Por Maria Laura Neves – revista Marie Claire
Assim como a paranaense Eliza Samudio, ex-amante do goleiro Bruno, que está desaparecida desde junho, muitas meninas levam o rótulo de marias-chuteiras. Elas se envolvem com jogadores de futebol em busca de fama e ascensão social. Para seduzi-los, vão aos pagodes aos domingos, às danceterias da moda, aos treinos e aos estádios em dias de jogo. Usam roupas justas e decotes cavados e submetem-se a orgias regadas a drogas
As meninas chegavam ao salão de festas em pequenos grupos de quatro ou cinco — a maioria tinha cabelos loiros e quase todas, lisos. As luzes frias evidenciavam a maquiagem carregada. Elas exibiam decotes vultosos, vestiam saias justas e calças apertadas. Sentavam-se entre amigas, jamais com desconhecidas. O aniversariante, jogador do Corinthians, recebia as convidadas com beijinhos para depois acomodá-las ao redor de mesas de plástico cobertas por toalhas xadrez vermelho — o menu era pizza. Minutos mais tarde, ele passeava sorridente por elas com um copo de uísque Blue Label na mão. Elas bebiam caipirinha. O aniversariante comemorava os 21 anos naquela noite. Os convidados (colegas de time, técnicos, políticos e empresários) comentavam entre si à medida que as meninas entravam no salão. “Olha para isso”, disse um empresário ao apontar duas moças com vestidos que terminavam logo abaixo do bumbum e com os seios saltando do decote. “Tudo maria-chuteira.” Duas horas mais tarde, dançavam música eletrônica em uma pista anexa ao salão. As meninas eram maioria. Numa contagem informal, havia cerca de duas mulheres para cada homem. “Essa festa aqui é só a preparação. A sacanagem mesmo começa mais tarde”, disse o empresário.
A promiscuidade do submundo do futebol e o rótulo pejorativo das marias-chuteiras voltaram à mídia recentemente com o caso Eliza Samudio, a jovem paranaense que desapareceu em junho passado e dizia ter tido um filho do ex-goleiro do Flamengo, Bruno Fernandes. Eliza era frequentadora de baladas de jogadores de futebol e conhecida no meio por supostos romances com vários deles. Segundo o jornal carioca Extra, Eliza exibiu fotos na companhia de boleiros e confirmou os casos. “Ela vivia no vestiário do time do São Paulo, no Morumbi, depois dos jogos. Era convidada pelos próprios jogadores, todo mundo sabe disso”, diz um membro da equipe técnica do time paulista que prefere não ser identificado. Eliza refutava o rótulo. “Se a mulher vai atrás do jogador, até concordo. Mas se o cara é que ‘vem’ atrás, fica te ligando porque sabe que você já saiu com vários, é complicado, né?”, disse ela ao jornal carioca. Bruno seria o mandante do suposto assassinato dela. Segundo o depoimento de um adolescente envolvido no crime, Eliza teria sido asfixiada e esquartejada — o rapaz, no entanto, mudou a versão da história recentemente, alegando tê-la inventado por estar sofrendo com a abstinência de drogas, e disse não ter visto nada.
Existem basicamente três estereótipos de mulheres que circulam pelo universo dos boleiros, segundo Lara Stahlberg, pequisadora da Universidade Federal de São Carlos que está terminando uma tese de mestrado sobre a relação das mulheres com o futebol. O primeiro deles é o da mulher macho, que joga, se veste e se comporta como homem. O segundo é o das torcedoras de modinha, que não acompanham o clube, mas de vez em quando vão assistir aos jogos, principalmente em final de campeonato. O terceiro é o das marias-chuteiras — as mulheres que vestem saias curtas e decotes nos estádios e estão em busca de um encontro amoroso ou sexual. E entre as marias-chuteiras existem dois subgrupos. As que miram nos torcedores e as que miram nos jogadores. Ainda entre as que miram nos jogadores há duas divisões. “As meninas do alambrado, que se reúnem em clubes, pedem autógrafos e choram quando encontram com os ídolos; e as meninas da balada, que buscam ascender socialmente por meio do sexo com eles”, diz Lara.
As meninas da balada costumam ter o mesmo visual. São loiras, corpulentas, bronzeadas e usam roupas que valorizam suas formas. Os seios estão sempre apertados em decotes provocativos. Aproximam-se dos jogadores de várias maneiras. Buscam as páginas deles em sites de relacionamentos, frequentam os centros de treinamento dos clubes, onde deixam os telefones em bilhetes com os porteiros e até esperam por eles nas calçadas. Baseadas em notícias e pesquisas na internet, entram em contato com os assessores e empresários. Mas o principal e mais eficiente caminho para agarrar um boleiro é frequentar as mesmas baladas que ele. Domingos, segundas e terças-feiras são os dias prediletos dos jogadores para sair à noite. Os dirigentes de um grande clube paulistano em péssima fase, insatisfeitos com o rendimento dos seus atletas, contrataram uma empresa para investigar se os jogadores estavam caindo na gandaia em dias de concentração. Entre as baladas visitadas pelos detetives estavam pagodes, como o Carioca Clube, na Zona Oeste de São Paulo; boates caras, como o clube Royal, no centro, onde o camarote pode custar R$ 2 mil em uma noite; além de casas frequentadas por garotas de programa de luxo também na Zona Oeste.
Foi nos pagodes que a cantora paranaense Andrea do Vale conheceu os jogadores. “Saí com três. Adoro o tipo físico deles”, diz. Loira platinada, sorridente e pneuzinho saliente, ela também tem o tipo físico que eles gostam: 113 centímetros de quadril. “O primeiro foi o Jardel [ex-Grêmio]. Ficamos um mês juntos quando ele jogava na Argentina. Ele não me deixou faltar nada. Salão de beleza, roupas, nada. Mas acabamos virando amigos de verdade. Conheci os amigos dele, jogadores de outros times. Virei da turma. Eles começaram a me ligar sempre que tinha um aniversário, um churrasco.”
Hoje, Andrea faz parte de um grupo de dance music. Diz tirar, em média, R$ 14 mil por mês. Mora em um pequeno flat e tem seu próprio carro. Planeja montar uma loja de bijuterias em Guarapuava, no interior do Paraná, sua cidade natal, em sociedade com a irmã. Simpática e sorridente, ela tem uma história de vida difícil. O pai foi assassinado por causa de uma briga quando ela tinha 13 anos. Ela e os três irmãos foram criados pela mãe. “Foi um período difícil, a gente passou dificuldades. Nesse momento eu me foquei nas aulas de teatro, quando criei gosto pelo meio artístico.” Aos 18 anos, deixou Guarapuava para tentar a vida em Curitiba. Trabalhou como locutora em um bingo. Em 2001, mudou-se para São Paulo, onde fez participações em programas de TV.
Para um ex-dono de uma boate frequentada por jogadores de futebol e advogado influente no meio, o perfil de mulheres que se envolvem sistematicamente com boleiros mudou nos últimos anos. “Até o final da década de 90, elas queriam engravidar para conseguir uma boa pensão que as garantisse para o resto da vida”, diz. “Hoje, mais do que ter um filho, elas querem se promover saindo ao lado deles nas fotos de revista.”
São modelos, atrizes, funkeiras que ainda não despontaram na mídia e veem nos boleiros a possibilidade de um caminho curto para o estrelato. “Numa época em que a mídia é instantânea, relacionar-se com um astro do futebol dá muito mais visibilidade do que no passado”, diz o sociólogo Ronaldo Helal, do Núcleo de Sociologia do Futebol, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Vivi Love é uma loira platinada de 24 anos, olhos verdes e um corpo exuberante. Funkeira, ela prefere não divulgar sua verdadeira identidade. O sobrenome fantasia é herança não autorizada do jogador Vagner Love (Flamengo), com quem diz ter tido um caso de dois meses em 2004. “Nós não chegamos a namorar. Não me apaixonei”, diz ela, uma jovem de poucas palavras. “Depois disso, não nos falamos mais. Acho que ele ficou meio bravo por causa dessa história do nome.” Vivi nasceu no bairro do Capão Redondo, na Zona Sul de São Paulo, e foi criada pela avó, evangélica. “Minha mãe me teve nova, com 20 anos. Vi meu pai apenas três vezes. Ele é alcoólatra, instável e violento. Minha avó me mantinha longe dele para me proteger.” Ela diz ter-se relacionado com cinco jogadores. “Desde criança gosto de cantar e dançar. Aprendi a tocar piano com 8 anos. Já fui dançarina de axé e comecei a frequentar as mesmas baladas que os jogadores. Depois, quando virei funkeira, eles começaram a me chamar para fazer shows em festas particulares.”
Ela cobra R$ 2 mil por entrada no palco. “Canto, danço e só. Meu coração é evangélico”, diz. Vivi mora em um flat no centro de São Paulo. Afirma que sai à noite todos os dias. “Se não estou trabalhando, vou para barzinhos.” Só acorda depois das duas da tarde, vai malhar na academia, organiza a agenda e o repertório dos shows. Em meses bons, quando faz turnês pelo país, diz tirar até R$ 10 mil. Dona de um semblante sério e intimidador, Vivi usa poucas palavras e dá poucos sorrisos. Sonha alto. “Não nasci para trabalhar o mês todo e ganhar R$ 500.” Largou a faculdade de educação física por causa das viagens. E o que espera para os próximos cinco anos? “Quero ter minha casa, um carro legal, ter terminado a faculdade e entrar em um negócio bacana, ter uma academia. É, é isso aí.”
As festas particulares em que Vivi se apresentou em geral acontecem em sítios e chácaras e podem durar dois dias. Costumam ser chamadas também de orgias. “Todo mundo fica muito louco. Bebe, fuma maconha, cheira carreiras enormes de cocaína enquanto faz sexo. Eu nunca transei, mas já vi”, afirma. Celulares e máquinas fotográficas são proibidos nesses ambientes. Em São Paulo, as mesmas festas acontecem em hotéis de luxo na região dos Jardins e contam com a presença de garotas de programa. “Os assessores e agentes me pedem uma menina para cada homem. Quando é confraternização, quando o time ganha, eles pedem mais”, diz uma cafetina que não quer ter sua identidade revelada. As garotas costumam cobrar R$ 2 mil por programa que dura de três a cinco horas. “Atendo até dez pedidos de jogadores de futebol por mês. São os clientes que me dão mais trabalho. Aprontam nos quartos dos hotéis, são agressivos com as meninas e as reservas estão sempre em nossos nomes”, afirma. “No meu negócio, o cliente tem sempre razão. Fico no meio de um fogo cruzado.” Segundo ela, a maioria prefere loiras corpulentas com cara de menina e raramente pedem uma negra.
Garotas de programa e marias-chuteiras dizem que os jogadores de futebol preferem transar sem camisinha. Teria sido em uma noite como essas que Eliza Samudio teria engravidado do goleiro Bruno. “As meninas falam pra quem quiser ouvir que vão tentar engravidar. Todo mundo está tão doido que nem dá bola pro que elas estão falando”, diz Vivi Love. É aí que surge uma indústria do aborto. “Quando as meninas conseguem, aceitam um bom montante para abortar”, afirma a cafetina. Circula no meio a história de que uma modelo famosa recebeu R$ 200 mil de um jogador do São Paulo para interromper a gravidez. A atriz gaúcha Adriana Vailatti, mais conhecida como Pamela Butt, se relacionou com vários jogadores de futebol (ganhou destaque nos jornais quando um vídeo que a mostrava transando com o jogador Vagner Love vazou na internet) e diz que já ouviu muitas mulheres planejando engravidar deles. “Eles são bem mais espertos do que elas”, afirma. “Como os jogadores são registrados com salários baixos porque ganham mais dinheiro com publicidade, elas acabam levando uma pensão pequena”, diz.
Adriana, na pele de Pamela, é estrela de filmes pornô. Participou de um deles com Eliza. Casou-se aos 19 anos com um jogador do Rio Grande do Sul. “A vida de mulher de jogador é muito solitária. Ele vivia na farra. Na verdade, nos casamos porque os clubes não gostam de jogadores indisciplinados e por isso eles acabam casando cedo. É bom para a carreira deles. Mas era uma união de fachada, que me levou à depressão. Morei na Arábia Saudita para acompanhá-lo. Ficava muito sozinha e mal podia sair de casa. Quando recuperei minhas forças, pedi a separação.” Adriana mudou-se para São Paulo a fim de tentar a vida como atriz. Vive em um pequeno flat em Pinheiros, na Zona Oeste da cidade. No primeiro andar, uma cozinha americana tomada pelo cheiro da cigarrilha que ela fuma, um banheiro e o quarto, cheio de bichos de pelúcia e tons de cor de rosa na decoração. No andar de cima, uma sala para receber visitas. “Em São Paulo, comecei a frequentar as melhores baladas, como a Pink Elephant. No episódio com o Vagner, nos conhecemos na noite, fomos para o motel fazer uma outra festa: eu, ele e dois amigos. Até que um deles apareceu gravando a gente com um celular. Quando vazou, meus filhos ficaram sabendo, eu fiquei desesperada. Uma coisa é o que eu faço profissionalmente, a outra é minha vida pessoal.” Adriana explica por que tem preferência por jogadores. “Eles são cheirosos, vaidosos, másculos. São figuras públicas, conhecidas e isso atrai as mulheres. E, quando eles te escolhem no meio de tantas, você se sente superpoderosa. Você se acha o máximo”, diz a loira, cabelos alisados.
A mulher de um ex-jogador, que prefere não ter sua identidade revelada, diz que boa parte do fascínio que eles exercem se deve ao fato de terem acesso a círculos privilegiados. “Quando se está do lado de um famoso, as portas se abrem para você também. As pessoas te tratam melhor, são sorridentes e resolvem os seus problemas”, diz. Não são apenas as mulheres que se encantam com isso. Hoje, os jogadores mantêm uma espécie de corte de funcionários em seu entorno — na grande maioria composta por homens — sustentados por eles. São primos, amigos de infância, amigos dos amigos e conhecidos de todas as espécies que inf
lam o staff pessoal do astro. “Vi muitos empresários, assessores e agentes sorrirem para os jogadores na frente deles quando estão no auge. Mas, quando entravam em uma fase ruim, ganhando pouco dinheiro, os amigos ou sumiam ou falavam mal deles pelas costas”, diz a dançarina Andrea.