Consciência negra em debate*

Em 1789, os franceses declararam os direitos universais do homem. Tínhamos, ali, um marco para a história do ocidente que acabaria por influenciar todo o mundo. A declaração dizia, em alto e bom tom, que todos nasciam iguais, que todos tinham os mesmos direitos, que todos estavam livres de crueldade. Mesmo assim, milhares de humanos e não-humanos seguiam explorados, violentados e submetidos a maus-tratos. Os negros cruzavam os mares como escravos em centenas, marcando o primeiro grande genocídio da história moderna.

 

A explicação fácil para a exploração era retórica e contraditória, mas serviu para aplacar a alma do violador, para quem os negros não faziam parte do humano dos direitos humanos. O esforço, desde sempre, foi o de ampliar a comunidade moral e o próprio sentido de sujeito de direitos e ampliá-lo de forma que diferentes singularidades – dos sujeitos vivos que vivem suas vidas – fossem abarcadas.

Ainda hoje os negros e os não-brancos recebem salários menores, trabalham mais informalmente e são mais pobres, além de serem a minoria nas universidades e sofrerem discriminação e violência por conta do tom de pele. Em regra, não são as ações dos negros, tampouco o seu caráter, que passam pelo crivo do julgamento público, mas sua melanina. Quando surgem políticas de promoção da igualdade não é a política que é questionada, mas o mérito dos negros e o fato de eles estarem, audaciosamente, em lugares que, segundo os preconceituosos, não lhes compete, como as universidades. Cotas, distribuição de renda e igualdade salarial não ofendem pela proposta, mas por promoverem o sustento de um estado democrático que é o igual reconhecimento de interesses. Algo que não se faz em discurso, mas em ações, e que tira muitos da zona de conforto.

Enquanto não encontrarmos – em igual porcentagem – negros e negras doutores em meteorologia, química, física, matemática, filosofia, medicina, as cotas seguirão como uma política necessária. Os racistas aceitam negro doutor em antropologia que estuda quilombos, mas se incomoda com o negro doutor do Supremo Tribunal Federal.

A história se faz por meio da capacidade de resistência e de mobilização. As grandes revoluções foram silenciosas. Foi assim na Índia, com Gandhi, e foi assim nos EUA quando os negros pararam de usar os ônibus públicos – e andavam quilômetros a pé – para protestar contra o apartheid. No dia 20 de novembro, se comemora o Dia da Consciência Negra, que é um chamado à reflexão sobre a sociedade como um todo. É um dia que comemora a resistência do negro à escravidão e à violência. Algo que começou com o primeiro transporte forçado de africanos para o solo brasileiro, em 1594.

Humanos têm um talento especial para discriminar e criar zonas de conforto e, principalmente, de encontrar argumentos que justifiquem suas escolhas. Foi e é assim com o racismo, com o sexismo (o machismo), com a discriminação de classe e com o especismo. Por isso, pensar a democracia e a Justiça a partir da condição dos negros é pensar nossa própria humanidade. Os não-brancos, no Brasil, são praticamente a metade da população brasileira. As mulheres, mais da metade. Ignorar a qualidade de vida desses humanos e seus interesses é fazer a manutenção de um conceito de humano que só privilegie alguns "bem-aventurados".

*Escrito por Samantha Buglione, professora de direito, bioética e do mestrado em gestão de políticas públicas da Univali. Doutora em ciências humanas

Veja as programações, artigos e notícias sobre a Semana e o Dia da Consciência Negra: www.geledes.org.br   www.criola.org.br

Leia o livro “Mulheres Negras: um Olhar sobre as Lutas Sociais
e as Políticas Públicas no Brasil”:
www.criola.org.br/livro_mulheresnegras.pdf

fonte: CFEMEA – www.cfemea.org.br

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