O caminho da tolerância

Informação e respeito à individualidade são fatores fundamentais para que pais e mães aceitem com mais tranquilidade a homossexualidade dos filhos

 Correio Braziliense

Arquivo Pessoal
Marcello e a mãe, Edith: depois do choque inicial, compreensão e respeito


“Eu fiquei desesperada, transtornada. Me sentia culpada, não entendia porque aquilo estava acontecendo.” Foram esses os sentimentos que atingiram a escritora Edith Modesto, 72 anos, quando o filho mais novo, Marcello, hoje com 40 anos, lhe revelou que era homossexual. Sem muita informação, Edith se sentiu desamparada, perdida. Para entender melhor o que se passava com o filho, resolveu procurar outras mães. “Eu não sabia onde encontrar informações, por isso entrei em um fórum de discussão entre homens gays. Foi ali que recebi as primeiras informações sobre diversidade sexual e comecei a compreender que a orientação do meu filho era perfeitamente normal. Que, como existem pessoas que nascem altas e baixas, existem aquelas que nascem gays ou heteros”, conta a professora universitária e pesquisadora. 

Com o tempo, Edith foi vendo que não estava só. Muitos pais tinham as mesmas dúvidas, os mesmos questionamentos. Para que outras mulheres não passassem pela mesma dificuldade que ela, Edith fundou o Grupo de Pais de Homosexuais (GPH), a primeira organização não governamental do país voltada para esclarecer e informar os pais de filhos gays. “Existem muitos mitos que cercam a sexualidade e poucos lugares onde se pode encontrar informação segura. Assim, com três mães, fundei o grupo. Hoje, somos mais de 200 em todo o país”, comenta a professora. 

Para ela, a grande dificuldade dos pais em aceitarem a homossexualidade dos filhos está no desconhecimento e no despreparo. “Muito mudou de lá para cá, os pais estão mais tolerantes, mas isso só está acontecendo porque o entendimento do que é diversidade de orientação sexual está se propagando”, conta. Entretanto, é comum encontrar pais que chegam na associação completamente perdidos. “Não é difícil, mesmo nos dias de hoje, encontrar mães que dizem que preferem a morte a ter um filho gay ou que se sentem culpadas pela sexualidade dos filhos e das filhas”, completa. 

Para Welton Trindade, diretor do Grupo Estruturação, uma das mais antigas ONGs de gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros (GLBTTT) do Distrito Federal, a relação entre pais e filhos passa por um abalo no momento em que a orientação sexual é revelada, mas, com o tempo, a grande maioria dos pais compreende os filhos. “O interessante é que muitos filhos têm a impressão de que, quando saírem do armário, a família vai expulsar de casa ou vai ter uma reação muito ruim. Felizmente, para a grande maioria, apesar do choque inicial, os pais terminam por aceitar bem”, explica. 

Reações opostas
Foi assim com o DJ e cineasta Otávio Chamorro, 24 anos. Ele esperou tornar-se independente dos pais para se assumir. “Mesmo assim, é sempre um baque. Minha mãe aceitou melhor, e hoje, quando vou visitá-la, a gente inclusive discute o assunto. É engraçado ver a gente na praça comentando sobre os homens que passam”, comenta. Já a relação com o pai ficou estremecida quando ele “saiu do armário”. “Meu pai teve uma dificuldade maior em entender. No início, ficamos sem nos falar, mas aos poucos fui conseguindo explicar as coisas e, hoje, embora não seja um assunto que a gente discuta, ele aceita a minha sexualidade”, completa. 

O produtor de moda Felipe Gomes, 20 anos, também passou por essa situação. Ao se assumir para a família, com apenas 12 anos, também enfrentou reações opostas dentro de casa. “Minha mãe aceitou relativamente bem. Depois daquele momento de choque, ela me compreendeu. Já com o meu pai a situação ainda é um pouco complicada. Ele prefere não tocar no assunto”, conta. 

O professor universitário Marcello Modesto, filho de Edith, acredita que esse tipo de relação, em que os pais se recusam a discutir a sexualidade dos filhos, pode ser prejudicial. “Pais que se retiram emocionalmente e evitam falar sobre o assunto provavelmente levam um tempo muito maior para digerir essa nova informação”, afirma. “ Por sorte, minha mãe é do tipo que gosta de conversar sobre as coisas, então, bem aos poucos, ela foi se sentindo melhor e entendendo que eu não estava fazendo nada de errado.” 

Os especialistas afirmam que não existe momento certo para contar para a família. “Há pessoas que preferem se abrir logo cedo, há outras que deixam para se assumir quando já adquiriram independência financeira, e isso vai de quando cada um se sente preparado”, analisa Welton Trindade. “No entanto, pode ser uma boa oportunidade para os pais refletirem sobre o amor pelos filhos. Repensar se eles amam o que eles são ou o que gostariam que ele fossem”, conclui. 

Autoaceitação
Se para os pais é um momento doloroso, para os filhos a situação não é menos complicada. Descobrir-se homossexual pode ser uma etapa difícil da vida. “Eu acredito que o primeiro passo para ser aceito é se aceitar. Acho que quem está se descobrindo agora precisa se cercar de informações, se conhecer bem, porque aí sim será mais fácil ser compreendido pelos pais”, avalia Welton Trindade. “O difícil é que, quando o jovem mais precisa de ajuda e orientação da família, ele é quem acaba tendo que ajudar e orientar os pais”, completa Edith Modesto. 

A experiência de Marcello Modesto foi nesse sentido. Ele conta que a imagem que tinha de sua sexualidade era a de estar fazendo algo que não era correto. “Mesmo tendo crescido em uma família esclarecida, o adolescente gay cresce com o sentimento de estar fazendo algo ‘errado’. Esse sentimento é incutido na gente certamente por piadinhas e xingamentos que colocam a sexualidade gay como algo desviante”, afirma. “Então, depois de lidar com esse sentimento dentro de si e poder contar aos pais, você tem que esperar eles lidarem com os mesmos sentimentos, o que é bem incômodo.” 

Paciência e diálogo são as palavras-chave. Para a psicóloga Cristiane Decat, pais e filhos precisam entender que o momento é delicado para ambas as partes. “Nesse momento, acontece um conflito de gerações. A aceitação da homossexualidade como uma coisa natural na nossa sociedade ainda é muito recente, por isso, os pais, especialmente os mais velhos, ainda sofrem um pouco para entender”, explica Cristiane. “Já os filhos têm diante de si uma so

ciedade que ainda é preconceituosa, por isso, enfrentar rejeição também dentro de casa pode deixar a relação entre pais e filhos ainda mais difícil.”


“O difícil é que, quando o jovem mais precisa de ajuda e orientação da família, ele é quem acaba tendo que ajudar e orientar os pais”

Edith Modesto, fundadora do Grupo de Pais de Homossexuais

 

Glossário

Confira quais são os termos corretos em relação à sexualidade. 

Gay
É o termo que se refere geralmente aos homossexuais masculinos, mas também pode ser utilizado para designar esses indivíduos de maneira genérica 

Lésbica
Denominação originada do nome da ilha grega Lesbos, onde viveu a poetisa Safo, conhecida por poemas eróticos dirigidos a outras mulheres, o que gerou o termo atual para designar mulheres que se relacionam com outras mulheres 

Bissexual
É o termo utilizado para designar pessoas que se sentem atraídas tanto por homens quanto por mulheres, independentemente de seu gênero 

Transexual
São as pessoas que nasceram biologicamente com um sexo, mas se identificam psicologicamente com outro. Um transexual pode ou não ter se submetido à operação de troca de sexo 

Travesti
São indivíduos que se identificam com elementos dos dois gêneros. As travestis funcionam como uma espécie de terceiro sexo, que carrega tanto dados masculinos e femininos 

Transgênero
Se refere a pessoas que transitam pelos dois gêneros. Pessoas que em alguns momentos se comportam como homens e outros como mulheres

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