Por Fabíola Munhoz, do Amazônia.org.br
Nesta semana, o mundo comemorou o Dia Internacional da Mulher. Mas, o jornalista e cineasta Evaldo Mocarzel nunca dependeu de datas para homenagear as mulheres do Brasil. Ele tem feito isso com documentários que buscaram retratar brasileiras fortes e defensoras da cultura tradicional da Amazônia.
São mostras desse trabalho os filmes "Mensageiras da Luz – Parteiras da Amazônia", que lançou em 2004, e, mais recentemente, "Quebradeiras", apresentado em 2009. O primeiro conta a história de mulheres que têm a missão de realizar partos no Amapá, enquanto o segundo apresenta donas-de-casa da Amazônia, que quebram o coco de babaçu para sustentar seus filhos e preservar o meio ambiente.
Mocarzel concedeu entrevista exclusiva ao site Amazonia.org.br, em que fala sobre a experiência do contato com essas mulheres da Amazônia e a importância da luta e do trabalho desenvolvido por elas.
Amazonia.org.br- O Dia Internacional da Mulher foi criado para lembrar a luta das mulheres pelo reconhecimento de seus direitos. Por que, em sua opinião, as mulheres da Amazônia devem ser homenageadas nesta data?
Evaldo Mocarzel- Todas as milhares de mulheres do Brasil deveriam ser lembradas, não só as que labutam na Amazônia. Existe uma luta generalizada de todas as mulheres do país, seja da Amazônia, da Caatinga, do Pantanal, ou da periferia de São Paulo.
As mulheres parteiras da Amazônia, sem dúvida, são grandes lutadoras. No Estado do Amapá, elas atuam porque a região carece de hospitais, e as parteiras têm a função fundamental de partejar, na ausência de médicos. Elas se transformam em parteiras por necessidade, e não querem concorrer com os médicos.
Muitas, inclusive, não cobram pelo serviço e permanecem na casa da parturiente, fazendo tarefas domésticas nos dias seguintes ao parto. Elas têm uma responsabilidade social muito grande, inclusive, no trabalho de censo que fazem muitas vezes, registrando as crianças que nascem. Elas suprem a ausência de hospitais em regiões separadas por grandes distâncias.
Com relação às quebradeiras de babaçu, com quem também tive contato em outro documentário, elas têm um papel importante de preservação dos babaçuais, são donas-de-casa e trabalham quebrando o coco. Com isso, preservam a cultura local, como, por exemplo, a mangaba e o lindô, na música, e o uso do óleo e do leite do babaçu. Elas têm uma cultura muito rica e preservam suas tradições, que são milenares e seculares, além de gerar renda para sustentar seus filhos.
Amazonia.org.br- No caso específico das parteiras, o modo como atuam no nascimento de crianças é um conhecimento tradicional, transmitido entre gerações?
Mocarzel- Sim. Existem parteiras negras, índias e caboclas, sendo que essas últimas bebem de todas as fontes. Elas têm um conhecimento muito grande sobre a vida e a morte, que é quase tátil. Eu conversei com uma mulher que já fez 500 partos.
Amazonia.org.br- Há algum critério para escolha das mulheres que terão a missão de ser parteira?
Mocarzel- Não. A vocação surge em situação emergencial, por necessidade. Quando não tem ninguém para fazer o parto, a mulher chega lá, faz a criança nascer e descobre esse dom.
Amazonia.org.br- Essas mulheres hoje sofrem com a perda de crianças em partos mais complicados, por falta de infraestrutura necessária?
Mocarzel- Hoje, existe a Associação de Parteiras Tradicionais. Com ela, as parteiras recebem um quite, com linha de nylon, usado para cortar o cordão umbilical, e panela de pressão, para ferver a água. A associação também promove encontros para falar de assepsia. Antes, algumas parteiras tinham medo de serem presas porque o seu ofício não era reconhecido. A associação trouxe dignidade para a profissão, e hoje elas atuam com assepsia, higiene. Elas são, inclusive, contra o parto cesariano. Elas acham que não se deve cortar a mulher.
Amazonia.org.br- As parteiras ainda não têm sua profissão reconhecida?
Mocarzel- A partir da criação da Associação de Parteiras Tradicionais no Amapá, houve o reconhecimento da profissão e, as parteiras passaram a receber uma verba do governo, uma espécie de salário, pelo trabalho que prestam. Isso trouxe a essas mulheres autoestima, instrumentos de trabalho e remuneração pelo trabalho social realizado. Na época em que fiz o documentário, a associação tinha 900 parteiras. A associação faz um trabalho muito bacana, e foi criada pela Janete Capiberibe, que nasceu de parteira e era primeira-dama do Estado. Hoje, ela é deputada-federal [pelo PSB do Amapá].
Amazonia.org.br- De onde surgiu seu interesse por retratar as mulheres da Amazônia em seus documentários?
Mocarzel- Eu tenho interesse pelo Brasil telúrico, pelas quebradeiras de coco do Maranhão e do Tocantins e pelas parteiras do Amapá. Eu me interesso por esses temas como documentarista, que ama o país em que vive, e acha que a cultura deve ser preservada e isso pode ser feito em linguagem audiovisual. Por isso, gosto do documentário etnográfico.
Amazonia.org-br- Você pensa em retratar outras mulheres da Amazônia em próximos trabalhos?
Mocarzel- Pretendo fazer outros documentários sobre o Brasil profundo. Tenho vontade de conhecer as mulheres do capim dourado, que trabalham com artesanato e vivem no Tocantins. São muitos os temas que eu gostaria de tratar. O Brasil tem uma diversidade cultural grande, com raízes profundas e diversificadas.
Amazonia.org.br- Você acredita que seus filmes podem conscientizar as pessoas para a necessidade de se conservar a cultura tradicional da Amazônia, num momento em que o governo federal e empresas buscam levar grandes empreendimentos econômicos à região?
Mocarzel- Bom, meus filmes passaram por festivais de cinema, circulam muito. Eles chegam a universidades, sindicatos, hospitais, centros culturais. A informação, sem dúvida, circula.
Amazonia.org.br- Qual sua lembrança mais marcante do contato com as parteiras do Amapá?
Mocarzel- O que me marcou muito foi ver essa vocação delas para o ofício e essa responsabilidade social que elas têm. Hoje, existe um marketing grande de responsabilidade social e desenvolvimento sustentável, mas a profissão de parteira é um sacerdócio de mulheres fortes e generosas, que já tinham responsabilidade social muito antes de isso entrar na moda.
(Envolverde/Amazônia.org.br)