Brasil: Mulheres assumem protagonismo eleitoral

Fabiana Frayssinet, da IPS

Rio de Janeiro, 03/11/2009 – Com a participação de fortes candidatas à Presidência do Brasil, a irrupção de questões de gênero parece inevitável no cenário pré-eleitoral do País. O inédito cenário é um campo de experimentação para elementos emblemáticos de gênero, como o estímulo a uma maior participação feminina na política ou o compromisso de uma agenda que garanta os direitos das mulheres.

Ainda não são candidatas oficiais, mas seus partidos já as lançaram na roda política e as pesquisas as incluem com importantes intenções de voto.

A primeira é Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, aspirante a suceder o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu grande promotor. A acompanha Marina silva, combativa ativista ambiental, ex-ministra do Meio Ambiente do atual governo e agora integrante do opositor Partido Verde.

A terceira, e a de quem mais se tem dúvida quanto à confirmação de sua candidatura, é Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho, do Partido Socialismo e Liberdade, uma cisão do PT. Mas, no final, ela poderia candidatar-se novamente ao Senado.

No Brasil são simplesmente Dilma, Marina e Heloísa Helena, porque assim são conhecidas e mencionadas habitualmente.

São três mulheres “competitivas” no panorama prévio às eleições de outubro de 2010, disse à IPS a socióloga Fátima Pacheco Jordão, diretora do Data, o Nucelo de Estudos da TV Cultura, entre outros cargos.

Jordão recordou que o Brasil já teve candidaturas femininas, mas “não candidatas competitivas” como as atuais, que pertencem a “partidos fortes, com mensagens consistentes, apoio econômico” e com possibilidades de vitória.

As três têm entre 5% e 20% das intenções de voto, embora ainda longe dos 40% do favorito nas pesquisas, José Serra, do Partido da Social-democracia Brasileira.”Há uma massa inédita de eleitores predispostos a votar em mulheres”, ressaltou a analista, e isso é confirmado por diversas pesquisas de opinião.

Uma pesquisa feita em fevereiro pelo instituto Ibope e por outras instituições mostrou que nove em cada 10 brasileiros votariam em uma mulher e 83% consideraram que a presença de mulheres no poder melhora a atividade política. “Não há impedimento ou rejeição à eleição de uma mulher como Presidente da Republica”, disse à IPS Ricardo Guedes, responsável do Instituto Sensus.

Uma pesquisa feita por esse instituto de opinião pública em 2007 sobre diferentes preconceitos sociais deu o primeiro sinal nessa direção, quando 57,4% dos entrevistados disseram que votariam em uma mulher para presidente e 29,3% que o fariam “dependendo da pessoa”.

É um panorama novo, segundo Jordão, no qual é inevitável o surgimento da questão de gênero conforme avança a campanha eleitoral e comecem a ser usadas, por exemplo, referências, maneiras ou imagens vinculadas ao gênero.

Dilma, chefe da Casa Civil da Presidência, já deu sinais nesse sentido, recordou Jordão, que citou sua recente defesa diante das críticas sobre sua permanente presença na inauguração de obras.

A ministra se comparou a uma cozinheira que mostras seus pratos uma vez terminados. Por que não mostrar uma obra, de uma hidrelétrica, por exemplo, também acabada?, perguntou, antes de afirmar que as críticas acontecem por ser uma mulher quem as faz.Para Jordão, esta é uma referência simbólica de gênero, porque evoca a imagem tradicional da mulher “escondida” na cozinha, e se pergunta “por que os homens podem e as mulheres não?”.

Para a cientista política Patrícia Rangel, a diversidade de candidaturas femininas é “extremamente positiva” pelo simbólico e pela possibilidade que uma presidente representaria quanto a direitos e garantias para as mulheres.

N plano simbólico mencionou que uma candidata presidencial “representa uma mudança de paradigma político e contribui para o processo de reconhecimento do sujeito político mulher”.

Segundo Rangel, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), a “sociedade patriarcal reproduz a ideia de que política é coisa de homens”, e as candidaturas femininas são positivas na medida em que “questionam os estereótipos e as funções destinadas às mulheres”.

O Brasil foi um dos primeiros países latino-americanos a conceder direito de voto às mulheres, mas, tem um dos piores níveis de representação feminina em cargos públicos, segundo dados da União Interparlamentar Mundial.

Em fevereiro de 2009, em média, as legisladoras representavam algo menos de 20% dos parlamentares do mundo. No Brasil, a proporção era de 9% na Câmara dos Deputados e 12,3% no Senado.

Isso coloca o País, com mais de 190 milhões de habitantes, no posto 106 do ranking mundial.

Cifras do Cfema desse mês mostram que há somente três governadoras nos 27 Estados brasileiros e 504 prefeitas em 5.555 municípios. Para Rangel, vários fatores favorecem a pouca participação, como dar prevalência ao papel de mãe e esposa sobre o ativismo político, as provocações que a mulher sofre no exercício político, ou as exageradas exigências a respeito dos homens.”As mulheres precisam se mostrar mais capazes do que os homens para serem aceitas e se chegam a altos cargos lhes é exigido muito mais”, ressaltou.

De ferro ou flores amazônicas

A participação da mulher no trabalho e na política é fruto de um longo caminho no Brasil, mas os estereótipos continuam povoando o imaginário coletivo.Trata-se de estereótipos negativos e positivos, segundo a pesquisa do Ibope, porque 74% dos entrevistados consideraram que mais participação feminina na política traria mais honestidade, mais compromisso com o eleitorado e maior capacidade administrativa.

Rangel estabeleceu dois estereótipos básicos a respeito das mulheres políticas

O da “mulher doce”, apresentada como um gueto feminino dentro da masculina política e que perpetua seu papel tradicional, ou o de “mulher de ferro”, que ignora a “postura feminina adequada” e pode ser estigmatizada como “masculinizada”.Em política, as mulheres podem perder autoridade se adotam padrões “femininos”, e se arriscam à desaprovação social se aceitam os esquemas “masculinos”, sintetizou Rangel.Este último é o caso das candidatas presidenciais, “que conquistaram a autoridade à custa da desaprovação social”.

“Quem não ouviu dizer que Dilma não tem doçura ou que Marina é feia e séria, como se esses fossem critérios relevantes para a carreira política?”, perguntou.

Na hora de analisar a confluência inédita de candidatas, os especialistas concordam que não se origina no desejo de beneficiar-se dos “estereótipos positivos” sobre as mulheres na política. Jordão explicou que incidiram fatores mais pragmáticos, como a capacidade de Dilma em dar continuidade à obra de um governo altamente avalizado, ao ser o braço direito de Lula. Rangel destacou que Marina e Dilma, por seu trabalho no gabinete, escaparam do tradicional nicho das políticas nos governos brasileiros, que as vincula ao domestico e ao cuidado, ao destinar-lhes áreas como educação ou assistência social.

Em Dilma prevalece também o fato de Lula vê-la e mostrá-la como uma “executiva”, afirmou Guedes. Sobre as pesquisas a situarem no “limite da rejeição” do eleitorado, o especialista atribui isso sobretudo à sua falta de “empatia política” e de “carisma”.

Não basta ser mulher

Símbolos de um novo modelo político, amargas ou doces, flores ou minerais, a presença de mulheres candidatas não é suficiente, destaca, o movimento feminista. Jordão considerou que a adesão a uma candidatura feminina dependerá de alguns compromissos programáticos, como a defesa da legalidade do aborto e os direitos reprodutivos, ou o combate à violência contra a mulher.

A assessora do Cfemea não vê uma equação automática entre “mais mulheres no poder e mais direitos para a coletividade feminina”.Rang

el recordou que o movimento feminista considera que “não basta apenas eleger mais mulheres, mas, sim, mais mulheres com consciência de gênero, ou seja, com consciência de sua situação de marginalidade e desigualdade”. Em todo caso, as candidaturas femininas abrem o espaço para abordar durante a campanha temas da agenda de gênero, com trabalho e aposentadoria, licença-maternidade e licença-paternidade, estabilidade, erradicação da violência ou saúde reprodutiva.

Falta ver se as candidatas “usam e abusam” desta agenda. Para Rangel, até agora não houve um discurso de gênero claro, e inclusive figuras como Marina, contrária ao aborto por razoes religiosas, “preferem evitar estes temas”.

Enciclopédia de opiniões machistas

Uma “Wikipedia” sobre o tratamento machista dado às candidatas é protagonizada pelo analista político Marcelo Coelho, cujas apreciações estão repletas de referencias sexuais. Por exemplo, ao se referir a Dilma disse que “o grande problema de uma mulher combativa é não parecer histérica” prova que ela venceria “com total segurança”.

Dilma é qualificada pela mídia como “a dama de ferro brasileira”, pela firmeza de seu caráter, foi militante guerrilheira, esteve presa foi torturada. Mais recentemente, enfrentou um câncer sem abandonar suas tarefas.Coelho usou apelativos igualmente ofensivos para definir a feminilidade de Heloisa Helena. “Sua militância esconde sua identidade. Poderia ser atraente se na se restringisse ao cabelo preso, aos óculos e à camiseta branca”.

Representa, na realidade, a mesma dureza que Dilma encarna, em uma visão mais burguesa”, acrescentou Coelho sobre Marina. Detalhou que, como sua adversária, “não é desejável sexualmente”, mas “é verdadeira em seu corpo, seu rosto e sua pele”.

As três, em definitivo, têm características que não coincidem com as de alguém “frágil e delicada da maneira que todo homem espera que uma mulher seja”, segundo o “analista político”.Mais sutis, alguns slogans políticos populares começam a definir Marina como a “flor do Amazonas’, sua região de origem, onde começou a luta ambiental junto com o assassinado líder ecologista Chico Mendes. Também a definem como “força tranqüila, em contraposição à alegada dureza de Dilma. A própria Dilma ironizou com humor sobre esses estereótipos, ao explicar que sua fama de “dura e “rabugenta” se deve ao fato de no governo estar rodeada por “homens doces” que “não assumem posições”. (IPS/Envolverde)

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