Um em cada quatro homens já estuprou na África do Sul, mostra estudo. Mesmo com denúncias, problema persiste, e às vezes dentro de casa. G1 conheceu projeto de ONG que tenta combater o abuso sexual.
Um em cada quatro homens da África do Sul já forçou uma mulher a praticar sexo, segundo estudo do Centro de Pesquisa de Gênero e Saúde de Pretória. E cerca de 10% deles admitiram ter feito com jovens menores de 10 anos.
Rachel Jewkes, uma das pesquisadoras à frente do estudo, explicou ao G1 que o trabalho é importante para ajudar o país a prevenir os crimes. “Acredito que essa prevenção precisa incentivar intervenções para promover a equidade dos gêneros, particularmente entre os homens. Intervenções que possam fortificar as famílias e as suas habilidades em proteger mulheres e crianças de abusos e traumas”, disse a especialista.
Mesmo com algumas das violações sendo denunciadas à polícia, o problema persiste. Apenas em 2007, segundo a polícia, foram registrados 52.617 casos em todo o país, com destaque para a província de Gauteng, onde fica Johannesburgo, com 11.114. Kwazulu Natal, da litorânea Durban, teve 9.587 casos e a província de Eastern Cape, de extensa área rural, teve 7.796.
Palestra da Simelela em Khayelitsha. Na camiseta: ‘sobreviventes de violência sexual também são gente, e não só estatísticas. Nós nunca nos calaremos.’ (Foto: Divulgação)
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Khayelitsha não fica em nenhuma das regiões acima citadas. Está localizada ao sul, em Western Cape, precisamente na Cidade do Cabo, área que mais recebe turistas no país. Mesmo assim, números desanimadores vêm de lá, especificamente de uma das maiores townships (áreas pobres sem infra-estrutura) da África do Sul.
A estimativa é de que ocorra um abuso sexual a cada 26 segundos. Segundo a Simelela, ONG criada em 2003 para dar apoio às vítimas de abuso sexual na área que abriga entre um milhão e dois milhões de pessoas, 41% das mulheres que sofrem violação têm menos de 14 anos. De acordo com os registros da organização, a vítima mais nova tinha um ano, e a mais velha, 76.
Na maioria dos casos, o inimigo está dentro da própria casa. Aqui, um em cada dez estupros é cometido por alguém da família, e 40% dos abusos acontecem na casa da vítima. Em lugares abertos, ocorrem 35% dos casos.
Towship em Khayelitsha. (Foto: Natalia da Luz/Especial para o G1)
Como arma principal, os criminosos elegem a ameaça psicológica, presente em 65 % dos casos. Armas como facas, punhais e até tijolos são usadas em 41% dos casos. Outro componente muito comum é o estupro coletivo. Segundo a Simelela, um quarto dos casos envolve mais de um abusador.
Para dar apoio às vítimas, a ONG tem um telefone 0800 e funciona 24 horas, sete dias por semana. O centro tem como objetivo educar a comunidade por meio de palestras, dar suporte aos sobreviventes, reduzir o trauma e prevenir o HIV.
Por isso, as vítimas recebem, até 72 horas após o abuso, medicamentos anti-HIV, cuidados de emergência, assistência psicológica e incentivo à denúncia, visando reduzir a impunidade -menos de 30% dos abusadores são presos. Segundo apenas 6,2% dos suspeitos de qualquer crime chega à condenação. No caso do estupro, esse percentual cai para 4,1%.
O uso do álcool e de drogas também está associado aos casos de violência sexual, segundo a pesquisa. A proporção é de um em cada três casos registrados.
“Mostramos uma considerável relação com a pobreza e o consumo de drogas. Acho que a sociedade deve buscar soluções para reduzir os dois problemas”, diz a pesquisadora. Segundo o estudo, os homens negros eram mais propensos ao estupro, ao lado dos de renda mensal na faixa dos 500 rands (R$ 125).
Homens que viveram sem presença paterna também estavam entre os mais propensos a violar. Segundo a pesquisa, 54% dos entrevistados foram abusados e 40% foram abusados e abusaram.
ONG usa o teatro para discutir o problema do abuso sexual. (Foto: Divulgação)
O trabalho da equipe também esmiuça a quantidade de abusos que cada estuprador cometeu. Um a cada dois (46,3%) revelou ter abusado de mais de uma mulher ou menina; 23,2% mencionaram entre duas e três vítimas; 8,4%, entre quatro e cinco; 7,1%, entre seis e dez mulheres ou meninas; e 7,7% disseram que o número de abusos superou 10. Em relação à idade das vítimas, 9,85% dos estupradores disseram que elas tinham menos de 10 anos; 16,4%, entre 10 e 14; 46,5%, entre 15 e 19; 18,6%, entre 20 e 24; 6,9%, entre 25 e 29; e 1,9%, acima de 30 anos.
Como se não bastassem o risco de contrair infecções, HIV e gravidez indesejada, há exclusão social, trauma e depressão que atingem grande parte das vítimas. De acordo com o Unaids (Programa das Nações Unidas para Aids), há 2,5 vezes mais mulheres contaminadas do que os homens, justamente devido ao sexo forçado. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o sexo com violência freqüentemen
te pode provocar ferrimentos, o que facilita a entrada do vírus.
Rachel diz que a pesquisa repercutiu em vários setores da sociedade, mas não recebeu nenhuma manifestação do governo.”Gostaria de ver a pesquisa ao redor do mundo para nos fazer entender a natureza do abuso sexual em outros países e o que precisamos para intervir e prevenir.”