Por Alba Trejo – SEMlac *
Tradução: ADITAL
De acordo com uma investigação da Universidad Estatal de San Carlos de Guatemala (USAC): Morrer, pelo simples fato de ser mulher converteu-se em uma constante.
Órfãos, vítimas colaterais da violência
Alguns usavam fraldas quando deixaram de escutar suas vozes e sentir seus braços. Outros iam à escola e, ao regressar, sua presença havia se esfumado de casa, enquanto que os mais velhos entravam na adolescência quando seus olhos viram como a violência interrompia a vida de suas mães.
Os filhos e filhas do feminicídio, os órfãos da violência, as vítimas colaterais -ou qualquer nome que seja dado a eles-; eles e elas agora são o elo perdido da cadeia de violência que, dia a dia, limita a vida das guatemaltecas, principalmente das que se encontram em idade fértil.
Morrer, pelo simples fato de ser mulher converteu-se em uma constante na Guatemala. Tanto que 20 é o número de mulheres que foram para o necrotério desde que 2010 se iniciou.
A grande maioria, segundo a diretora do Instituto de Ciências Forenses (INACIF), Miriam Monroy, com um tiro na cabeça ou com severas escoriações. Porém, quase todas com um antecedente de sofrimento prévio à sua morte, disse a SEMlac a funcionária.
A universidade estatal de San Carlos de Guatemala (USAC) elaborou um primeiro diagnóstico situacional nesse país centroamericano, determinando como se encontram os/as filhos/as das mulheres assassinadas na capital guatemalteca.
O documento, elaborado depois de visitar e entrevistar pelo menos 33 meninas e meninos cujas mães foram assassinadas, demonstra que em cada lar violentado, pelo menos entre três e seis crianças ficaram sem mãe.
Pobres e extremamente pobres em sua maioria, conclui o relatório, o que demonstra que a maioria das assassinadas vivia em áreas marginais, em situações infrahumanas, confirma Norma Cruz, da Fundação Sobrevivente. São trabalhadoras domésticas, de indústrias montadoras ou de empregadas no setor informal.
A investigação realizou-se em casos de mulheres assassinadas a tiros, estranguladas ou com arma branca entre 2007 e 2009.
Seus filhos, que ficaram órfãos desde os dois meses de nascidos até os 17 anos de idade, "de repente perceberam que já não tinham ao seu lado a pessoa com quem mais se identificavam", diz Elsa Arenales, da Escola de Serviço Social da USAC.
Neles e nelas apareceram as manchas na pele, as marcas purulentas na cabeça, as infecções no aparelho urinário e a perda de peso; porém, os que assumiram a responsabilidade de cuidar deles nunca associaram isso à morte violenta de sua mãe. Elsa Arenales, que dirigiu a investigação, denomina esse fenômeno de padecimento pós-traumático causado pela perda do ser com quem mais se identificavam.
Na Guatemala, a violência de gênero identifica o marido, o ex-marido, o companheiro como principal verdugo; aparecem também membros de gangues, segundo relatórios elaborados pela unidade de feminicídios do Ministerio de Governación.
Somente em 2009 foram recebidas ao redor de 40.000 denúncias de violência intrafamiliar, informou Zenaida Escobedo, da Unidade de Gênero do Organismo Judicial.
"É um relatório comovedor e o Estado deve assumir a responsabilidade de atender a essas crianças, principalmente àquelas que ficaram em mãos dos verdugos das mulheres; isto é, seus esposos ou ex-companheiros", comentou a Embaixadora da Espanha na Guatemala, Carmen Diez.
O mais grave é que, desde 2007, o número de mulheres assassinadas se mantém constante (700 em média, anualmente), tendo sido mortas a tiro, estranguladas, esquartejadas ou asfixiadas.
Os órfãos do feminicídio engrossam a lista de pelo menos umas 2.000l crianças que, segundo Norma Cruz, ficaram sem mãe como consequência do feminicídio que tem levado à tumba pelo menos a 3.500 guatemaltecas entre 2000 e 2007. Essas vítimas colaterais, em alguns casos, ficaram em mãos das avós, dos tios, ou de amigos da vítima.
Elsa Arenales, da USAC, mostra preocupação acerca de que, em muitos casos, o diagnóstico demonstra que a família foge com as crianças ou as repartem, como se fossem coisas.
Arenales destaca que as crianças não ficaram com seus pais porque muitos deles não tinham pais ou os irmãos eram filhos de diferentes pais que haviam abandonado a mãe e, inclusive, foram autores do feminicídio.
Em muitos casos, "os direitos a viver sem ser mal tratados fisicamente, a frequentar uma escola ou ser protegidos de abusos sexuais são violentados", destaca Iván Yerovi, representante adjunto do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Yerovi sustenta que "ninguém atacou de entrada o problema e a realidade é grave porque depois de tanto sofrimento as crianças passam a incorporar-se em uma vida de delinquência organizada ou em gangues (‘maras’, como são conhecidas na Guatemala)
"A vulnerabilidade está à flor da pele, já que algumas vítimas colaterais têm mais de 15 anos de idade e nenhum concluiu os estudos no ensino fundamental", comenta Mirna Bojórquez, diretora da Escola de Serviço Social da USAC. Crianças que não conseguem dormir à noite; choram de repente ou começam a carregar uma arma de brinquedo em sua mochila para vingar a morte de sua mãe: essa é a infância que os investigadores da USAC encontraram.
Tampouco se identificam com a família que os adotou após a tragédia e, o pior é que algumas crianças não receberam tratamento psicológico após o falecimento de sua mãe, que, em alguns casos, viram morrer em mãos de seu pai.
As guatemaltecas, que constituem 52% dos 14 milhões de habitantes, sofrem violência intrafamiliar entre os 20 e os 39 anos de idade, afirma Yolanda Sandoval, da Promotoria da Mulher, do Ministério Público (MP).
A promotora do MP de Delitos contra a vida, Blanca Lily Cojulún, não sabe como ficaram as crianças após perder sua mãe porque essa não é uma situação d
e competência dessa entidade.
O governo do presidente Álvaro Colom, no entanto, iniciará um projeto para oferecer tratamento psicológico, ajuda social e segurança. E também busca criar uma estratégia de atenção imediata parta atender as crianças que perdem suas mães de forma violenta.