Iolando Lourenço – Repórter da Agência Brasil
Brasília – A Câmara dos Deputados aprovou há pouco (noite de 26/8/2009) projeto de decreto legislativo que aprova o acordo internacional entre o Brasil e o Vaticano que trata do estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil. O acordo foi assinado em 2008. O documento conta com 20 artigos, que na maior parte dos casos, consolida os procedimentos que já estão sendo aplicados, dando à Igreja Católica a segurança de que serão mantidos no futuro. A matéria segue agora ao Senado Federal para apreciação.
O acordo começa explicitando que a Constituição brasileira garante o livre direito dos cultos religiosos. O relator da matéria, deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), disse que o texto não estabelece nenhum privilégio para a Igreja Católica, “mas sim fixa normas que podem ser consideradas de interesse de todas as religiões”. Segundo ele, o acordo não está sendo firmado com uma religião, mas com um Estado, o Vaticano.
O acordo estabelece, entre outras coisas, o direito da Igreja Católica de desempenhar sua missão apostólica, observado o ordenamento jurídico brasileiro; reafirma a personalidade jurídica da Igreja Católica e de todas as instituições eclesiásticas, desde que não contrarie o sistema constitucional brasileiro; reconhece, como parte do patrimônio cultural brasileiro, o patrimônio histórico, artístico e cultural da Igreja Católica e estabelece que em observância do direito de liberdade religiosa, o Brasil afirma que respeita a importância de garantir, nas escolas, o ensino religioso católico, e de outras religiões, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do país.
“O acordo legaliza as dioceses, igrejas, os templos religiosos e os isenta de tributação. O acordo legitima a existência dos templos, permite o ensino religioso facultativo nas escolas, além de proibir os padres e pastores de criarem vínculo empregatício com as igrejas ou templos religiosos”, disse o deputado Padre José Linhares (PP-CE).
Para a votação da proposta foram quase cinco horas de debates no plenário da Câmara entre os deputados favoráveis e contrários ao acordo assinado entre o Brasil e o Vaticano. Os parlamentares não católicos protestaram ao afirmar que o acordo privilegia a Igreja Católica. Os deputados evangélicos foram os que mais criticaram a assinatura do acordo e sua aprovação pela Câmara dos Deputados.
Alguns parlamentares propuseram, inclusive, alterar o texto do acordo firmado entre o governo brasileiro e o Vaticano. Proposta rejeitada pela maioria dos deputados. Eles argumentaram que o Congresso não pode alterar um acordo firmado pelo Executivo com outro Estado.
Para permitir a votação, os líderes partidários tiveram que fechar acordo com os evangélicos no sentido de aprovar um projeto de lei do deputado George Hilton (PP-MG), que é evangélico. O projeto dispõe sobre as garantias e direitos fundamentais ao livre exercício da crença e dos cultos religiosos.
A proposta, a exemplo do acordo com o Vaticano, também regulamenta incisos da Constituição ao estabelecer mecanismos que assegurem o livre exercício religioso, a proteção aos locais de cultos e suas liturgias e a inviolabilidade de crença no país. O projeto estabelece que é livre a manifestação religiosa em logradouros públicos, entre outras coisas.
Edição: Aécio Amado
Ameaça ao Estado Laico
Além do limite (Editorial do jornal O Globo)
Assinado em 2008, o acordo pelo qual o Estado brasileiro reconhece a personalidade jurídica da Igreja Católica enfrenta uma tramitação acidentada no Congresso, onde precisa ser ratificado. Depois de aprovado na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o texto foi a plenário na terça-feira, mas a bancada evangélica impediu a votação.
O impasse está criado, pois, por se tratar de um acordo internacional, ele não pode ser emendado.
É aprovar ou rejeitar.
O Vaticano, por ser também um Estado, pode assinar tratados com qualquer país. Nada a estranhar.
Fontes eclesiásticas garantem que o acordo apenas regulamenta parâmetros legais em vigor há tempos.
Em 20 artigos, o documento, de fato, em nada inova em questões tributárias e reafirma a liberdade religiosa – um direito constitucional -, mas, ao tratar do ensino religioso, considerando-o “disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”, ameaça avançar sobre um espaço exclusivo de um Estado laico, condição adquirida pelo Brasil na primeira Constituição da República, e que deve permanecer como tal.
Se aprovado esse entendimento entre Brasília e o Vaticano, as evangélicas, todas as demais igrejas e qualquer religião podem, com razão, reivindicar um tratamento idêntico.
Nos jornais de terça, a Associação Vitória em Cristo e o Conselho de Pastores do Brasil (Cimeb) assinaram nota em que criticam o regime de urgência concedido à apreciação do projeto de decreto legislativo no qual o acordo foi convertido, para efeito de votação, e denunciam a falta de isonomia e o atropelamento do princípio da laicidade.
Numa reação em cadeia, a bancada evangélica começou a se mobilizar para apresentar o projeto da Lei Geral das Religiões, do deputado George Hilton (PP-MG), da Universal do Reino de Deus. Resume-se a uma cópia do acordo do Brasil com a Santa Sé, mas extensivo a todas as religiões. Multiplicam-se, assim, as ameaças à laicidade do Estado brasileiro.
Portanto, faz sentido que a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) também se tenha pronunciado contra os termos do entendimento, por contrariar o princípio da pluralidade do Estado. Mesmo no Ministério da Educação, há críticas, como a feita pela Coordenadoria de Ensino Fundamental, também ao ensino religioso, caminho aberto para a “discriminação dentro da escola pública”.
Parece haver motivos suficientes para o Planalto retirar o projeto legislativo de votação, a fim de rediscutilo sob o ângulo da preservação da saudável distância entre o Estado e religiões.
Exemplo de influência da Igreja nos assuntos civis
Padre intervém e Comissão rejeita união estável entre casais gays
Projeto foi alterado por deputado que é padre, e passará por 2 comissões antes de ir a plenário
Leila Suwwan – O Globo
BRASÍLIA. A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara aprovou ontem uma nova versão do projeto de lei que regulamenta a união estável. O texto exclui do reconhecimento jurídico os casais homossexuais.
A proposta ainda passará por duas outras comissões antes de ser votada em plenário e seguir para o Senado.
O projeto foi alterado pelo deputado José Linhares (PP-CE), que considera que a entidade familiar é necessariamente composta por um homem e uma mulher.
Linhares, que é padre, avalia que a polêmica continuará, mas torce para que as relações homoafetivas fiquem fora da lei.
Para ele, não há rejeição da realidade, mas a fixação de regras.
— Quem tem direitos adquiridos não irá perdê-los. Um homem que vive com seu companheiro, por exemplo, poderá continuar e será respeitado.
Mas eles ficam lá, não teriam legitimidade jurídica — disse. — Essas relações não constituem a célula natural de uma família. O ser humano depende da presença afetiva de uma mulher e um homem. O pai e a mãe são figuras basilares da nossa existência.
Não existe um pai mulher ou uma mãe homem.
Linhares removeu do texto o conceito do “divórcio de fato” (separação por mais de cinco anos). A nova proposta revoga explicitamente a lei 8.971/94, que exige a convivência de cinco anos para o reconhecimento da relação, alvo de controvérsia jurídica