Cândido Grzybowski
Sociólogo, diretor do Ibase
Esta minha crônica é um reconhecimento e uma homenagem às mulheres. Neste
dia 8 de março, Dia das Mulheres, penso que devo fazer isto. Afinal, apesar de me considerar um sujeito aberto à questão de gênero e à agenda do feminismo, continuo convivendo com meus próprios tabus e olhares tortos, presentes lá no fundo da minha formação. No menor descuido, aparecem e aprontam das suas, me limitam como intelectual e militante.
É difícil avaliar tudo o que a humanidade deve às mulheres. Raramente, nós, homens, nos detemos para pensar sobre o como e o quanto a nossa vida depende das mulheres, do seu trabalho. Tendemos a pensar o contrário. Temos internalizado e vivemos como se nós, os machos, fôssemos o centro de tudo, os provedores de tudo.
E em nome desta "verdade" pétrea dominamos nossas companheiras, filhas e filhos e não aceitamos ser contestados. Como uma viseira que limita nossa visão e percepção, carregamos este machismo caseiro para todo lugar. Ele surge, então, como modo de ser da própria sociedade, revela-se como patriarcalismo, uma relação estruturante da dominação e desigualdade de gênero que aparece na sociedade como um tudo, contaminando a todos e todas.
As organizações econômicas, sociais e políticas se estruturam reproduzindo o machismo e as desiguais relações de gênero.
Sem dúvida, muita coisa mudou e vem mudando, graças às lutas das próprias mulheres. Elas conquistaram direitos civis e políticos, leis e políticas específicas foram sendo definidas, a presença pública e liderança de mulheres é marcante em certos espaços. Mas tais mudanças acontecem de forma e em ritmos diferentes, dependendo dos povos e culturas e, no interior deles, de realidades específicas. Muito resta a ser feito. Sobretudo, nós, homens, precisamos mudar muito para dar lugar às mulheres, respeitá-las no que são e admirá-las por suas capacidades e contribuição à humanidade e ao bem viver. A desigualdade persiste de várias formas, a violência contra mulheres ainda é uma constante, sobretudo no convívio doméstico, a dupla jornada de trabalho continua como regra. E, fundamentalmente, não abrimos mão de exercer o mando, transformado em dominação.
Pouca gente ainda se pergunta por que o mundo real que vivemos desqualifica todo aquele conjunto de trabalhos e atenções que fazem o cotidiano funcionar e a nossa vida seguir. Como seria nossa vida diária sem as compras de supermercado, a comida feita, a roupa lavada, a casa limpa, os filhos e filhas de banho tomado, tendo ido à creche ou escola e tudo mais. Mas o cuidado não acaba aí, pois tem os médicos, o dentista, não só de filhos, mas também dos avós, daquela tia velha, de algum familiar necessitado de apoio por alguma razão. Quanto trabalho concreto, no entanto invisibilizado, desqualificado. Mesmo se não é feito pela companheira, mas pela empregada doméstica, não dá para esconder o enorme trabalho fundamental para a vida que aí reside e que não é reconhecido, nem por nós mesmos que o usufruímos e que determina a qualidade de vida que levamos. O tal PIB das estatísticas passa ao largo desta central dimensão do trabalho e da vida, o cuidado, e simplesmente não o contabiliza. Ele só existe como a segunda jornada de trabalho das mulheres, em geral. E ai se não acontecer! A ira dos machões "provedores" ressurge com rasgos de violência incontrolável.
Mas a humanidade deve muito às mulheres em diferentes domínios. Hoje, em face da enorme crise desta civilização industrial, consumista e produtivista, que o capitalismo globalizado produz, com sinais evidentes de exclusão e destruição ambiental, a questão do cuidado toma outra dimensão. Trata-se de voltar a cuidar de tudo, das sementes, da água, do clima, dos bens comuns em geral. Trata-se de preservar e garantir a reprodução, segundo as leis naturais da vida. Trata-se de ter carinho com a natureza como parte de nós mesmos, de nossa vida. Nesta revolução a ser feita ainda, é nas mulheres que a humanidade precisa se inspirar e nelas confiar. O cuidado está no centro de um novo modo de ser e de se relacionar com os bens comuns naturais, nosso meio ambiente, para produzir sociedades de bem viver sustentáveis. Novos padrões de economia e de riqueza, que tenham o cuidado como medida determinante, serão necessariamente mais feministas e, por aí, mais humanos. Quem sabe, a libertação das mulheres do jugo do patriarcalismo seja também a libertação da humanidade da destruição e desigualdade do capitalismo, criado à imagem e semelhança dos homens, segundo as suas medidas de trabalho e valor.
Rio, 08.03.2010