde)

(Envolverde/IPS)

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