NOTA DO CFEMEA SOBRE A DECISÃO DO STJ SOBRE A LEI MARIA DA PENHA

O CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria, organização não-governamental feminista e anti-racista, vem manifestar publicamente sua indignação com a negação de provimento ao Recurso Especial 1.097.042 pela 3ª. Seção do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no dia 24 de fevereiro de 2010.

Esta decisão estabelece que, nos casos de lesões corporais cometidas em decorrência de violência doméstica e familiar contra as mulheres, a ação penal procederá apenas mediante representação da vítima. Com efeito vinculante para a Justiça de todo o país, a medida desvirtua a Lei Maria da Penha (11.340/2006) e afronta o direito das brasileiras à uma vida livre de violência.

A Lei Maria da Penha foi criada para por fim à ineficácia da legislação anterior e à negligência do sistema de justiça criminal na garantia da integridade física e psíquica das mulheres. Os dispositivos e objetivos por ela contemplados são amparados pela Constituição Federal e, no direito internacional dos direitos humanos das mulheres, encontram respaldo na Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Convenção CEDAW) e na Convenção Inter-Americana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) e nas recomendações dos comitês da ONU que monitoram o cumprimento dos tratados internacionais de direitos humanos. E ainda, nas recomendações da Comissão de Direitos Humanos da OEA ao Brasil, no caso de Maria da Penha Fernandes, amplamente conhecido e que deu origem ao nome da Lei.

A exigência da representação para prosseguimento da ação penal nos casos de violência física contra as mulheres (lesão corporal de natureza leve) nega eficácia e desvirtua os propósitos da nova Lei. Perguntar a uma mulher, que após anos de violência consegue finalmente registrar uma ocorrência policial, se ela “deseja” representar contra seu marido ou companheiro é desconhecer as relações hierárquicas de gênero, o ciclo da violência e os motivos pelos quais as mulheres são obrigadas a “retirar” a queixa: medo de novas agressões, falta de apoio social, dependência econômica, descrédito na justiça.

Ao votar pela exigência da representação para dar prosseguimento à ação penal, @s ministr@s do STJ Nilson Naves, Felix Fischer, Arnaldo Esteves Lima, Maria Thereza de Assis Moura, Jorge Mussi e o desembargador Celso Limongi consentiram a violência institucional perpetrada pela tolerância do sistema de justiça criminal a essa violência contra as mulheres, violando seu direito à vida, integridade, intimidade, privacidade e saúde. A resolução do conflito que cabe ao Judiciário voltou a ser um ônus para as mulheres.

A decisão do STJ também contraria explicitamente o texto da Lei 11.340/2006. O delito de lesão corporal leve requer a representação da vítima para o prosseguimento da ação penal porque esta é uma exigência instituída pelo artigo 88 da Lei 9.099/1995. Entretanto, no caso de violência perpetrada contra as mulheres, o artigo 41 da Lei Maria da Penha é claro: Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. Afastada a aplicação da Lei 9.099/1995, fica clara a opção pela ação penal pública incondicionada à representação.

Além disso, logo em seu artigo 4, a Lei dispõe: Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Pronunciaram-se de acordo com estas justificativas o relator do requerimento, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, o ministro Og Fernandes e o desembargador Haroldo Rodrigues, que apresentaram votos favoráveis ao caráter incondicionado da ação penal. Os ministros assinalaram, no mais, que a representação é dispensada nos crimes de lesão corporal previstos pelo Código Penal Militar.

Tendo em vista todo o exposto, o CFEMEA reitera na presente nota  que manter a ação penal incondicionada à representação nos delitos de lesão corporal leve contra as mulheres não só é legalmente viável, como também é um mecanismo imprescindível para assegurar os direitos conquistados pelas brasileiras na Lei Maria da Penha. Desta forma, repudia a decisão do STJ e demanda sua reversão em recursos futuros.

 

SEM AS MULHERES, OS DIREITOS NÃO SÃO HUMANOS!
 

 

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