Eliana Graça – INESC
A transparência orçamentária é particularmente essencial se levamos em conta que o orçamento é o instrumento de política pública mais importante do governo
O Brasil é o quarto país em transparência orçamentária da América Latina. Este é o resultado de uma pesquisa realizada em doze países para medir o Índice Latino americano de Transparência Orçamentária (ILTP, na sua sigla em espanhol). Na nossa frente estão a Costa Rica, o Peru e o Panamá.
Do ponto de vista regional, os resultados da pesquisa apontam para a pouca transparência e participação no orçamento dos países analisados. Com exceção da Costa Rica, única a obter mais de 60 pontos do ILTP, os demais países ficaram abaixo desse patamar. O Brasil obteve somente 49 pontos em uma escala onde 1 é nada transparente e 100 é totalmente transparente. E a Venezuela ficou em último com 23 pontos.
A parte brasileira da pesquisa foi coordenada pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em parceria com o Fundar, organização não governamental mexicana que supervisionou o trabalho em todos os países.
De acordo com a pesquisa, no Brasil, apenas 14% dos entrevistados tiveram uma percepção positiva com relação à participação cidadã no orçamento, seguida da oportunidade das informações orçamentárias (21%) e o controle do Estado sobre os funcionários federais (23%). Essas foram as três variáveis pior avaliadas.
Em resposta à pergunta sobre qual dos três Poderes da República é mais transparente, a pesquisa no país revela que o Executivo está na frente, com 74,5% de avaliação positiva. Já o Judiciário recebeu a pior avaliação: apenas 4%. O Legislativo ficou com 11%. Esses são alguns dos itens que integram o questionário padrão que foi aplicado em todos os países.
No Brasil, este instrumento, que mede percepções, foi aplicado em 86 especialistas em orçamento ou pessoas que utilizam em seu trabalho informações a respeito. A amostra foi composta por parlamentares da Comissão Mista de Orçamento, jornalistas da mídia impressa, sindicalistas, acadêmicos e dirigentes de organizações não governamentais.
Esses resultados são insuficientes para um país que se deseja democrático. A transparência na forma de utilização dos recursos públicos pelos governos é um elemento essencial da democracia. Esta não pode ser medida somente pelo direito de votar. Há que buscar a convivência do sistema de representação com formas concretas de participação. As pessoas têm o direito de saber onde o dinheiro de seus impostos está sendo utilizado e também têm o direito de participar das decisões sobre as alocações orçamentárias dos governos.
A transparência orçamentária é particularmente essencial se levamos em conta que o orçamento é o instrumento de política pública mais importante do governo. Isto porque nele se definem, com recursos, as suas prioridades. São definidos os perdedores e os ganhadores. A retórica política deixa de ser meras palavras e se converte em realidade.
O que se verifica com relação ao processo orçamentário tem a ver com questões mais gerais da conformação histórica do país. A forma como o poder é exercido precisa ser modificada. O sistema político requer reformas estruturais que permitam superar problemas crônicos de corrupção, de clientelismo e de patrimonialismo. O sistema de representação não reflete a complexa sociedade que pretende representar e não se abre para a efetiva participação dos seus representados.
A questão da transparência orçamentária está incluída nesse contexto. Dificilmente existirá uma solução isolada para essa questão. Nesse sentido, os resultados da pesquisa apontam para a necessidade de uma reforma do sistema político brasileiro para além de uma simples reforma eleitoral e partidária. Enquanto não se avançar na discussão de quem participa da arena de decisões será difícil ter um orçamento transparente, com a necessária participação cidadã e o acesso a informações oportunas.
No caso brasileiro os desafios são colocados tanto para os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, quanto para a sociedade civil organizada comprometida com o avanço da cidadania, com o respeito aos direitos e com a democratização do Estado.
A democracia no país necessita de um choque de participação efetiva de seus cidadãos e cidadãs nas decisões sobre a repartição das verbas públicas. É urgente que se estabeleça mecanismos concretos de compartilhamento de decisões nos três poderes da república.
Eliana Graça é assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
artigo publicado no jornal BRASIL DE FATO