As Mulheres e Os Direitos Humanos

Carlos Alberto Lungarzo
Anistia Internacional (USA) – Reg. 2152711

Hoje, em pelo menos uma metade do planeta, a teoria dos DH básicos constitui um consenso. Mesmo que existam alguns elementos isolados e sombrios, que assomam suas horríveis cabeças em diversos meios (especialmente nos setores conservadores da política e nas forças de repressão), exigindo a volta da tortura e da pena de morte, e se opondo a igualdade racial, em geral, quase ninguém contesta abertamente sua validade. Entretanto, apesar dessa coincidência, sua aplicação mínima é inatingível em quase todo o continente americano e parte da Europa.

Pode imaginar-se, então, como era o desespero para a metade da Humanidade que os DH visam proteger, há menos de um século: as mulheres não tinham direitos formais nem reais. Ainda hoje, apesar de que a teoria dos DH tem sido estendida formalmente às mulheres, sua aplicação prática é ainda mais difícil que seu equivalente no caso masculino. Isso acontece porque, além da discriminação que existe nos empregos, na vida pública, na atividade intelectual, na política, a mulher é ainda explorada no lar e na vida sexual.

Como dizia o grande revolucionário vietnamita Nguyễn Sinh Cung, que nossa geração conheceu por seu nome de batalha Hồ CHÍ MINH (o que dá luz), nos duríssimos dias da luta daquele país por sua autonomia, a mulher sofre uma tripla opressão: “Ela é oprimida pelo sistema social, pelo clã e pelo marido”.

No obstante, a intuição dos Direitos de Mulher é muito antiga, e a primeira reivindicação dos Direitos Humanos em geral foram afirmados explicitamente, pela primeira vez, por uma mulher, Antígone.

 

O Desafio Feminino

Até o século 5º antes de Cristo, não havia sinais do protagonismo da mulher na vida pública, salvo por breves aparições em algumas comédias e tragédias. Tampouco ninguém tinha formulado o valor dos DH naturais, aqueles que, como dirá depois o jurista Ulpiano, “Deus dá a todos os animais e não apenas aos homens”.

Na Grécia Clássica, inclusive dentro de sua restrita democracia (que só atingia homens adultos, livres e não estrangeiros), a sociedade parecia pensar que os direitos formais gerados pelas guerras e pelo domínio de classe eram “naturais”. Afirmava-se que eram desse jeito porque não podiam ser de outro, e que ninguém poderia questioná-los, pois o direito de propriedade, de mandar sobre os outros, de punir os infratores da sociedade, eram direitos tão evidentes como os fenômenos naturais, tormentas e chuvas.

Entretanto, embora esta sacralidade do direito positivo era comum nos povos monoteístas, e se transformou em regra de ouro durante o  cristianismo, na Grécia pagã ainda existia um resquício para a liberdade, que o dramaturgo Sófocles (por volta de -450) personifica na heroína Antígona.

Polinices e Etéocles, órfãos de Édipo, rei de Tebas, brigam entre si pela herança do governo da cidade e ambos morrem na luta. Creonte, irmão de Édipo, assume o poder e permite enterrar o cadáver de Etéocles, mas não o de Polinices, que era considerado traidor, pois tinha sido ajudado por inimigos da cidade. Creonte aplicou o direito positivo da época que proibia o funeral de traidores. Antígona, irmã dos mortos, desafia a proibição do tio e tenta sepultar o corpo de Polinices. Creonte manda prende-la e lhe pergunta se ela tinha ousado desobedecer suas leis. Num parágrafo célebre, Antígona responde com um argumento que se tornou símbolo do direito à liberdade de consciência:

Sim, pois não foi Zeus que deu [essas leis]

Nem a Justiça, que habita com os Deuses subterrâneos,

Quem delineou estas leis para todos os filhos dos homens;

Nem eu acreditei que teus editais [fossem] fortes o suficiente,

Vindos de um homem mortal, para reduzir ao Nada

As leis imutáveis não escritas de Deus.

Elas não são de hoje nem de ontem,

Mas existem desde sempre, e não pode o homem afirmar

Quando apareceram

(Da versão de Harvard Classics,volume 8, parte 6, 493/501, traduzida por E. H. Plumptre.)

Esta forma de pensamento de Antígone talvez teria conduzido a sociedade ateniense ao reconhecimento do valor da consciência acima da autoridade, do militarismo e do nacionalismo, já que o Deus a que ela se refere (Théus) é uma representação geral da gênese do Universo. Entretanto, alguns séculos depois, o cristianismo deu a Deus um caráter pessoal (interpretável pelos padres), tornando o direito natural numa forma arbitrária de direitos revelado. A Humanidade atrasou-se 20 séculos.

O filósofo inglês Stuart Mill (1806-1873), uma mente avançadíssima para sua época, denunciava que o sistema patriarcal era tão antigo como a humanidade, e escreveu um famoso livro sobre a opressão feminina:

http://www.constitution.org/jsm/women.htm

Mill percebeu que a condição feminina é uma forma de escravidão. Mas, outras formas de dominação semelhantes que ele não menciona (o militarismo e o classismo, por exemplo) foram geradas pelo mesmo método que a dominação da mulher: pessoas mais fortes, melhor armadas, mais rápidas, assumiram domínio sobre outras, e depois, sua opressão ficou justificada através de regulamentos e cumplicidades.

Em quase todas as culturas, a mulher ficou relegada à reprodução e ao lar, mas, apesar de sua falta de liberdade e de seu perfil discreto, a maior parte das religiões apresentou o feminino como nocivo e perigoso. Em poucas passagens da Bíblia se reconhece a importância de alguma mulher (como a juíza Deborah), mas em muitas outras, o feminino é tratado com desprezo. Por exemplo:

[Depois de uma batalha]. E se encontras entre os cativos uma linda mulher, e a desejas, deves apropriar-te dela e transformá-la em tua esposa – DT 21:11

Alguns sugerem que o Cristianismo teria favorecido à mulher, mas as passagens do Evangelho onde se demoniza o feminino são majoritárias. As singelas gentilezas de Lucas (8:13 e 23:27) e Mateus (27:55) ficaram esquecidas quando a Igreja assumiu o poder. A partir do século 12, o direito canônico enfatizou a “inferioridade” moral e intelectual da mulher. Anos depois, Santo Tomas adotou uma idéia de Aristóteles: o único gênero real é o masculino, pois a mulher é um “erro” da natureza (um erro esquisito que aparece um 50% das vezes). Não tendo raciocínio, deve manter silêncio e obediência ao homem, e ficar fora da vida pública. Aliás, deve ser castigada pelo marido por tê

-lo afundado no pecado original. O direito canônico autorizava a bater nela e privar-la de comida, mas evitando matar-la!

As religiões reformadas reconheceram parcialmente o valor da mulher. No século 16, na Inglaterra, várias escritoras ficaram famosas, e a mesma Elizabeth 1ª promoveu a educação feminina. As religiões alternativas, espiritualistas e naturalistas, amenizaram as diferenças de gênero; o credo Bahá’i, fundado em Irão em 1844, defendeu a igualdade de direitos entre os sexos, além de combater o racismo, a homofobia e qualquer outro preconceito. Nos Estados Unidos a misoginia prevaleceu até o século 19. Os puritanos que governavam as colônias queriam repetir a experiência católica do terror inquisitorial. Um caso lembrado todos os anos junto ao túmulo das vítimas, é o massacre de 14 mulheres consideradas “bruxas”, na cidade de Salem (Massachusetts), entre 1692 e 1693.

Discriminação Antifeminina

A discriminação sofrida pelas mulheres está definida na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulheres da ONU de 1979:

“Discriminação contra mulheres” designa qualquer distinção, exclusão ou restrição feita com base no sexo, que possua o efeito […] de diminuir ou anular o reconhecimento, desfrute ou exercício pelas mulheres […] (sobre a base de igualdade de homens e mulheres) de Direitos Humanos e liberdades individuais […] em qualquer campo.

A primeira reivindicação da militância feminista foi o voto. Em Ocidente, a conquista do direito de eleger e se candidatar estendeu-se lentamente, mesmo para a mulher branca: o primeiro país que autorizou o voto feminino (com restrições) foi a Suécia, em 1718, mas o último foi Portugal, apenas em 1976. Os direitos econômicos, como salário, emprego, etc., nunca foram totalmente atingidos. No caso do emprego, a ONU denunciou que em quase todos os países membros, as mulheres desfrutam de menos oportunidades que os homens. Nos Estados Unidos, fontes do governo afirmam que, apesar de que 50% dos mestrados são obtidos por mulheres, o 95% dos altos executivos nas maiores empresas são homens.

Em outros casos, a supremacia masculina se manifesta no controle familiar.  A família tradicional pode ter apenas um líder. Instituições repressoras, como o exército, algumas igrejas e os aparatos políticos apelam à importância da família para combater a diversidade. O pai de família tem a decisão final em todos os assuntos, mas a mulher deve inculcar os valores mais conservadores no dia-a-dia de seus filhos. A mulher também padece a falta de planejamento familiar. As religiões oficiais proíbem o planejamento, alegando que interfere nos desígnios divinos, enquanto nos estados totalitários ateus (como o chinês), o governo o impõe pela força.

Por uma razão ou pela oposta, a mulher é vítima. Mulheres sem parceiros assumem sozinhas a organização doméstica, mas, nos lares com ambos os conjugues, o compartilhamento de responsabilidade é geralmente ilusório. O marido costuma coagir à mulher para engravidar ou para abortar, a despeito de seu interesse e vontade.

A disposição do próprio corpo é a conquista mais difícil para a mulher de um lar patriarcal. Nos casos de “quebra feminina da monogamia”, o marido pode reagir com insultos, medidas legais e atos violentos. Nas culturas mais brutais (entre outras, Irã, Nigéria, Afeganistão), o estado pode executar à esposa “infiel”, mas inclusive em algumas regiões da América Latina, homens que assassinam suas mulheres por ciúmes podem ser absolvidos por juízes cavernícolas e ressentidos.

Dados de Anistia Internacional

Estes são dados do relatório 2004 de Anistia Internacional sobre violência contra mulher, baseados em fontes da ONU e da Organização Mundial para a Saúde:

Em algum momento de sua vida, 16,7% das mulheres sofrerão alguma ação violenta, e 10% serão vítimas de tentativa de estupro. Cerca de um 30% já foram espancadas, pressionadas sexualmente ou abusadas. Até 47% das mulheres denunciaram que sua primeira relação sexual foi forçada. Até 70% das vítimas de assassinato foram mortas por seus parceiros. Em Egito, 35% das mulheres denunciam ser espancadas por seus maridos em algum momento. Em Bolívia, 17% das mulheres com 20 ou mais anos tem sido vítima de violência no ano anterior. Vide a página de Anistia Internacional (em 4 línguas):

www.amnesty.org/en/library/asset/ACT77/034/2004/en/dom-ACT770342004en.html

A Origem do Feminismo

O feminismo é uma corrente formada por movimentos cujo ponto comum é a defesa de direitos justos para as mulheres. Ao dizer “direitos justos”, supomos que existe um critério de ética e justiça para determinar direitos. A afirmação usual de que devem defender-se “direitos iguais” é reacionária, pois alguns direitos dos homens são negativos, como servir no exército e trabalhar como carrasco.

Germes de feminismo aparecem na Modernidade. A igualdade de direitos (justos) foi aceita pelos Anabaptistas ingleses e pelos Quakers, que estimulavam às mulheres a manifestar-se sobre política e religião. Entre 1646 e 1649, um movimento popular chamado Leveller (Nivelador) organizou as primeiras grandes passeatas com cerca de 10 mil mulheres que exigiam liberdade de presos políticos, igualdade religiosa, fim da guerra, e direito ao voto universal.

Existem casos isolados de mulheres feministas desde o século 14º. Christine de Pizan (13631434?) foi criada na França, onde salientou como escritora, combateu a misoginia, e redigiu a primeira obra teatral onde todos os protagonistas são mulheres. Em 1622, a francesa Marie de Gournay (15651645) afirmou a igualdade intelectual entre homens e mulheres. A escritora sueca Hedvig Nordenflycht (17181763) reclamou  educação equivalente para ambos os gêneros e denunciou o casamento como forma de servidão. Mais influente foi OLYMPE DE GOUGES que assumiu a defesa teórica e prática da mulher.

MARIE GOUZE (17481793) dita Olympe de Gouges, militou na Revolução Francesa, da qual celebrou seu papel libertador, mas criticou seu caráter antifeminino. Em seus textos, que tiveram enorme popularidade, apresentava críticas políticas e sociais, e fazia propostas de incitação à luta. Sua DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER E DA CIDADÃ (1791) foi idealizada como complemento da Declaração dos Direitos do Homem. Olympe teve uma visão muito completa dos Direitos Humanos também no combate ao escravismo, a cuja crítica dedicou a obra teatral A Escravidão dos Negros (1774), e se tornou militante da Sociedade Amigos dos Negros, fundada pelo matemático Jean A. de Condorcet (17431794). Esteve contra a execução de Luis 16, por achar cruel e desumana a pena de morte.

www.pinn.net/~sunshine/book-sum/gouges.html

A britânica Mary Wollstonecraft (17591797) escreveu romances, ensaios e livros para crianças. Ganhou celebridade com A Reivindicação dos Direitos da Mulher (1792), onde rejeita a inferioridade “natural” feminina. Foi a primeira que pôs em evidência um grande tabu: O RECONHECIMENTO DOS DESEJOS SEXUAIS DAS MULHERES.

Wollstonecraft influiu diretamente no surgimento da Primeira Onda feminista (1850-1920), identificada no Reino Unido e nos Estados Unidos pelo sufragismo. Em ambos os países, a Primeira Onda também exigiu direito a atendimento médico, educação e emprego, e estava formada basicamente por mulheres de classe média, brancas, com objetivos limitados.

Segunda e Terceira Ondas

A Segunda Onda (19601970) começa, em sua maioria, nos Estados Unidos. No início dos 60, suas ativistas batalharam contra a tradição de colégios separados para homens e mulheres, e conseguiram institutos mistos. No emprego, lutaram contra a demissão de mulheres que envelheciam ou casavam. No plano ideológico, denunciaram os estereótipos femininos na mídia: mulheres frágeis, religiosas, pouco inteligentes, assexuadas, etc..

A Segunda Onda conquistou alguns direitos sexuais, como o acesso aos anticoncepcionais e (em alguns lugares) à interrupção da gravidez. Conseguiu que o abuso sexual e o estupro fossem denunciados e que suas vítimas recebessem proteção. Parcialmente, obteve leis para o cuidado dos filhos de mães trabalhadoras, e punições contra o assédio sexual no local de trabalho. Esta onda interceptou com a Guerra de Vietnam (1959-1975), à qual suas militantes se opuseram energicamente. Em 1964, criou-se um movimento feminista muito amplo, o frente de Libertação das Mulheres (Women Lib), que foi criticado por seu estilo genérico e sua falta de ações concretas para mulheres pobres e negras.

Na metade dos anos 80 surgiu a Terceira Onda, que ainda mantém sua força. Típicos da Terceira Onda são: a diversidade, e solidariedade com outros movimentos, e a crítica ao paradigma universal de identidade feminina, extraído da mulher branca pequeno-burguesa. Promove às interações com outras etnias, classes sociais e culturas.

A Terceira Onda incorpora assuntos mais amplos e profundos, especialmente a sexualidade em todas suas formas, e questiona a divisão binária dos gêneros, entendendo o feminino e o masculino como estados fluentes. Esta fluência reativou a palavra “queer” (utilizada antes para referir-se a homossexualidade), para designar as pessoas e condutas que faziam parte dessa fluência e podiam mudar o padrão de gênero. Esta onda está marcada por propostas sociais bem definidas:

(1) Anti-Racismo. Milita na luta contra o racismo, e reivindica a compreensão dos problemas de outras etnias para articular um feminismo coerente. (2) Atitude pós-colonial. Considera a variedade de problemas femininos criados pelo domínio imperial nos países ex-coloniais. (3) Transnacionalismo. Equivale ao internacionalismo socialista: a luta deve ser comum a todos os oprimidos, ignorando as identidades nacionais. (4) Ecofeminismo. Ressalta a afinidade entre a opressão da mulher, o domínio sobre outras espécies vivas e, em geral, sobre o conjunto da natureza.

O movimento central dentro da Terceira Onda é o feminismo Sexualmente Positivo, que trata a sexualidade explícita como objeto de prazer e não como degradação machista. Afirma que a pornografia nem sempre é degradante, como tinha afirmado a Segunda Onda, pois, desde que seu conteúdo não promova o ridículo, os estereótipos ou a violência, deve ser entendida como a difusão de atos prazerosos, cuja condena implicaria estigmatizar a própria atividade sexual.

Esta onda desafia os preconceitos contra mulheres e outros grupos discriminados, e defende o direito sobre o próprio corpo e a própria sexualidade, reconhecendo a influência fundamental da etnia e da classe social na luta feminista. Sua militância se baseia no esclarecimento, a educação, a comunicação, e as ações concretas em relação com trabalho, saúde, cuidados das crianças e reprodução.

A Luta pelos DH das Mulheres

Os movimentos feministas mais avançados trocaram solidariedade com outros movimentos e grupos, atingindo uma cooperação estável a partir da Terceira Onda. Isso fez possível a atual inclusão, pelo menos teórica, do gênero feminino dentro das conquistas dos DH. Vamos a apresentar uma tabela onde se mostram algumas destas relações de solidariedade.

Movimentos e Outros Grupos Solidários Externos com o Feminismo

Tipo de Grupo ou Movimento

Formas de Atuação

Exemplos

Homens Isolados ou em Grupos

Colaboração com movimentos feministas. Palestras, escritos, educação, discussões públicas ou privadas.

O sociólogo americano Michael Kimmel.

Movimentos de Esquerda

Defendem o feminismo como resistência à exploração das massas populares. Aproximam os sindicatos das mulheres, e propõem leis para a igualdade de gênero.

O Partido Social-Democrata da Alemanha até 1930.

Movimentos Anti-Racistas

Forjam a solidariedade entre os três componentes da luta humanitária: anti-sexismo, anti-racismo e anti-classismo.

O Partido das Panteras Negras, na Califórnia de 1960

Movimento de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros

Unificam suas protestas e reclamações de direitos com as mulheres em geral, com independência da orientação sexual específica.

Coalition of African Lesbians (Johannesburg, África do Sul, 2007).

Movimentos de Libertação e Democratização de Países Subdesenvolvidos

Lutam para liberar as mulheres das aberrações de algumas culturas, como as punições familiares, as limitações da vida sexual, as mutilações rituais.

Golden Needle Sewing School (Afeganistão, 1996).

O Reconhecimento dos DH das Mulheres

Os políticos aprovaram o sufrágio feminino porque esperavam receber votos como amostra de gratidão (como aconteceu no Chile, onde forças católico-fascistas ganharam as eleições municipais de 1935 graças ao voto das mulheres), mas se mostraram menos sensíveis com os outros direitos. A integração de gênero nos colégios foi demorada e parcial. Os empregos para mulher aumentaram na Europa e nas Américas, porque o sistema necessitava mais mão de obra, mas os salários não foram igualados. Medidas humanitárias, como salário família e licença maternidade só foram implantadas pela insistência de legisladores de esquerda.

Teoricamente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 protegia de mesma maneira os direitos de homens e mulheres, mas na prática, os movimentos feministas deveram pressionar durante décadas para que a ONU assumisse seriamente sua causa. Desde 1975, a ONU celebrou várias conferências sobre as reivindicações femininas e em 1979, apresentou uma Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contras as Mulheres (CEDAW), um detalhado documento com 30 artigos contra as discriminações mais conhecidas.

Os Estados participantes condenavam todo preconceito, prometendo sua eliminação jurídica, a criação de organismos para problemas femininos, e a revogação de leis, hábitos e práticas discriminatórios. Esta medida visava eliminar costumes bárbaros, como o dote ou a virgindade nupcial, o que irritou às sociedades onde estas práticas eram comuns.

Sob a expressão “medidas especiais de caráter temporário”, o artigo 4º da Convenção estimula a adoção de ações afirmativas por parte do estado.

A Convenção previu ações educativas gerais para modificar preconceitos e estereótipos, e ações educativas familiares para ensinar aos homens e às mulheres sua responsabilidade conjunta no desenvolvimento dos filhos. Também obrigava os países membros a perseguir o tráfico de mulheres e a exploração da prostituição.

O Artigo 10º exigia eliminar a discriminação nos estudos, e garantir acesso equivalente a escolas, faculdades, bolsas, cursos de aprimoramento e aplicações em todos os níveis, e atacar os estereótipos profissionais que dividem os gêneros, revisando livros, programas, planos e métodos que veiculam esses preconceitos. No plano do emprego, a Convenção propôs a igualdade de gênero na escolha de profissão, e no direito a salário, promoção, capacitação e às diversas formas previdência, incluindo saúde e férias. Veja:

www.direitoshumanos.usp.br/counter/Onu/Mulher/texto/texto_3

www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/mulher/lex121.htm

Esta Convenção foi ratificada por vários estados, mas apresentou menor nível de aceitação que qualquer outro instrumento da ONU, e foi alvo de reservas em artigos importantes por mais de 20% dos aderentes. Em 1999, a Comissão da Situação da Mulher da ONU apresentou o Protocolo Opcional da CEDAW, no qual se providenciam métodos para o controle do cumprimento da Convenção e para a investigação das infrações. Este Protocolo, porém, encontra ainda maiores resistências que a própria Convenção.

Portanto, a luta, inclusive jurídica, pela emancipação de mulher, continua agora com maior vigor do que nunca. Como disse Lênin durante a Revolução Bolchevista, nenhuma sociedade será livre se só for livre uma metade dela.

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