Mulheres: Diálogos Sobre Segurança Pública

Nádia Rebouças*

Em 2008, a Rebouças & Associados aplicou o Offplan, sua metodologia de pesquisa, na criação da campanha “Mulheres – Donas de sua própria vida” para a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM). A campanha buscou descobrir os desafios das mulheres do campo e da floresta no enfrentamento da violência doméstica. Eu que andava estudando metodologias de diálogo comecei a imaginar um diálogo com mulheres as mais diversas e descobrir o que pensam, suas dores, etc.
Acostumada que estou de ter muitas idéias que não consigo realizar comentei a idéia com a ministra Nilcéa meio distraída. E dessa vez a idéia não ficou voando por muito tempo. Logo no início do ano a ministra me informou:

“Vamos fazer os Diálogos. O tema da conversa será sobre violência e segurança pública. Será a contribuição da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres para a CONSEG – I Conferência de Segurança Pública – que vai acontecer em agosto”.

As agências da ONU, UNIFEM, UNODC e UNFPA foram os apoiadores. “Mulheres: Diálogos sobre Segurança Pública” uniu vozes múltiplas de sete cidades: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Belém e Canoas, no Rio Grande do Sul. As participantes foram recrutadas, por coordenadoras estaduais, a partir de um critério de seleção com foco na diversidade. Diferentes em suas vidas, credos, ‘cores’, profissões, opções sexuais, religião, condições sócio econômicas. Durante dois dias, compartilharam e misturaram suas histórias, doaram um final de semana para refletir sobre suas vidas, seus medos e seus pedidos de socorro para o que definiram como uma “cultura da violência”. São mulheres que se definiram como “guerreiras” e que conseguiram, no segundo dia do encontro, criar visões de futuro e buscar soluções, sugerindo Políticas Públicas para levar à CONSEG.

Ouvimos histórias de adolescentes grávidas, de avós e bisavós, de mulheres que perderam seus filhos para as drogas, mortos por policiais e bandidos, faxineiras, enfermeiras, policiais, delegadas, inspetoras, investigadoras, profissionais do sexo, lésbicas, egressas e presidiárias (algumas que saíram das prisões especialmente para participar do encontro). Mulheres que passaram pelo desafio de ter que delatar seus filhos e maridos e não conseguiram. Outras que escolheram o caminho das drogas, do tráfico, da prostituição porque isso lhes oferecia uma opção de vida.

Percebemos que nossas famílias estão doentes, violentadas por inúmeras razões da vida moderna. Que algumas novas estruturas familiares estão ganhando espaço e muitas vezes conseguindo construir mais felicidade e harmonia do que as de modelo tradicional. Que a maioria das mulheres que participaram, criaram seus filhos sozinhas, dividindo sua solidão com o medo e a dor. Que dormem mal, em qualquer classe social, porque os filhos passam a noite nas ruas. Porque o ‘bicho papão’ moderno, que vai pegá-los é a droga, o crack, o policial truculento e corrupto, o bandido ou a milícia. Denunciam a violência em círculo, como ciclo e como contágio nas suas comunidades, bairros, escolas e universidades.

Indicam que se não jogarmos fora velhas concepções e criarmos novas políticas públicas que mobilizem a rede de autoridades, comunidades, formadores de opinião, profissionais de educação, universidades, empresas, enfim, TODOS e TODAS, não conseguiremos sair do mesmo lugar. A solução para elas está menos na repressão do que nas mil novas oportunidades que apresentam de pensarmos preventivamente. O foco deveria ser a família, a escola, a educação.

Para essas mulheres, a falta de políticas na saúde pública é uma violência física, psicológica e moral. Destrói e mata como a polícia e o bandido. Que a mídia banaliza e reverbera a cultura da violência, seja com sua programação, seja com a publicidade de produtos que criam desejos de consumo impossíveis para a grande maioria da população. A mídia vende valores e crenças do que é preciso para alguém ser feliz, vitorioso, célebre. A mulher é constantemente usada como símbolo de consumo, acentuando a frustração de crianças e jovens que vão buscar caminhos alternativos para se tornarem visíveis, na falta de educação e emprego.

Sugerem mudar nosso olhar sobre a violência. É a grande lição que essas corajosas mulheres nos trazem. Pensar diferente para agir diferente. Estamos andando sem bússola, é como se o medo tivesse nos produzido tapa-olhos e, por isso, não enxergamos os caminhos, não escolhemos, apenas reagimos à violência que a cada dia cresce mais. E inventamos grades. E multiplicamos prisões que são incubadoras de mais ódio e violência.

As mulheres desenharam imagens que nos mostram flores chorando, corações furados, rasgados, cheios de armas dentro deles. Casas gradeadas, verdadeiras ‘jaulas’, que nos dão a ilusão de proteção, mas que acorrentam crianças e até animais a cômodos apertados e calorentos onde a TV é a rainha do lazer.

Quando pensam no futuro, ecoa quase como um grito nos desenhos, o clamor por liberdade, pela quebra das correntes com que a violência aprisiona, imobiliza. Anseiam por uma vida nas praças, as cadeiras nas portas das ruas, as crianças soltando pipas, jogando futebol ou correndo livremente. Percebem que seguimos matando a alegria e a solidariedade.

Claro que existem profissionais de segurança que, há décadas, alertam para esse nosso defeito de visão, mas eles não conseguem ser ouvidos pelas autoridades e não conseguem estabelecer novos modelos de gestão. Não conseguem eco para integrar ações e investir em prevenção. Talvez por isso a voz dessas mulheres nos dê uma contribuição muito importante. Vale a pena ouvi-las.

Com sua voz, elas homenageiam a cada uma de nós. A violência pede a nossa máxima atenção. Ela é resultado de nossos equívocos sistêmicos, da falta de ações estratégicas e planejadas para cada segmento e que, integradas, poderiam evitar que estivéssemos desse jeito. Para elas ainda há tempo.

Arregaçariam as mangas já, para junto com a polícia, os educadores, as universidades e comunidades, iniciar um trabalho com foco na recuperação de valores, ajudando as famílias. Para elas não são grandes e explosivas ações que podem dar resultado, mas, ao contrário, são ações locais, integradas, transversais, que poderão abrir novas perspectivas. Acabam se convencendo de que o diálogo podia ajudar, unindo todos em torno de objetivos comuns. Afinal, ali, no encontro,

foi possível trabalhar junto, sem preconceito, sem medo, criando uma “amizade difusa”, exatamente como propõe David Bohn com sua metodologia.

* Nádia Rebouças é especialista em Comunicação para o Terceiro Setor. É fundadora e sócia da Rebouças & Associados.

fotografia: Nádia Rebouças

(Envolverde/Revista Plurale)

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