Karol Assunção *
Adital – Além das diversas violações aos direitos humanos que a população guatemalteca teve que enfrentar durante conflito armado interno, como assassinatos e desocupação forçada, as mulheres ainda sofreram com a violência sexual. Para não esquecer o crime de que foram vítimas e nem deixar que fique na impunidade, acontece, nos dias 4 e 5 de março, na capital guatemalteca, o Tribunal de Consciência contra a Violência Sexual às Mulheres durante o Conflito Armado Interno.
A ideia é estabelecer alternativas que ajudem as sobreviventes da violência sexual a conseguirem justiça. Para isso, utilizarão o Tribunal de Consciência para denunciar os crimes dos quais foram vítimas e conscientizar autoridades e sociedade de que a violência sexual foi uma estratégia de guerra que não pode ficar impune.
A Comissão de Esclarecimento Histórico (CEH) revela no relatório "Guatemala: Memória e Silêncio", publicado em 1999, que "a violência sexual foi uma prática generalizada e sistemática realizada por agentes do Estado no marco da estratégia contrainsurgente, chegando a constituir-se como uma verdadeira ‘arma de terror’, em grave vulneração dos direitos humanos e do direito internacional humanitário".
A utilização da violência sexual como arma de guerra torna-se evidente com a quantidade de mulheres vítimas dessa violação durante o conflito armado interno. Segundo dados da CEH, registrou-se 1.465 casos de violência sexual nesse período, dos quais apenas 285 puderam ser documentados.
Em 99% dos casos, a violação foi cometida contra mulheres, sendo, de acordo com informações da Comissão, as indígenas quem mais sofreram (80% das vítimas). A violência sexual não é apenas uma agressão ao corpo da mulher, mas também fere a dignidade e traz danos psicológicos e sociais.
"Por seu ‘modus operandi’, as violações sexuais originaram o êxodo de mulheres e a dispersão de comunidades inteiras, romperam laços conjugais e sociais, geraram isolamento social e vergonha comunitária, provocaram abortos e filicídios, impediram matrimônios e nascimentos dentro do grupo, facilitando a destruição dos grupos indígenas", comenta o relatório da CEH.
Por conta disso, o Tribunal dará espaço às indígenas guatemaltecas para apresentarem a situação que passaram e que continuam a passar em busca de justiça. De acordo com reportagem de Rosalinda Hernández Alarcón, publicada em Cimac, a expectativa é que mais de 100 indígenas mayas de seis regiões do país participem do encontro. Na ocasião, as mulheres presentes também comentarão sobre os crimes que ainda são praticados pelas forças de segurança durante as desocupações.
Segundo informações de Cimac, o Tribunal contará ainda com especialistas penais que apresentarão os meios legais possíveis para não deixar que as violações sexuais ocorridas no conflito armado interno fiquem impunes, já que a violência sexual na guerra é crime de lesa humanidade e, portanto, imprescritível.
* Jornalista da Adital