Os desafios do século 21

Por Susan George*

 

Acredito que os organizadores dessa série de palestras da La Casa Encendida não imaginavam que os desafios do século XXI fossem tão grandes. Outro mundo certamente é necessário. Acredito que, com as múltiplas crises que temos diante de nós, também podemos observar grandes oportunidades, mas esta janela pode não ficar aberta por muito tempo.

Claro que a eleição de Barack Obama é um enorme sinal de esperança e acho que na Europa as pessoas, certamente, também se alegraram com a notícia. Eu chorei quando ele foi eleito e só consegui dormir às quatro e meia da manhã, quando estava absolutamente certa do que estava acontecendo. Nesse caso, onde houve a mobilização popular, das minorias, dos jovens, a democracia se estabeleceu. Mas neste encontro não vou me aprofundar na questão da democracia, prefiro falar sobre as três grandes crises que vejo ameaçar, não apenas a cidadania e a própria democracia, mas também a continuidade da vida na Terra. Você pode pensar que estou exagerando, mas espero convencê-lo de que não estou sendo “alarmista”. Em primeiro lugar vou nomear essas crises e, em seguida, falar um pouco sobre como podemos escapar delas afinal, também penso que estamos em um momento de esperança. A primeira é a crise social. Fato é que não faltam riquezas no mundo, posso assegurar isso, então não há desculpa para entrar século XXI com tanta pobreza e desigualdade. Em outras palavras, é perfeitamente possível dar a todo mundo uma vida decente e digna. A segunda crise é a crise financeira. Desde que ela começou, vemos os governos mobilizando centenas de bilhões de dólares para socorrer os bancos, arcando como custo do seu comportamento estúpido e ganancioso. Até agora, as vítimas dessa crise não receberam nada. A bagunça financeira foi limpa a favor dos ricos e poderosos, retirando das agendas quase todos os demais assuntos, o que é um grande erro, porque temos de olhar para toda a fotografia da crise, não apenas parte dela. Isso me leva à terceira crise, em minha opinião a mais grave e urgente de todas, que é a crise ambiental. Aquecimento global, alterações climáticas, destruição da biodiversidade, tudo isso está acontecendo muito mais rápido que a maioria dos governos acreditava. E por que essa é a crise mais urgente? Porque podemos voltar atrás no caso da injusta distribuição de riqueza ou do colapso financeiro. Mas isso não é verdade com o clima: uma vez que a questão climática saia do controle, não temos nenhuma chance de voltar atrás e recomeçar. Temo em dizer que apenas agora a liderança mundial começou a entender o que as conseqüências das mudanças climáticas significarão para a produção de alimentos, para os recursos hídricos, a subsistência, a educação ou para o grande número de refugiados procurando abrigo. Então, o que podemos fazer em relação à tripla crise [social, financeira e ambiental]? O que podemos fazer para construir um mundo melhor, mais justo, ecológico e mais democrático? Acredito que a mudança só será possível se os cidadãos se mobilizarem e demandarem essa mudança profunda, que é necessária em todo o sistema. Vou desenvolver meu pensamento sobre cada uma dessas crises de forma mais detalhada. Primeiro: desigualdade social e pobreza. Na Europa, 15% da população, ou seja, cerca de 72 milhões de pessoas são oficialmente classificados como pobres, mas eles [Europa] poderiam eliminar a pobreza em seu próprio solo, e contribuir enormemente para acabar a pobreza em outros lugares do mundo. Poderíamos ser a liderança dos países da OCDE, mas não estamos fazendo isso, não estamos propondo sequer as pequenas e óbvias soluções que implicariam em mudanças no estilo de vida e de gestão dos bancos e empresas transnacionais. Não é preciso perguntar mais se é possível, a resposta é sim: é possível. Vamos parar de falar sobre pobreza por um momento e falar sobre riqueza. Acho que a crise é realmente uma crise onde o dinheiro é real. Podemos nesse caso exemplificar citando a “poderosa” corretora Merrill Lynch. Recentemente a empresa entrou em apuros e foi comprada pelo Bank of America, salvando-se da falência. Todos os anos, a Merrill Lynch publica um relatório sobre a riqueza mundial. A 11ª edição desse relatório fala que há cerca de 10 milhões de pessoas classificadas como “indivíduos de alta renda”. Em outras palavras, são pessoas que têm um monte de dinheiro para investir sem contar os imobilizados como as casas, iates, coleções de arte, de vinhos. Fato é que esses 10 milhões de indivíduos ricos, com alto patrimônio líquido, acumulam mais de US$ 41 trilhões em ativos para investimentos. É um número bastante incompreensível, mas vamos tentar entendê-lo dizendo que esse valor significa três vezes o PIB dos Estados Unidos ou da Europa, dezenas de vezes o PIB da Índia, algo em torno de vinte vezes o PIB da Espanha. Essa é claramente uma riqueza que não foi distribuída porque vivemos os últimos 20 anos no âmbito das políticas neoliberais, em que a tributação aos indivíduos ricos não aconteceu ou houve redução de impostos de forma sistemática. A teoria era de que, ao se reduzir os impostos para os ricos, eles teriam mais recursos para investir na geração de empregos, mas isso não aconteceu de fato. A Merrill Lynch afirma que, até 2012, esses ricos indivíduos acumularão não US$ 41 trilhões, mas US$ 59 trilhões. Podemos olhar para as porcentagens e ver que uma a cada 700 pessoas faz parte dessa categoria. A boa notícia é que embora quase todos os países tenham crescido de forma desigual nos últimos 25 anos, a França e a Espanha, apresentaram números um pouco menos desiguais. Isso não quer dizer que eles são nações igualitárias, longe disso, mas essas nações não seguiram a tendência dos EUA e Grã-Bretanha. Os EUA são provavelmente a referência de uma nação socialmente desigual, com exceção talvez do Brasil, Paraguai e outros países latino-americanos. Os 10% mais ricos dos Estados Unidos tem uma renda média de 93 mil dólares por ano. Os 10% mais pobres, sobrevivem com uma renda inferior a 5.800 mil dólares ano, o que pode significar a fome literal. Existem outras maneiras de medir a riqueza. A revista Forbes faz anualmente uma lista de bilionários ao redor do mundo. Este ano houve mais de 1.100 pessoas elencadas. Juntos, têm cerca de cinco vezes mais riqueza que a renda bruta total nacional da África. É muito preocupante comparar as desigualdades no mundo e por isso gostaria apenas de dizer mais uma ou duas coisas sobre a riqueza. A Universidade das Nações Unidas fez um estudo inovador, publicado há dois anos. Eles constataram que 2% dos das pessoas têm mais da metade das riquezas mundiais enquanto os 50% mais pobres concentram menos de 1%. É incrível como o mundo é desigual. Se você quer estar na metade rica da humanidade, tudo que você precisa é de 2.200 dólares em ativos, incluindo a sua casa, seu carro e roupas. Acho que a maioria de nós ainda se sente muito pobre, com apenas 2.200 dólares em ativos. Há o suficiente para todos, temos trabalhado para fora dos números. Se você divide tudo igualmente, o que é impossível e provavelmente sequer desejável, todos no mundo teriam 26 mil dólares em ativos. Vamos passar agora para a crise financeira. Como vocês sabem , tudo começou com as hipotecas subprime nos Estados Unidos. Isso significa que os bancos estavam à procura de clientes, independente da possibilidade financeira desses correntistas. Por fim, quando esses empréstimos começaram a ir mal, o Federal Reserve e seus economistas oficiais pensaram que a crise do subprime era isolada e que eles poderiam conter a sua propagação. O que eles n] ]>

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