Letícia Sorg – revista Época
A eleição de Dilma Rousseff pode incentivar mais mulheres a seguir a carreira política. Mas o caminho do poder ainda é muito mais difícil para elas
Lorena Mendes Resende, uma estudante de 13 anos, ficou surpresa ao saber que Dilma Rousseff será a primeira mulher a assumir a Presidência na história do país. “Achei que já tivéssemos tido outra presidenta no passado”, diz Lorena, que cursa o 7º ano do ensino fundamental no Centro de Educação Nery Lacerda, em Sobradinho, cidade-satélite de Brasília. Lorena também não notou que apenas uma em cada dez congressistas brasileiros é mulher quando, no dia 22 de outubro, esteve na Câmara dos Deputados para apresentar seu projeto de lei. Escolhidas pelo Plenarinho – uma iniciativa da Câmara para estimular a participação política de crianças -, Lorena e outras três estudantes brasileiras apresentaram propostas para um plenário ocupado por crianças de ambos os sexos. A sessão foi presidida por uma garota.
Lorena representa uma nova geração, para quem não haverá mais nada de extraordinário em uma mulher presidente. E talvez Dilma sirva de modelo para ela e outras meninas. Lorena já mostra um interesse acima da média pela política. Foi eleita representante de classe pelos colegas e recebeu o maior número de votos entre os 15 candidatos, pelo Partido Político Mirim dos Alunos (PPMA), em uma eleição simulada na escola. O projeto de Lorena no Plenarinho foi aprovado pelos deputados mirins e está à espera de um padrinho para levá-lo à Câmara “adulta”. Nele, a estudante pedia a instalação de assentos especiais para garantir a segurança das crianças no transporte público. Ela notou o problema ao andar de ônibus com sua mãe e a irmã, que tem 4 anos. “Agora, tudo o que vejo de errado me faz pensar em criar um projeto de lei”, afirma Lorena.
“Com a eleição de uma mulher, as garotas passam a considerar a política como uma opção viável de carreira”, diz Mark P. Jones, professor do Departamento de Ciência Política da Rice University, em Houston, no Texas. “No Chile, a eleição de Michelle Bachelet (leia a entrevista com a ex-presidente) teve um forte efeito sobre como as mulheres, particularmente as mais jovens, viam a política e participavam dela. Podemos ver algo parecido acontecer no Brasil”, afirma Jones, coautor do livro Women in executive power: a global overview (Mulheres no poder executivo: uma visão global) , que será lançado no início do ano que vem.
Pelo menos na base do caminho para a política, a escola, meninos e meninas começam em igualdade de condições. “O sistema educacional hoje é igualitário”, diz Ilene Lang, da Catalyst, organização sem fins lucrativos que incentiva a participação de mulheres no mercado de trabalho em vários lugares do mundo. “As mulheres só começam a ver as barreiras a seu crescimento depois de alguns anos de carreira.” É o que os especialistas chamam de “teto de vidro” – as barreiras invisíveis que impedem o avanço na carreira. A vitória de Dilma ajuda a abrir um buraco nesse teto – na cabeça das mulheres e também dos homens. “É um avanço importante para que eles vejam as mulheres como iguais”, afirma Karen Kampwirth, autora do livro Gender and populism in Latin America: passionate politics (Gênero e populismo na América Latina: política passional) e professora de ciências políticas do Knox College, em Illinois.
Certa vez, uma deputada teve uma crise epilética no plenário. “É um chilique!”, disse um colega homem
Hoje, as mulheres representam quase metade da população economicamente ativa do país e são maioria nas universidades. Mas ainda ganham, em média, 40% menos do que os homens, segundo dados do Fórum Econômico Mundial, e são minoria no topo da hierarquia corporativa: de 61 empresas que compõem o índice da Bolsa de Valores de São Paulo, apenas uma é dirigida por mulher, por exemplo.
Para que mais mulheres possam, como Dilma, pleitear a Presidência do país é preciso haver mais mulheres em ministérios, nos governos estaduais e na liderança do Congresso – e, antes disso, mais deputadas, senadoras e, claro, candidatas a esses postos. Segundo o índice de desigualdade de gênero do Fórum Econômico Mundial, o principal problema para as mulheres do Brasil é justamente a representação política. Considerando outros aspectos, além da política – como acesso à saúde, à educação e à igualdade salarial -, o Brasil está na 85ª posição entre 134 países. Olhando apenas para o número de mulheres no Congresso, o país cai para o 108º lugar no ranking.
Alguns números melhoraram – em 2006, 13% dos candidatos à Câmara eram mulheres; em 2010, 22% -, mas a participação continua baixa: cerca de 10% nas duas Casas. O número é ainda mais baixo considerando que desde 1997 vigora, no país, uma lei que prevê que pelo menos 30% das candidaturas à Câmara sejam de mulheres. Na última eleição, as legendas também não reservaram 10% de seu tempo de horário eleitoral gratuito para candidatas, como prevê a legislação. “Os partidos políticos ainda resistem a uma nova e necessária divisão do poder”, afirma Lourdes Bandeira, professora de sociologia da Universidade de Brasília e subsecretária de Política para as Mulheres do Paraná. “Mesmo quando se elegem, as mulheres geralmente são marginalizadas em comissões de menos prestígio”, diz Leslie Schwindt-Bayer, professora do Departamento de Ciências Políticas da Universidade de Missouri e autora do recém-lançado Political power and women’s representation in Latin America (Poder político e representação feminina na América Latina, Oxford University Press).
A deputada Iriny Lopes (PT-ES), uma das 45 mulheres entre os 513 deputados da próxima legislatura, diz que é mais difícil para as mulheres fazer campanha porque as empresas costumam doar menos dinheiro para candidaturas femininas. Outra dificuldade é lidar com o ambiente predominantemente masculino do Congresso. “Certa vez, uma colega parlamentar teve uma crise epilética no plenário. Ouvi um deputado dizer: ‘É um chilique!’.” A presença de uma mulher era tão incomum na política que, quando a senadora Serys Slhessarenko (PT) elegeu-se deputada estadual, em 1990, o prédio da Assembleia Legislativa de Mato Grosso não tinha nem banheiro feminino.
No outro extremo, alguns políticos tratam seus pares do sexo feminino como seres frágeis. Foi com uma rosa vermelha que o presidente Lula presenteou Dilma Rousseff após uma entrevista da candidata ao Jornal Nacional. “Eu esperava, pelo fato de você ser mulher e candidata, que o entrevistador tivesse um pouco mais de gentileza”, afirmou Lula em um comício em Belo Horizonte. Talvez Dilma não esperasse nem quisesse um tratamento diferente do dispensado aos outros candidatos. No Plenarinho de crianças na Câmara, uma menina de 10 anos, Bárbara Gabriele Hermógenes Castanho, ocupou a Mesa Diretora da Câmara – posto a que nenhuma mulher chegou entre os adultos. Ela não pensa em ser política quando crescer. “Quero ser atriz.” Mas, se ela mudar de ideia, como disse Dilma Rousseff em seu discurso da vitória: sim, as mulheres podem.
Os obstáculos
Cinco barreiras que dificultam a ascensão das mulheres na política
1 – Há poucos modelos de mulheres bem-sucedidas
“Se as mulheres não veem outras ocuparem posições de poder, têm menos probabilidade do que os homens de considerar seguir a carreira na política”, diz Karen Kampwirth, professora de ciência política do Knox College, em Illinois. Daí a importância simbólica da vitória de Dilma Rousseff
2 – Mulheres no poder são muito fortes ou muito fracas
Se uma mulher chora, é fraca; se é firme, é mandona. Para Ilene Lang, presidente da organização feminista Catalyst, exige-se das mulheres um comportamento ideal que não é cobrado dos homens. “Ou elas são muito fracas ou muito duronas. Parece que nunca est] ]>