Reconhecimento da cantora Astrud Gilberto no exterior é indiscutível. Para os seus 70 anos, Deutsche Welle conversou com os pesquisadores Ricardo Cravo Albin e Heloísa Tapajós sobre a importância da artista no Brasil.
Filha de pai alemão e mãe baiana, Astrud Evangelina Weinert ou Astrud Gilberto, cantora que ficou conhecida mundialmente como “a rainha da bossa nova”, nasceu há 70 anos, em 29 de março de 1940, em Salvador da Bahia.
Ainda menina, Astrud mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde na década de 1950 conheceu um grupo bastante musical de amigos. Entre eles estavam Carlos Lyra, Roberto Menescal e João Donato. Através da grande amiga Nara Leão, conheceu seu futuro marido João Gilberto.
Com a eclosão da bossa nova, no início da década de 1960, o casal foi para os Estados Unidos, onde em 1963 Astrud Gilberto realizou a célebre participação no álbum de Stan Getz e João Gilberto, cantando Garota de Ipanema em inglês.
Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: João Gilberto em Nova York em 2004Até aquele momento, Astrud não era cantora profissional. Era esposa de João Gilberto, com quem fazia apresentações esporádicas, e cantava em rodas de amigos da bossa nova.
O single The Girl from Ipanema, lançado pela gravadora Verve em 1964 a partir da gravação com Stan Getz e João Gilberto, lançou a carreira de Astrud e seu inconfundível jeito de cantar suave, que acabou se tornando uma das características da bossa nova.
Única apresentação no Brasil
Após sua separação de João Gilberto, a cantora trabalhou alguns meses com Stan Getz, montando posteriormente seu próprio grupo. Desde seu primeiro single até a coletânea The Divas Series, de 2003, Astrud gravou mais de uma dezena de álbuns, divulgando a música brasileira e o jeito de cantar da bossa nova pelo mundo todo.
Nos últimos anos, apesar de não ter se retirado definitivamente da carreira musical, a cantora soteropolitana tem se dedicado à pintura e à proteção dos animais. No Brasil, profissionalmente, Astrud realizou uma única apresentação em São Paulo em 1965.
Desde então, Astrud Gilberto nunca mais fez shows no Brasil. Frieza do público? Maltrato da crítica? Para quem conhece a biografia de outras cantoras célebres que deixaram a terra natal, como Carmen Miranda ou Marlene Dietrich, a reação da musa da bossa nova não é surpresa.
“Um estímulo, um êmulo e um braço”
No entanto, embora fora da pátria, Astrud Gilberto prestou uma importante contribuição à música brasileira. Se Nara Leão foi a “musa por excelência” da bossa nova, Astrud Gilberto foi “um estímulo, um êmulo e um braço – por ela própria – da divulgação da bossa nova no exterior”, disse em entrevista à Deutsche Welle o musicólogo brasileiro Ricardo Cravo Albin, fundador do Instituto Cultural Cravo Albin e um dos maiores pesquisadores da música popular brasileira.
Segundo Albin, Astrud Gilberto é “um fruto muito acolhedor e muito raro da bossa nova”. Nos Estados Unidos, ela construiu uma carreira sólida no meio musical norte-americano. João Gilberto voltou para o Brasil, mas ela fixou residência em Nova York, o que permitiu uma participação permanente da música popular dentro da capital da música dos EUA, que sempre foi Nova York, disse o musicólogo.
Cravo Albin concorda que o reconhecimento de Astrud no exterior é bem maior do que no Brasil, “onde ela é um pouco ausente”. Nos EUA, todavia, ela é saudada com veemência e com um especial carinho, “até porque os americanos preservam melhor algo que o Brasil preserva menos: a memória de seus intérpretes”, explicou.
Para o musicólogo, no entanto, a bossa nova continua sendo muito celebrada no Brasil, “basta lembrar o show comemorativo dos 50 anos da bossa nova na Praia de Ipanema, onde estavam presentes 50 mil pessoas.”
Cantora brasileira
Segundo a pesquisadora e produtora Heloísa Tapajós, que fez a pesquisa para o espetáculo comemorativo dos 50 anos da bossa nova na Praia de Ipanema, “houve um tempo em que as comemorações de datas da bossa nova aconteciam mais lá fora do que aqui. E os 50 anos da bossa nova foram muito celebrados aqui no Brasil.”
Assim, Tapajós afirmou não acreditar que haja um desinteresse do brasileiro em relação a Astrud Gilberto, “porque quem tem informação, quem conhece o trabalho dela, respeita e se orgulha com o fato de ela estar lá fora, de ela estar mostrando o talento brasileiro.”
Para a pesquisadora, a razão de Astrud Gilberto ter maior sucesso no exterior tem a ver com o fato de ela morar fora, “diferentemente de Nara Leão, que desenvolveu sua carreira toda no Brasil e praticamente fez um mapeamento da música brasileira, com gravações de compositores de todas as vertentes até o final de sua vida.”
Mas principalmente em seus primeiros discos, lembrou a pesquisadora, Astrud Gilberto é uma cantora brasileira, e a estética da bossa nova continua sendo uma grande influência para os artistas mais jovens, concluiu.
Autor: Carlos Albuquerque
Revisão: Alexandre Schossler
fonte: Deutsche Welle