VALOR ECONÔMICO -SP
O universo que a noção de direitos humanos abrange é amplo e segue incorporando novas áreas. Quando Thomas Jefferson esboçou o texto da Declaração de Independência dos EUA, em 1776, todo homem teria direito “à vida, à liberdade e à busca da felicidade”. Tanto esse texto quanto a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, publicada pelos revolucionários franceses de 1789, incorporavam um detalhe inovador: o postulado de que todos os homens nascem e são iguais perante a lei. O texto francês afirma que “o princípio de toda soberania reside essencialmente na nação; qualquer corpo, qualquer indivíduo, só pode exercer autoridade que dela emane expressamente”. Pela primeira vez, os privilégios sociais e de sangue eram explicitamente afastados da lei.
As duas redações buscavam inspiração no espírito iluminista. Immanuel Kant, filósofo alemão, escreveu em “Resposta à Pergunta: o Que É o Iluminismo?” (1784) que aquele era o momento em que a humanidade saía da infância e se tornava capaz de pensar por si mesma, livre de qualquer tutela. As declarações americana e francesa, avançando do campo do pensamento para o da lei e da ação, abriram a brecha para que se exigisse a igualdade não apenas de direito, mas de fato. Em outras palavras, o conjunto da população pôde ambicionar, a partir daí, o acesso à esfera política e aos benefícios da civilização.
O período entre a Revolução Francesa e a Segunda Guerra Mundial assistiu a diversas violações da igualdade. A “Declaração Universal dos Direitos do Homem” na ONU, de 1948, cita “o desconhecimento e o desprezo dos direitos do homem” como culpados pelos “atos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade” – referência principalmente às atrocidades dos Exércitos alemão e japonês, respectivamente na Europa e na Ásia, na primeira metade do último século.
Nesse espírito, a declaração define vários direitos: à vida, à liberdade, à segurança, a não ser escravizado, a não ser torturado, à personalidade jurídica, à proteção da lei, à privacidade, ao asilo político, à nacionalidade, ao casamento consentido, à propriedade, à liberdade de pensamento, consciência, religião, opinião, expressão e reunião, à participação política, ao trabalho remunerado, à participação sindical, à educação, à cultura.
Em 1966, assinaram-se o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, especificando a declaração de 1948. A união dos documentos é a “Carta Internacional de Direitos Humanos”. A declaração de Jefferson completava 190 anos quando enfim se estabeleceu o panorama dos direitos, com medidas de implantação e agências especificamente dedicadas à sua promoção e fiscalização ao redor do mundo – como a Unesco, a Unicef e o Alto Comissariado para os Direitos Humanos, hoje sob a responsabilidade da sul-africana Navanethem Pillay.
Na Cúpula do Milênio, realizada em 2000, os países membros da ONU assinaram um acordo pelo qual se comprometeram a cumprir oito metas no campo dos direitos humanos. As chamadas Metas do Milênio são: erradicar a miséria e a fome; universalizar a educação primária; promover a igualdade de gêneros; reduzir em dois terços a mortalidade infantil; reduzir em três quartos a mortalidade das parturientes; controlar e reverter a disseminação de doenças como a Aids e a malária; garantir a sustentabilidade ambiental; estabelecer uma parceria global pelo desenvolvimento. O governo brasileiro se vangloria de o país se encaminhar para cumprir as metas, sobretudo a redução da miséria. O relatório de acompanhamento no país de 2010, publicado pelo Ipea, é apresentado por um texto assinado pelo então presidente Lula, no qual se lê que “o aparelho público nacional deixou de ser uma correia de transmissão da desigualdade para se tornar um instrumento afirmativo de direitos, um retificador de injustiças que nenhum automatismo de mercado corrigiria por nós”.
Novas expansões do conceito de direitos humanos continuam em discussão. Na pauta, figuram direitos dos animais e da natureza como um todo. Como sublinha Iara Pietricovsky, os desastres naturais deste início de século sugerem que talvez seja a hora de considerar a natureza como um ente de direito, no mesmo plano dos seres humanos. (DV)