Andrea Miramontes e Daniel Santini – Folha Universal
São registrados, em média, 80 casos de violência contra crianças e jovens por dia no País. Longe dos holofotes, eles são espancados, abusados e mortos
Enquanto os holofotes da mídia estão apontados para o julgamento e condenação do pai e da madrasta da menina Isabella Nardoni, morta em 29 de março de 2008, centenas de outras crianças brasileiras são vítimas de agressões, muitas vezes dentro da própria casa e em muitos casos com um final semelhante ao do que comoveu o Brasil. Longe da indignação popular, todos os dias uma média de 81 casos de violência contra menores de 18 anos são registrados no País, conforme dados do ano passado do “Disque 100”, serviço de denúncia nacional de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, órgão do Governo Federal. No ano passado, o serviço recebeu 29.756 denúncias de todo tipo de agressão.
Nos 2 primeiros meses de 2010 já foram mais de 4,5 mil casos. De 2003 até agora foram quase 120 mil vítimas, a maioria (62%) meninas.
Na madrugada de quinta-feira (25) para sexta-feira (26), 70 pessoas esperavam na fila para conseguir um lugar na sala do fórum de Santana, em São Paulo, onde ocorreu o júri popular que terminou com a condenação do casal Nardoni, na madrugada de 27 de março (veja os detalhes do julgamento na página 10).
Entre elas estavam parentes de vítimas de outros casos, como Élio Henrique da Silva, de 54 anos, que exibia um cartaz lembrando a filha Ludmila, morta aos 17 anos após ser estuprada em 2000. Mesmo com a perna engessada, ele fez questão de comparecer e cobrar punições duras.
Em outro ponto do País, 1 semana antes do julgamento do caso Isabella, um bebê de 1 ano e 8 meses morreu 2 dias depois de ter sido internado com ferimentos profundos e indícios de um possível abuso sexual no hospital de Indiara, cidade do interior de Goiás.
O principal suspeito é o padrasto de 24 anos, que estava sozinho com a criança quando ela se feriu. Segundo a delegada que investiga o caso, Flávia Santos Andrade, o padrasto alegou, em depoimento, que teria sido um acidente doméstico e que o bebê teria caído do sofá. “Os médicos constataram inchaço do tórax e lesões graves.
Levantou-se a hipótese de espancamento. E as lesões na região anal levam a crer em abuso sexual. Instaurei inquérito policial e pedi a prisão preventiva do padrasto.
O caso é semelhante ao de Isabella, pois depende totalmente da perícia para decidir o indiciamento”, afirma Flávia.
Um ano antes, em março de 2009, também em Goiás, uma menina de 1 ano morreu em Goiânia, espancada pelo pai, o policial militar reformado Abrão Soares Conceição, de 39 anos, que também foi indiciado por lesão corporal contra a mulher dele, que tentou proteger a filha.“O número de denúncias ainda é muito menor do que a quantidade de casos de violência contra menores. As pessoas não denunciam porque acham que é assunto de família.
Mas a abertura de canais como o ‘Disque 100’, o Estatuto do Menor, e as matérias na mídia têm contribuído muito para que as pessoas comecem a abrir os olhos para os direitos das crianças e dos adolescentes”, afirma o psicólogo Fábio Silvestre, mestre em educação e conselheiro da Comissão da Criança no Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.
Em outro caso assustador, ocorrido em Pernambuco no final do ano passado, o corpo da menina Adriana, de 8 anos, foi encontrado dentro de um saco na margem de um rio do município de Vitória de Santo Antão, no dia 5 de novembro.
A garota, que estava desaparecida, foi morta a pauladas. Segundo relatos dos policiais, o padrasto da criança, um agricultor de 24 anos, confessou a autoria do crime e foi preso. Vizinhos também afirmaram que ele espancava Adriana.
A mãe, uma dona de casa também de 24 anos, sabia das agressões, mas nunca denunciou o parceiro. Foi considerada conivente com o crime, mas fugiu.
Os dois foram indiciados.
“Para nós, o aumento no número de denúncias não é um diagnóstico de crescimento da violência, mas de que as pessoas estão ficando menos tolerantes a esse tipo de crime”, afirma Leila Paiva, coordenadora do “Disque 100”.
Colaborou Lumi Zúnica