Ana Elisa Santana – Correio Braziliense
Sociedade se revolta contra decisão que muda análise da legislação e abre brecha para que casos sejam extintos
A Lei Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, pode passar a ser ignorada no julgamento desse tipo de agressão em casos específicos. Processos poderão ser suspensos condicionalmente, por um período de dois a quatro anos, de acordo com o comportamento do réu e a possibilidade de reparação dos danos causados à vítima, segundo decisão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A determinação do STJ altera o entendimento anterior, que proibia a suspensão dos processos, e abre brecha, ainda, para que os casos sejam extintos após o período, caso o agressor não cometa novas faltas. A Corte entendeu que a Lei Maria da Penha é compatível com a Lei de Juizados Especiais, que permite a suspensão de pena quando a condenação for inferior a um ano. O desembargador Celso Limongi, relator do caso que levou à decisão, afirmou em seu voto que a medida tem caráter pedagógico para o acusado, pois o processo volta a correr caso o autor reincinda o crime. Segundo o STJ, não há afastamento ou diminuição das formas de proteção às mulheres previstas na lei específica para esses casos.
O tratamento de agressões às mulheres como delitos simples pode levar à banalização da Lei Maria da Penha, segundo a presidente da Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF), Maria Cláudia Azevedo de Araújo. Para Maria Cláudia, a decisão do STJ é um retrocesso e pode dar margem a problemas existentes antes de sua homologação, em 2006. “Antes, o Ministério Público podia oferecer um acordo ao agressor para que ele não fosse processado, o julgamento dependia da existência de denúncia, a mulher ficava constrangida e a maioria dos processos acabava arquivada”, lembra.
Para Maria Cláudia, questões que envolvem a mulher são mais complexas e exigem atenção diferenciada àquela dada a brigas de trânsito ou de vizinhos, por exemplo. “Não está se considerando a complexidade da lesão causada à integridade física e psicológica e à dignidade das mulheres”, lamenta a advogada.
A farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que inspirou o nome da lei por ter sido agredida pelo marido durante seis anos, recebeu com revolta a notícia da decisão do STJ. “Essa posição reflete a cultura machista da sociedade e abre precedentes para que os homens pensem que vão ficar impunes”, afirmou ao Correio, na tarde de ontem.
Segundo Maria da Penha, a lei, que completa cinco anos em setembro próximo, enfim começava a mudar a cultura dos brasileiros. Dados do Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) sobre igualdade de gênero 2010 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que 91% da população é a favor, nos casos em que a mulher sofre agressão de seu companheiro, de que haja investigação do crime, mesmo que ela não apresente ou que retire a queixa. Os números mostram ainda que 78,6% dos entrevistados consideram que a lei pode evitar ou diminuir a violência contra as mulheres. “O fato de as pessoas serem presas em flagrante faz com que outros homens daquela comunidade não agridam suas mulheres”, argumentou Maria da Penha.