Discutindo se a legislação do país vive um “conflito explícito ou convivência pacífica”, o debate acontece no dia 13 de agosto com representantes de diversos segmentos da sociedade em São Paulo
Irão compor a mesa de debatedores a Deputada Maria do Rosário (a confirmar), o Deputado Ivan Valente, a Profa. e Doutora em Filosofia, Roseli Fischmann, e Dulcelina Vasconcelos Xavier, socióloga e integrante da organização Católicas pelo Direito de Decidir. O objetivo é divulgar a proposta de Acordo entre o Brasil e a Santa Sé (Mensagem n° 134/2009), que tem de ser ratificada pelo Congresso Nacional para ganhar validade e ampliar a discussão sobre suas consequências e efeitos para o Estado Laico, tal como delineado no artigo 19 da Constituição Federal. Atualmente o acordo tramita na Câmara dos Deputados.
“Concordata é o nome que se dá aos acordos assinados pela Santa Sé, órgão máximo da Igreja Católica Apostólica Romana, com o governo de qualquer país. Devido ao caráter jurídico peculiar da Santa Sé, esses acordos têm status de tratado internacional do tipo acordo bilateral. No Brasil, acordos internacionais são assinados pelo Presidente da República e dependem de posterior aprovação do Congresso Nacional (Constituição, art.84, VIII). Uma vez aprovados, esses acordos têm força de lei e são incorporados à vida nacional. E, o que é especialmente importante, pelas normas internacionais, não podem ser desfeitos nem alterados por apenas um dos lados.” (Fonte: http://acordovaticano.blogspot.com).
A Concordata foi assinada em 13 de novembro de 2008, em audiência entre o Presidente Lula e o Papa Bento XVI. No entanto, para que passe a valer juridicamente em âmbito interno e internacional, precisa ser aprovada pelo Poder Legislativo. No último dia 30 de junho, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou regime de urgência para a matéria, o que coloca em risco o debate democrático e esclarecido sobre seu conteúdo e implicações.
A assinatura da Concordata, que trata eminentemente de assuntos religiosos de interesse da Santa Sé, significa, a princípio, o tratamento estatal diferenciado de uma crença religiosa em detrimento das demais, as quais, por questões que dizem respeito unicamente às próprias confissões, não dispõem de organismos internacionais com personalidade jurídica nos moldes da Igreja Católica. Também significa o tratamento diferenciado em relação aos cidadãos ateus e agnósticos. Assim, há evidências da inconstitucionalidade da medida, por violar ao menos dois princípios basilares do direito brasileiro: a laicidade estatal (Constituição, art.19, I) e a igualdade material, em sua vertente de proibição de tratamento diferenciado entre cidadãos por razões de ideologia, crença ou culto (art.5°, caput, e art.19, III).
Além desses aspectos gerais e apesar da Mensagem Presidencial n. 134/2009 insistir na idéia de que o acordo respeita a Constituição brasileira, alguns pontos são flagrantemente inconstitucionais e precisam ser rejeitados pelo Congresso. Nesse sentido, um dos principais pontos de preocupação é a possibilidade de retrocesso em relação ao ensino religioso, pois o acordo retoma uma concepção incompatível com o atual ordenamento jurídico, prevendo um modelo puramente confessional de ensino, dividido entre o “católico e de outras confissões religiosas”.
A educação é direito de todos e dever do Estado, da família e da sociedade, sendo a garantia de ensino universal e gratuito atribuição específica dos poderes públicos, respeitado o princípio da gestão democrática. A escola pública, gratuita, laica, inclusiva e de qualidade é, nesse sentido, um espaço primordial de promoção da igualdade e do respeito à diversidade, bases para o exercício da cidadania e o desenvolvimento sustentável. O Estado laico, por outro lado, enquanto conquista indelével da cidadania, é aquele que respeitosamente não interfere nos assuntos religiosos e não estabelece relações de dependência ou aliança com cultos religiosos, igrejas ou seus representantes; consequentemente, é aquele que não cria distinções entre brasileiros ou preferências entre si (Constituição, art.19, incisos I e III). Sob tais fundamentos, Estado laico e escola pública universal, inclusiva e democrática são, historicamente, conquistas associadas e interdependentes.
Esses e outros temas serão aprofundados no debate do dia 13 de agosto, às 19 horas na sede da Ação Educativa – Rua General Jardim, 660, Vila Buarque – São Paulo.
As principais polêmicas
- Imunidade tributária
O acordo diz que as pessoas jurídicas eclesiásticas (arquidioceses, dioceses, prelazias etc) — assim como suas rendas, patrimônios e serviços — terão garantia de imunidade tributária referente aos impostos. Se exercerem atividade social e educacional, afirma o texto, serão equiparadas a entidades filantrópicas. Defensores do acordo dizem que a garantia de isenção fiscal, bem como a equiparação com entidades filantrópicas, já está na Constituição Federal, tanto para a Igreja Católica quanto para as outras religiões. O temor dos contrários ao acordo é que, ao equiparar as pessoas jurídicas eclesiásticas a entidades filantrópicas, o texto dê margem para ampliação da imunidade tributária no país. - Ensino religioso
No artigo 11, o acordo estabelece que o ensino religioso, “católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa”, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. A Constituição Federal já determina a oferta obrigatória mas de matrícula opcional por parte do aluno, mas não denomina nenhuma crença. Enquanto os favoráveis sustentam que nada muda, especialistas apontam que a redação abre espaço ao proselitismo, ao denominar uma crença. Apontam, ainda, uma dificuldade de cumprir na prática, em sala de aula, o “respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil” mencionado no fim do artigo. - Bens da Igreja
O acordo determina que o Brasil assegurará “as medidas necessárias para garantir a proteção dos lugares de culto da Igreja Católica e de suas liturgias, símbolos, imagens e objetos cultuais”. Quem defende que o Brasil ratifique o acordo alega que essa parceria na proteção dos bens da Igreja já ocorre, com a participação de entidades especializadas no assunto, tais como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Para os menos crédulos, é preciso saber se isso representará gastos para o Estado e de quanto. - Direitos trabalhistas
O artigo 16 do texto determina que ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante voto não têm relação trabalhista com as dioceses e demais institutos religiosos. O artigo visa diminuir as reclamações trabalhistas de ex-religiosos cada vez mais comuns na Justiça. Para os favoráveis ao acordo, a redação só reforça o que já está previsto em leis: o não vínculo trabalhista entre a Igreja e seus ordenados. Mas para quem condena o acordo, tal artigo abre brechas para exploração de mão de obra por parte a Igreja Católica. - Ajustes adicionais
O antepenúltimo artigo do documento diz que o acordo “poderá ser complementado por ajustes concluídos entre as partes” e determina que Brasil e Vaticano “poderão celebrar convênio sobre matérias específicas”. Tudo que for adicionado ao acordo, segundo quem o apoia, passará pelos trâmites oficiais, nada será feito à revelia das leis do país. Mas a explicação não tem convencido os parlamentares que se mostram contrários desde que o tema chegou ao Congresso Nacional.
Aproveite e promova em sua entidade um debate sobre o Acordo do governo brasileiro com o Vaticano … veja o roteiro abaixo
1.No EM Nº 00471 DE-I/DAI/CJ/MRE-PAIN-BRAS-VATI – que é o ofício que encaminha ao presidente da República o acordo com o Vaticano, o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto afirma que o “Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil” foi debatido por vários ministérios (Casa Civil, Justiça, Defesa, Fazenda, Educação, Cultura, Trabalho e Emprego,Previdência Social, Cidades e Saúde) e foi estabelecido porque o”Brasil é o pais que abriga a maior população católica do mundo e era o único que não dispunha de acordo sobre a presença da Igreja Católica em seu território”
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a) porque esses ministérios todos discutiram o tema e em nenhum momento foi dada publicidade ou organizado debates com a sociedade?
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b) porque é necessário uma igreja específica ter um estatuto jurídico se a Constituição estabelece plena liberdade religiosa?
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c) o Brasil era o único pais do mundo que não tinha acordo desse tipo como Vaticano?
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d) é Vaticano ou Santa Sé? Ou os dois são a mesma coisa?
2. no mesmo texto, o representante do Itamaraty informa que o “objetivo do presente Acordo é consolidar, em um único instrumento jurídico, diversos aspectos da relação do Brasil com a Santa Sé e da presença da Igreja Católica no Brasil, já contemplados na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, na Constituição Federal e em demais leis que configuram o ordenamento jurídico brasileiro.”
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a) o texto fala das relações com a Santa Sé e da presença da Igreja (duas coisas distintas), mas procura sempre tratar como sendo uma coisa só
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b) a Convenção de Viena trata de entidade religiosa? Ou somente da relação entre estados?
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c) se o Acordo contrariar a legislação infra-constitucional anterior, vale o Acordo (aprovado como lei) ou a legislação?
3. no mesmo parágrafo 7º do ofício, o Embaixador Samuel ressalta que”o estabelecimento de acordo com entidade religiosa foi possível neste caso, por possuir a Santa Sé, personalidade jurídica de Direito Internacional Público” (grifo nosso)
– a) o acordo é entre Estados ou entre um Estado e uma entidade religiosa?
– b) se somente a Igreja Católica Romana pode assinar acordo com o Brasil, isso não se constitui privilégio que atenta contra a liberdade religiosa e a isonomia de tratamento que deve ter o Estado brasileiro para com as religiões?
c) em outro caso, o estatuto da Igreja Anglicana seria então necessariamente objeto de Acordo com o Reino Unido?
d) a personalidade jurídica do Vaticano é de entidade religiosa?
SOBRE O TEXTO DO ACORDO
4. Na introdução do Acordo o Estado do Brasil reconhece que o Estado do Vaticano e a Igreja Católica são a mesma instituição e são regidos pelo Direito Canônico … (há alguma restrição de acordos com estados totalitários? É o caso? … precisa estudar o direito canônico … ver em http://www.vatican.va/archive/ESL0020/_INDEX.HTM)
a) pode o governo brasileiro fazer esse reconhecimento? Está em seu campo de autoridade ou é requerida legislação específica?
b) esse reconhecimento fere a Constituição e a isonomia de tratamento com as demais religiões?
5. O artigo 1º reconhece a Santa Sé e estabelece relações diplomáticas. Este é o documento adequado para isso?
6. O artigo 2º firma que “c
om fundamento no direito de liberdade religiosa, reconhece à Igreja Católica o direito de desempenhar a sua missão apostólica, garantindo o exercício público de suas atividades”
a) do mesmo modo que anteriormente, como a Constituição garante isso para todas as religiões e crenças, ter um instrumento deste será somente redundância ou isso poderá implicar algum tipo de privilégio?
7. O artigo 3º “reafirma a personalidade jurídica da Igreja Católica e de todas as Instituições Eclesiásticas”, podendo a Igreja criar ou fechar qualquer uma e o Poder Público é obrigado a registra-la e averbar todas as alterações
a) o que isso significa de fato? As entidades e empresas criadas pelas dioceses estão incluídas? Poderá continuar usando o CNPJ da diocese para outras entidades e finalidades?
b) os bens de entidades criadas e depois fechadas são todos apropriados pela Igreja? Pode o Poder Público interferir nessa destinação, como prevê legislação sobre entidades sociais que recebem benefício de isenção fiscal?
8. O artigo 4º cria uma figura nova, mas não há anteriormente nada que a defina “circunscrição eclesiástica”. Diz: “A Santa Sé declara que nenhuma circunscrição eclesiástica do Brasil dependerá de Bispo cuja sede esteja fixada em território estrangeiro”.
a) estão incluídas as Ordens e congregações?
b) a Opus Dei está incluída?as prelazias pessoais? (ver: http://www.opusdei.org.br/art.php?p=28913)
9. Artigo 5º abraça todas as entidades sociais da Igreja nas imunidades, isenções e benefícios concedidos a esta. Qual, de fato é o alcance disso. Novamente, se é uma situação já reconhecida e estabelecida em lei, qual o objetivo de reafirmar isso em documento específico?
10. O artigo 6º trata do patrimônio histórico (da Igreja ou do Brasil) custodiado ou de propriedade da Igreja. Este artigo inicia uma série que pretende garantir os bens da Igreja e a manutenção dos mesmos com a “cooperação”do Estado.
a) a Igreja compromete-se em facilitar o acesso dos que queiram conhecer ou estudar os documento históricos. O Acordo dá poderes à Igreja em negar acesso. O patrimônio não seria nacional? Quem define seu acesso, quem julga se um estudioso ou pesquisador pode ou não ter acesso?
b) nada é falado em proibir a exportação de bens culturais e patrimônio histórico. Se o caso é repetir a lei, porque não incluir esse ponto essencial à memória.
c) nada é dito no sentido de repatriar bens culturais levados ao exterior
11. O artigo 7º trata da proteção do Estado ao locais de culto. Isso já não é garantia geral a todas as crenças? Qual o sentido de dizer que a Igreja Católica será protegida? E qual o sentido de dizer que os edifícios e bens da Igreja Católica serão preservados e não podem ser usados pelo Estado “salvo por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, nos termos da Constituição brasileira”?
12. O artigo 8º define que o Estado deve garantir à Igreja Católica o acesso a “fieis internados em estabelecimento de saúde,de assist6encia social, de educação ou similar, ou detidos em estabelecimento prisional ou similar”. Qual o verdadeiro sentido desse artigo. Não é assim com todas as religiões e seitas?
13. O artigo 9º trata do reconhecimento de títulos acadêmicos, observada a legislação dos dois Estados
14. O artigo 10 determina que o Estado brasileiro garante a liberdade da Igreja em “constituir e administrar Seminário e outros Institutos eclesiásticos deformação e cultura”
15. O artigo 11 define que o Estado brasileira “respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa”
a) estabelece-se a idéia de que o ensino religioso é essencial à formação do ser humano? E as pessoas que não acreditam em divindades ou não professam qualquer credo? Serão consideradas pessoas não integrais? Estarão submetidas a um estado que define o ensino religioso como essencial, mesmo que de aplicação facultativa?
b) qual o sentido jurídico de incluir explicitamente o catolicismo como religião a ser ensinada nas escolas?
c) a religião, incluída como matéria escolar, tira-a do âmbito pessoal,privado e familiar e coloca no âmbito público, estatal. Isso não fere a Constituição,? Ou contraria suas cláusulas de garantia de direitos?
16. O contrato de casamento, em um Estado de Direito, passa a fazer efeito desde seu registro,observados trâmites e requisitos definidos em lei. Com o art. 12, passa a valer o casamento religioso, a partir do dia de sua celebração, desde que registrado (a qualquer tempo). Isso não fere a legislação em vigor?
a) o que, realmente significa o 1º parágrafo desse artigo, que diz: “A homologação de sentenças eclesiásticas em matéria matrimonial,confirmadas pelo órgão de controle superior da Santa Sé, será efetuada nos termos da legislação brasileira sobre homologação de sentenças estrangeiras” ?
17. O art. 13 garante o sigilo do ofício sacerdotal. Ëspecialmente o da confissão sacramental” … isso conflita com a lei brasileira para situação similares (sigilo do medico, psicólogo etc)?
18. O art. 14 afirma que o Estado brasileiro vai se empenhar para destinação de espaços para fins religiosos no o
rdenamento urbano. É só uma declaração de intenção ou tem efeito legal?
19. O artigo 15 (complementa e amplia o sentido ao artigo 5º) garantindo imunidade tributaria para empresas e entidades da Igreja Católica sobre patrimônio, renda e serviços.
a) há isonomia ou garantia de isonomia para entidades similares?
b) o parágrafo primeiro determina que as entidades da Igreja Católica que exerçam atividade social e educacional terão tratamento como entidades filantrópicas. Sabe-se o alcance disso? Quanto de transferência de recursos da sociedade em geral e do Tesouro isso significa? O Ministério da Fazenda, que participou da elaboração desse Acordo tem essa informação? Ou essa decisão foi tomada sem respeitar a legislação tributária e orçamentária (conceder benefício sem saber seu montante)?
20. O artigo 16 define que os “ministros ordenados e fiéis consagrados mediante votos” não tem vínculos empregatícios com a Igreja. E mais, “as tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica,catequética, assistencial, de promoção humana e semelhantes poderão ser realizadas em caráter voluntário”. Com isso a Igreja deixa de ser empregadora, não se subordina às garantias legais de proteção do(a) trabalhador(a) ou previdenciárias.
a) os direitos humanos dos(as) trabalhadores(as), definidos em legislação nacional e internacional desde os primórdios do século XX, não podem ser garantidos aos(às) trabalhadores(as) ligados(as) à Igreja Católica, quer sejam padres, freiras, assessores(as), professores(as) etc. Quem garante os direitos de um padre ou freira que deixou a Igreja Católica depois de anos de serviços prestados (muitas vezes em condições de muita dificuldade pessoal)? Quem garante os direitos previdenciários desses(as) trabalhadores(as)?
b) a Constituição não determina que os direitos humanos devem ser observados com princípio de anterioridade em tratados internacionais? (até mesmo nos comerciais)
21. O artigo 17 diz respeito ao trabalho de sacerdotes estrangeiros a convite de bispos em exercício, podendo ser concedido visto permanente, conforme o caso.
22. O artigo 18 trata da liberdade de complementação do presente acordo, por ajustes entre as partes.
a) o parágrafo 1º eleva a Conferencia dos Bispos do Brasil a parte do Estado do Vaticano e autoriza a celebração de convênios com órgãos do governo brasileiro. Essa situação não provoca problemas de ordem jurídica no registro da CNBB? Ela passa a ser, ao mesmo tempo, uma entidade social sem fins lucrativos e parte do Estado do Vaticano?
b) alterações no presente Acordo devem ser submetidas novamente ao Congresso Nacional? Acredita-se que sim, mas está claro isso na redação desse artigo?
23. O artigo 19 define que divergências na aplicação e interpretação desse Acordo serão resolvidas por negociações diplomáticas diretas. Os tribunais nacionais deixam de ter competência para julgar e resolver esses casos (que são nacionais e não internacionais, como emprego, salário, patrimônio etc.)?