Laura Carlsen *
Tradução: ADITAL
Queridas leitoras/res,
Hoje é o Dia Internacional da Eliminação da Violência Contra a Mulher. O Boletim Américas apresenta uma série de ensaios sobre a realidade em que vivemos as mulheres da América Latina (*). As lutas são múltiplas e difíceis: desde a violência contra as mulheres hondurenhas, que são parte vertebral da Resistência, até a “violência obstétrica” das leis contra o aborto no México.
Para dar um panorama, leiam abaixo o PRONUNCIAMENTO MESOAMERICANO CONTRA A VIOLÊNCIA ÀS MULHERES, das Petareras, um documento assinado por centenas de mulheres e suas organizações na região.
“As mulheres somos parte fundamental de nossa sociedade; nosso trabalho cotidiano, saberes históricos e lutas sustentam o tecido social e o transformam em formas mais livres e justas de relacionamento humano. É por isso que tornar vulnerável, através da violência, a vida, a dignidade, a segurança e a saúde das mulheres é um problema estrutural que coloca em risco o desenvolvimento e o avanço das democracias; contribui para o deterioro do tecido social e representa uma grave violação aos direitos humanos de mais da metade da população.
Em Mesoamérica, a fragilidade de nossas democracias e sistemas de justiça, a agressão ao caráter leigo que deveria imperar nos Estados e a crescente desigualdade gerada pelo modelo econômico vigente são fatores que têm aprofundado ainda mais a violência contra as mulheres.
Os governos de nossos países, estreitamente aliados com poderes fáticos, como o narcotráfico, as hierarquias religiosas e militares e os meios massivos de comunicação, utilizam a violência contra as mulheres como meio para manter um estado de medo, manipulação, impunidade, repressão e insegurança. Somente mediante a força podem ter o controle necessário para manter seus interesses.
O feminicídio, a violência sexual, o aumento na perseguição e na violência contra defensoras de direitos humanos e lutadoras sociais e a criminalização das mulheres que fizeram aborto são somente alguns exemplos dessa situação. A realidade fala por si mesma:
* Duas em cada três mulheres assassinadas na América Central morrem por razão de seu gênero. Na Costa Rica, morrem 30 mulheres por feminicídio ao ano; na Nicarágua, 67 mulheres e no Panamá, 68 foram assassinadas em 2009. Em El Salvador, somente em setembro de 2009, foram assassinadas 31 mulheres.
* A Guatemala ocupa o primeiro lugar em assassinatos contra mulheres na América Latina e o segundo lugar em ataques a defensoras de direitos humanos.
* Em Honduras, entre janeiro e outubro de 2009, 325 mulheres foram mortas de maneira violenta. Quase a metade dos feminícídios acontecidos em 2009 coincidiram com o período do golpe de Estado, que também deixou um saldo alarmante de mulheres agredidas e abusadas sexualmente no contexto de atos de repressão.
* Na Nicarágua, inúmeras feministas têm sido hostilizadas e ameaçadas, machucadas, detidas ilegalmente e difamadas publicamente no marco de uma campanha repressiva do governo.
* No México, 90% dos assassinatos de mulheres ficam impunes. Ficam também na impunidade dezenas de casos de mulheres violentadas pelo exército (em sua maioria por indígenas) e por corpos de segurança no marco de ações repressivas (como demonstram os casos de Atenco e Oaxaca).
* Na Nicarágua, no México, em El Salvador e na República Dominicana as mulheres são perseguidas, difamadas publicamente e presas por praticar o aborto (muitas delas grávidas devido a violações). Dos quatro países no continente onde o aborto terapêutico é penalizado, três estão situados na Mesoamérica. Por outro lado, 16 Estados da república mexicana reformaram suas Constituições nos últimos dois anos para, sob pretexto de proteger a vida desde a concepção, proibir o aborto e prender as mulheres que o pratiquem. Em Guanajuato, por exemplo, foram presas mais de 100 mulheres por abortar.
* Nos Estados Unidos, mais de 3 mulheres são assassinadas por seus cônjuges ou ex-cônjuges a cada dia.
* 58% das costarricenses já viveram pelo menos um incidente de violência física e sexual após completar 16 anos.
As mulheres temos sido o sujeito histórico da luta contra a violência. São as lutas feministas e das mulheres no mundo as que têm tornado visível e denunciado esse flagelo e os pactos patriarcais de impunidade e silêncio que pretendem perpetuá-lo.
No entanto, a violência é um problema de todos/as. O Estado deve cumprir com suas obrigações em matéria de direitos das mulheres e deixar de ser cúmplice e promotor da violência. Isso deve reafirmar-se na reunião extraordinária de Presidentes e Chefes de Estado na Cúpula sobre “Gênero, Integração e Desenvolvimento”, que será realizada na Costa Rica nos dias 8 e 9 de dezembro próximo.
A sociedade deve transformar toda prática de poder que subordine as mulheres e ponha suas vidas, dignidade e saúde em risco. Os movimentos sociais, sem importar o tema ou setor que representemos, devemos assumir a luta contra a violência às mulheres com um componente central de nossa agenda -pois é condição para a construção de um mundo justo e solidário- e evitar toda prática discriminatória e de violência no seio de nossas organizações.
É por isso que, no marco do lançamento regional da Campanha das Nações Unidas “Unidos para colocar fim à Violência contra as Mulheres” (novembro de 2009, na Guatemala), fazemos um chamado aos Estados, aos movimentos sociais e à cidadania em seu conjunto para assumir a urgente tarefa de erradicar toda forma de violência contra as mulheres.
Todas unidas e unidos contra a violência!
Nem uma morta mais!
Desarmemos o crime organizado contra as mulheres!
Nem golpes de Estado, nem golpes nas mulheres!
(*) Leia, em espanhol, os ensaios, clicando em http://www.ircamericas.org/esp:
Carta a la CIDH sobre la situación de los derechos de las mujeres en Honduras
Línea aborto: más información, menos riesgos – Lucía Álvarez
Género y trabajo – Fabiola Torralba
El aborto en México – Natanya Robinowitz
* Diretora do Programa das Américas para o Center for International Policy no México