Como explicar o transfeminismo?

Texto de Jaqueline Gomes de Jesus, em Blogueiras Feministas

Em setembro próximo estarei em uma mesa redonda e em um simpósio temático inéditos, durante o Seminário Internacional Fazendo Gênero, que em sua décima edição traz como tema os desafios atuais dos feminismos, abordagem renovadora nesse evento tradicional, simplesmente por reconhecer a pluralidade do feminismo.

Inserido em tal espírito, o mote da mesa e do simpósio dos quais participarei é a novíssima vertente transfeminista.

fazendo gênero

Inicialmente, foi estimulante a notícia da aprovação da proposta do simpósio temático, sob o título “Feminismo Transgênero ou Transfeminismo”, tanto que mobilizou muitos a apresentarem trabalhos. Posteriormente, vivi uma grata surpresa com o convite para integrar a mesa redonda “Transfeminismos no Brasil”.

Confesso que, à primeira vista, causou-me estranheza o plural, entretanto o entendo como adequado, e devo apresentar essa visão na referida mesa, a partir do momento em que há diferentes formas de aplicação do pensamento transfeminista, como sabemos nós, as/os transfeministas, e aqueles que têm observado nossos colóquios apaixonados com seriedade ou, às vezes, lamentavelmente, tão somente como bisbilhoteiros que se divertem propagando nossas conversas de maneira superficial e distorcida.

Posto isso, fica claro que esses dois encontros presenciais não se restringirão a pessoas que há algum tempo se envolvem no debate, desenvolvido principalmente por meio da internet, nas redes sociais e nos blogs. Mudando o público, deve-se adequar o discurso. Em Florianópolis meu foco será o de dizer, do meu ponto de vista o que é o transfeminismo, ou “os transfeminismos”.

Tudo muito instigante, porém essas oportunidades para abordar a temática em tão grande evento me impuseram uma questão prática: o que é o transfeminismo me é suficientemente entendível, mas como explicar o transfeminismo para um amplo e variado público de feministas experientes e diletantes, além de estudiosas/os de gênero e sexualidades, o qual, provavelmente, nunca teve um contato com semelhante discussão?

Estou certa de que as pessoas estarão lá, curiosas ante a esse título entre tantos outros igualmente interessantes. O prefixo “trans”, em particular, pode sugerir muitas e diferentes coisas para o(a) leitor(a), todas além do comezinho. Isso geralmente causa estranhamento, e por isso mesmo atrai.

No simpósio temático, em consequência de sua proposição, haverá um encontro de pessoas que pensam sobre a diversidade humana a partir do olhar transfeminista, compondo uma polifonia de temas, não necessariamente se restringindo às vivências trans. Creio que a discussão será mais fluida do que na mesa redonda, na qual a fala das palestrantes é, como sempre, extremamente empoderada, trazendo como ônus o recato ou até mesmo a animosidade de elementos da plateia.

Se para o simpósio preparei um artigo de acordo com os padrões do seminário, com a finalidade de apresentar uma análise sistemática acerca dos elementos que compõe o pensamento transfeminista, o que no momento da exposição não trará maiores complicações, já para a mesa refleti longamente, e decidi apresentar algo fora das normas, um texto incomum: em síntese, uma lista de aforismos sobre os quais erguer o transfeminismo.

Aforismo: definição concisa, próxima do provérbio, que se coloca entre o discurso filosófico e o literário que tem por finalidade apresentar uma determinada percepção. Por que fazer uso de aforismos?

Conforme orientação das organizadoras do evento, o texto de cada componente da mesa “servirá de suporte a ser exibido em tela para que as/os participantes possam acompanhar a fala, favorecendo assim a compreensão de todas/os, principalmente das/os estrangeiras/os e também das/os deficientes auditivos”. Em outros termos, o texto bruto, em tese, será acessível a todas(os).

Tenho feito palestras para diferentes públicos, e o que sinto que há em comum entre alguns de seus integrantes é a tendência – perniciosa para a criatividade do intelecto – de gostar excessivamente (1) das orações bem mastigadas, onde cada elemento se liga a outro, obedientemente, na lógica sujeito-predicado; (2) das frases de efeito ou temas populares para aqueles para os quais se discursa; e (3) dos relatos floreados, em que uma experiência de vida é recontada com fins didáticos, gerando alegria ou comoção, um excelente apelo ao afeto de quem assiste.

Nada contra o apelo a esses recursos, no entanto, como estou preocupada com a forma superficial como o transfeminismo tem sido citado – senão acusado – em fóruns compostos indistintamente por pessoas trans e cisgênero, resolvi tornar difíceis as coisas, estimulando as(os) ouvintes a pensarem, a refletirem, a cada frase, sobre o que foi dito/escrito.

Está tudo escrito, uma série de afirmações e questionamentos relacionados ao transfeminismo e o mundo no qual ele se coloca. O meu dilema, que parecerá simples para alguns, é: devo simplesmente lê-los ou explicitar a minha perspectiva sobre eles (não caberiam aí “explicações” porque esse tipo de texto pode ser interpretado de modos diversos)?

Só o que sei quanto ao como explicar o transfeminismo, no fim das contas, é que a condição sine qua non para tanto é a de estar, fundamentalmente, livre das correntes que subordinam tantos gêneros ao domínio do Sexo-Rei.

Se você não me entende agora, vá matutando, e compreenderá bastante sobre tudo o que eu escrevi aqui lá, no Fazendo Gênero.
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Jaqueline Gomes de Jesus é doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília, escreve no blog Jaqueline J.

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