Voto feminino, enigmático e decisivo

jacira_vieira_melo1Mario Osava, da IPS

Rio de Janeiro, Brasil, 4/8/2010 – As mulheres poderiam garantir à candidata do governo, Dilma Rousseff, uma tranquila vitória nas eleições de outubro, mas são as mais reticentes, segundo as pesquisas, a eleger a primeira mulher para a Presidência do Brasil. O eleitorado feminino “está aguardando mais informações” sobre a candidata e as políticas que pretende implementar para então decidir seu voto, disse Jacira Melo, diretora-executiva do feminista Instituto Patrícia Galvão.

 

É um voto que “segue outra lógica”, mais ponderado, só definido no final, quando conhece suficientemente os candidatos e suas propostas, disse Jacira à IPS, para se contrapor às conclusões “prematuras” de que “mulher não vota em mulher” ou que elas são mais conservadoras do que os homens. Essas interpretações se baseiam em dados das últimas pesquisas, que apontam crescente intenção de voto em Dilma, ex-ministra de Minas e Energia e ex-chefe da Casa Civil, fortemente apoiada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no que não é acompanhado pelo eleitorado feminino.

O Instituto Datafolha divulgou, no dia 24 de julho, uma pesquisa em que Dilma, de 62 anos, e seu principal adversário, José Serra, de 68 anos, aparecem empatados. Contudo, ele tem uma vantagem de oito pontos entre as mulheres entrevistadas, com 38% da intenção de voto. Dilma é candidata por uma coalizão liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), no poder desde 2002, e Serra pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que governou o país durante os oito anos anteriores.

A chamada “candidata do Lula” tinha, em dezembro, 23% das intenções de voto e subiu 13 pontos percentuais na simpatia eleitoral, mas apenas sete pontos entre as mulheres, apesar da ampla projeção de sua candidatura e do apoio presidencial. É um “mistério”, porque os programas sociais são o grande motor da popularidade com que Lula está encerrando seus dois mandatos e quase todos têm as mulheres como principais beneficiárias, como o bolsa-família ou a ampliação para seis meses da licença-maternidade, disse André Pereira, analista da CAC Consultoria.

Também foi uma dificuldade eleitoral que Lula precisou vencer em 2002 e 2006, que pelo menos no primeiro turno teve um minoritário apoio feminino. E sua popularidade como governante, que beira atualmente os 80%, cai cerca de dez pontos entre as mulheres. O primeiro turno das eleições será no dia 3 de outubro e o segundo no dia 31 do mesmo mês, caso nenhum candidato consiga a metade mais um dos votos.

“Elas são mais rigorosas” ao avaliar, insistiu Jacira, recordando que Lula tem “um discurso político avançado”, mas na prática 95% de seus ministros são homens e as pastas reservadas às mulheres são “de menor poder e menor orçamento. Talvez, muitas mulheres achem Lula muito parecido com seus maridos e companheiros” em suas casas, que as valorizam pouco e pouco ajudam nas tarefas domésticas, acrescentou. Assim, sua origem pobre e sua imagem de “homem do povo”, partes essenciais de seu carisma e sua popularidade, respondem menos à sensibilidade feminina.

O presidente mudou sua imagem e agora veste os melhores trajes e frequenta locais elegantes, mas talvez no imaginário feminino persista “a versão antiga, de sindicalista barbudo, comendo melancia na feira”, ou lembranças de velhas denúncias, como querer que uma mulher com quem manteve relação fora do casamento abortasse a filha comum, assinalou Jacira.

De fato, a resistência eleitoral feminina afeta, de maneira geral, as candidaturas do PT, destacou Jacira, cogitando que a razão pode estar na imagem e na origem do partido, nascido do sindicalismo, com propostas radicais e mobilizações turbulentas nas décadas de 80 e 90. Apesar de tudo, a pesquisa Datafolha mostrou uma maioria de 41%, mulheres e homens, para a qual Dilma ganhará as eleições, contra 30% que preveem triunfo de Serra, que foi ministro da Saúde (1998-2002) e governador do Estado de São Paulo (2006-2010).

Outra pesquisa, do Ibope, divulgada no dia 31 de julho, mostrou Dilma com 39% de intenção de voto, contra 34% para Serra, quando há um mês apareciam empatados nestas pesquisas. Dilma é vista como favorita, confirma Jacira, mas, para evitar um fracasso surpresa, deve agir para “seduzir” o majoritário eleitorado feminino.

Contra esse objetivo, precisamente, conspiram a falta de carisma da ex-ministra e a “dispersão de votos” que pode produzir a competição com outra candidata, Marina Silva, do Partido Verde e ex-ministra do Meio Ambiente de Lula. Marina é a terceira na disputa, com apoio de 10% segundo o Datafolha, e de 7% de acordo com o Ibope.

Ter duas candidatas presidenciais, uma favorita e outra impondo a agenda ambiental no debate eleitoral, é um fato “inédito” no Brasil e “contrasta” com a baixa representação feminina no poder político, criando uma nova realidade para o voto feminino, reconheceu Jacira. Para ela, o fato, de as pesquisas refletirem que quase metade do eleitorado feminino ainda não se decidiu, não deve ser visto como indecisão ou rejeição às duas candidatas. “É um voto em construção”, assegurou.

Jacira também vê como natural que, segundo o Datafolha, 32% conheça “muito bem” Serra e apenas 14% diga o mesmo sobre Dilma. Serra, recordou, foi ministro de uma pasta com alta exposição na mídia e também foi derrotado por Lula em 2002, o que lhe deu projeção nacional. Para os dois analistas, será decisivo o uso que os candidatos farão da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, que começará no dia 17. Dilma, graças à dezena de forças que a apoiam, terá mais tempo para divulgar suas ideias e aproximar sua imagem dos eleitores, em particular das eleitoras.

(IPS/Envolverde)

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