Por Danilo Valladares, da IPS
Guatemala, 17/2/2010 – “Trabalho na rua desde menina. Meus pais não me colocaram na escola e por isso é muito difícil conseguir emprego”, contou Carol Orozco, uma vendedora ambulante de 31 anos da Guatemala, em uma história repetida na América Central.
Orozco disse à IPS que agora tem de se virar porque “tenho quatro filhos para manter, pois o pai não se ocupa deles”, enquanto oferecia doces aos motoristas parados no semáforo, em uma rua central de Cidade da Guatemala.
Ela faz parte do contingente de mulheres centro-americanas que trabalham na economia informal, segmento onde superam muito os homens.
Cerca de 64% das mulheres da região trabalham nesse setor, contra 50% dos homens, segundo o Terceiro Informe sobre Mercado de Trabalho na América Central e República Dominicana, elaborado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Sistema de Integração Centro-Americana.
Orozco adoraria contar com seguro social, salário e garantias trabalhistas, porque os US$ 214 que consegue ganhar no mês dão apenas para viver e vestir, alimentar, educar e manter os filhos sadios.
"Aqui trabalho, sem banheiro nem água, de sete da manhã às oito da noite, debaixo de sol, chuva e frio", disse a vendedora, armada de doces e guloseimas que, qual munições, leva atados ao corpo para oferecer aos motoristas enquanto o semáforo permanece vermelho.
Recorda que, certa vez, conseguiu emprego formal como vendedora de seguros funerários. “Me ofereceram 900 quetzales (US$ 107) por quinzena, mas depois de vender vários seguros e reclamar meu dinheiro, não me pagaram”, disse com uma decepção persistente.
Agora trabalha em uma esquina da Zona 9 da cidade, setor de edifícios de escritórios muito movimentado, onde compete com outros 11 vendedores ambulantes, com os quais divide lugar de trabalho e também as desvantagens da economia informal.
Das mulheres trabalhadoras da Guatemala, 73% estão no setor informal, em El Salvador 64% e na Costa Rica 45%, segundo o estudo, que qualifica como informal o autoemprego, o assalariado em microempresas não regulamentadas, o trabalho não remunerado e o serviço doméstico.
A pobreza, a falta de educação e a discriminação fazem com que o panorama trabalhista da mulher na região se complique, embora a população feminina economicamente ativa cresça, desde 2001, em ritmo maior do que a masculina, segundo o relatório divulgado em outubro.
“Não aceitam mulher com crianças nos empregos”, disse à IPS Paulina Mazariegos, de 32 anos, enquanto oferecia frutas frescas em uma cesta, ao mesmo tempo que cuidava de seu filho Erick, de dois anos, perto de um ponto de ônibus da capital.
Segundo contou, ganha apenas US$ 3,50 por dia, porque só recebe uma parte do que vende e o restante vai para a dona do pequeno negócio que fornece a mercadoria.
Mazariegos sabe que sua situação trabalhista é muito precária, em parte porque nunca foi à escola, já que “antes os pais não mandavam estudar”. Assim, ganha a vida trabalhando em casas particulares ou vendendo comida.
Aproximadamente, 38,4% da população ocupada da América Central não terminou o primeiro grau, e 73% tem, quando muito, educação média incompleta, segundo o informe. Dos 20 milhões em idade de trabalhar, 60% têm “pouca qualificação”, diz o estudo.
A região, com 43 milhões de habitantes, está catalogada como uma das áreas mais desiguais do mundo, onde metade da população vive em condições de pobreza, segundo organismos internacionais.
Nesse contexto, as mulheres são as que têm menos oportunidades de emprego, ganham menos do que os homens em todos os setores, especialmente no de manufatura, e sofrem um ponto a mais de desemprego do que os homens.
A ministra salvadorenha do Trabalho, Victoria Velásquez, recordou que duas, em cada cinco pessoas que formam a força de trabalho da região, são mulheres e que isso obriga os Estados a adotarem políticas de “maior inclusão” para não forçá-las a se refugiarem nos nichos trabalhistas mais precários.
A força de trabalho da América Central e da República Dominicana (país caribenho somado à subregião dentro da OIT) é de 20 milhões de pessoas, das quais 61,9% são homens e 38,1% mulheres, com um elemento muito chamativo: 60% da mão-de-obra se autoemprega e é informal.
A chave está na educação. A taxa de participação no emprego, de mulheres com educação superior, é de 69,4%, enquanto apenas 34,6% das que carecem de instrução são economicamente ativas.
A participação trabalhista da mulher é maior na Guatemala (44,7%), seguida por Panamá (43,3%), Costa Rica (41,6%), El Salvador (41,3%), Nicarágua (38,5%) e Honduras (36%).
Otto Navarro, da norte-americana e não governamental Iniciativa para a Equidade Global, disse à IPS que o trabalho informal está crescendo na região, segundo estudo feito em 2009 por sua instituição na Guatemala e Nicarágua.
Como parte do fenômeno, destaca a participação da mulher nas vendas de rua, no setor de artesanato e em trabalhos agrícolas.
As barreiras de gênero saltam à vista em suas pesquisas. Cerca de 31% dos entrevistados na Nicarágua responderam que os homens têm mais oportunidades do que as mulheres de conseguir um emprego.
A discriminação trabalhista é repetitiva nos países centro-americanos. “Vim colocar meu negócio de roupa e os outros vendedores me disseram que não poderia, por isso tive de mudar meu produto e agora vendo acessórios”, disse à IPS Ada Ortiz, de 33 anos.
Obrigada pelo pouco que ganha em seu trabalho formal como terapeuta pulmonar, Ortiz instalou a pequena banca em um mercado da capital guatemalteca para poder melhorar sua renda e manter os dois filhos.
Luis Felipe Linares, ex-ministro do Trabalho da Guatemala e agora membro da não governamental Associação de Pesquisa e Estudos Sociais, disse à IPS que há uma presença importante de mulheres e jovens no emprego informal, enquanto persiste a discriminação de gênero.
“As mulheres informam renda menor por atividade similar à dos homens. Também são estes que têm maior acesso a capital para montar um negócio de maior magnitude e isso lhes permite mais renda”, disse o especialista.
O principal obstáculo para gerar empregos formais na América Central surge nas negociações entre o setor empresarial e trabalhista porque “é uma negociação entre desiguais”, segundo Linares.
“A temática trabalhista se resolve na base da negociação. Mas, para que esse diálogo dê resultado benéfico para a maior
ia, é preciso que o terreno de jogo seja mais equilibrado e haja um bom árbitro com capacidade de propostas e peso”, afirmou.
Irma Montes, dirigente da Confederação de Unidade Sindical da Guatemala, disse à IPS que o Tratado de Livre Comércio da América Central com os Estados Unidos (Cafta) e a crise econômica mundial aceleraram a incorporação das mulheres à economia informal.
“As mulheres até inventam formas para vender nos mercados ou na rua. Precisamente, acabamos de ver formalizado um sindicato de vendedoras de comida em triciclos”, disse a dirigente.
Porém, manter o negócio não é fácil. “Às vezes, não as deixam vender, apreendem suas mercadorias por falta de autorização ou por estarem em lugares proibidos”, disse Montes, ao contar os maus-tratos aos quais estão submetidas as vendedoras ambulantes.
As mulheres “expõem sua vida diariamente porque têm necessidade de subsistir”, elas e suas famílias, que em alta proporção estão exclusivamente sob seus cuidados, sentenciou.
IPS/Envolverde