Portugal libera união gay para casais 100% estrangeiros

Simone Cunha e Vitor Sorano | Lisboa  – Portal UOL

Agora é possível que casais formados por dois estrangeiros do mesmo sexo se casem em Portugal, apenas apresentando passaporte e certidão de nascimento. Um despacho do IRN (Instituto dos Registos e do Notariado, órgão de registro civil no país) divulgado este mês determina que as conservatórias – equivalentes aos cartórios brasileiros – realizem o casamento mesmo que os dois (ou um dos dois) noivos sejam de um país onde a união entre pessoas do mesmo sexo não é reconhecida, como é caso do Brasil.

Até quem estiver no país apenas de passagem pode realizar a união, explica o advogado Miguel Reis, que está terminando um livro sobre o casamento gay no país. “Os turistas podem casar em Portugal, desde que organizem previamente um processo preliminar de casamento”, diz.

Desde maio, o país é um dos sete na Europa onde o casamento gay é legalizado. A decisão de estendê-lo a estrangeiros amplia o número de pessoas beneficiadas pela lei. 

Vitor Sorano/Opera Mundi

“Noiva” celebra o casamento gay na festa “Arraial Pride”, realizada em Lisboa

Segundo Reis, a lei não impede o casamento de estrangeiros em Portugal nem faz exigências específicas em relação a ele. “Pode casar-se em Portugal quem estiver em Portugal. O casamento não depende de visto”, afirma em entrevista por e-mail ao Opera Mundi. A Linha Registos (serviço de orientação telefônica do IRN) informa o mesmo.

O Ministério da Justiça de Portugal não se manifestou até o horário da publicação da reportagem. Segundo o vice-cônsul Ernando Neves, turistas não podem se casar no Consulado do Brasil em Lisboa. O órgão exige um atestado de residência emitido pela Junta de Freguesia – espécie de subprefeitura –, o que impede quem está de passagem de casar ali. Neves não comentou, porém, sobre a possibilidade da celebração ocorrer nas conservatórias, pois escapa à alçada do consulado.

O vice-cônsul também afirma que a união gay não terá validade no Brasil. “Os casamentos entre parceiros do mesmo sexo realizados em Portugal não têm validade (transcrição) para o Brasil, uma vez que a lei brasileira ainda não reconhece esse tipo de união civil”, argumenta.

Para Reis,  entretanto, o Brasil “haverá de reconhecer os casamentos entre pessoas do mesmo sexo celebrados no estrangeiro, contanto que não morem no Brasil”. O argumento é que a Constituição brasileira não faz referência ao sexo dos noivos nem menciona que tenham de ser diferentes.  A reportagem do Opera Mundi perguntou ao Ministério da Justiça brasileiro se esse reconhecimento seria possível, mas não obteve resposta.

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Desorientação

O casamento gay é permitido em Portugal desde o final de maio. Até o dia 25 de junho foram criados 42 processos de casamento entre pessoas do mesmo sexo em Portugal, tendo 11 deles sido realizados, segundo o Ministério da Justiça português. A maioria dos pedidos de união envolve homens (29). Até o fechamento da reportagem, o órgão não enviou os dados atualizados nem divulgou quantos eram pedidos de estrangeiros. No geral (incluindo os heterossexuais), o casamento está em queda em Portugal: foram 63.672 em 1996 e 40.391 em 2009.

O despacho do IRN, menos de dois meses depois da aprovação, mostra que houve dúvidas sobre se cidadãos de países onde o casamento gay não é permitido poderiam oficializá-lo em Portugal.

“O entendimento se é preciso ou não ter autorização ou visto de residência depende da consevatória a que você for”, diz Paulo Côrte-Real, presidente da ILGA-Portugal, organização não-governamental de apoio à causa gay. Um dos problemas, como cita o despacho, é que a lei não menciona o reconhecimento dos casamentos entre estrangeiros, sejam de países que permitem o casamento ou não.

Total teor

Na segunda-feira (20/7), o modelo brasileiro Valter Costa e o lojista português Miguel Sousa, ambos de 26 anos, receberam da conservatória de Lisboa a previsão da data do seu casamento: 20 de setembro. “Coloca aí que tem de ser a de total teor”, orienta Valter, indicando que o documento tem de ser validado por um consulado português.

Vitor Sorano/Opera Mundi

Valter (direita) e Miguel: união, marcada para setembro, serve para “fidelizar o sentimento”

A ideia da união já havia nascido antes da lei, entre outubro e novembro do ano passado (a aprovação pelo parlamento foi em janeiro deste ano). “Foi mais o Valter. Eu dizia que, para mim, é só um papel”, conta Miguel. A situação, porém, mudou, e agora é ele quem quer ver a celebração o quanto antes. “Ele foi me alimentando o desejo de casar. E por que não? É uma forma de mostrar um sentimento um pelo outro”, afirma. “Estou casando para mim, não pelos outros. A gente está fidelizando um sentimento. Todo mundo casa, não casa? A gente tem direito tanto quanto os outros”, diz Valter.

O chefe de cozinha Sidnei Alves, e o gerente de loja Sérgio Calasans, ambos de 42 anos, brasileiros com nacionalidade portuguesa, já começaram a levantar informações. “Nós nos conhecemos no dia em que eu cheguei”, relembra Sérgio. A celebração ainda não foi marcada por causa da família de Sidnei. “Acho que, do meu lado, não viria ninguém.”

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Os brasileiros Sidnei (esquerda) e Sérgio, ambos com nacionalidade portuguesa, pretendem se casar em breve

Documentação

De acordo com a lei portuguesa, os estrangeiros que queiram casar-se no país podem apresentar como documento de identificação título ou autorização de residência, passaporte ou documento equivalente. Junto a ele, a certid

ão de nascimento e o certificado de capacidade matrimonial.

O pedido gera dúvida, por exemplo para os brasileiros, já que esse não é um mecanismo previsto na legislação brasileira. O despacho do IRN determina que, quando não for possível apresentar o certificado porque o país não admite o casamento de pessoas do mesmo sexo, é considerada a lei portuguesa. O interessado, porém, pode ter de apresentar um documento que comprove que o Brasil não emite o certificado, o que pode ser obtido no consulado.

Outros países

Na Espanha, país dentre os sete europeus que permitem casamento de pessoas do mesmo sexo onde houve crescimento expressivo dessas uniões, os casamentos envolvendo estrangeiros representam parcela importante do total. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística espanhol, em 2008 1.468 celebrações de um total de 3.194 – ou 46% – tiveram a participação de pelo menos um nacional de outro país.

Na Noruega – onde o casamento gay começou a valer em 2009 – havia em 1 de janeiro de 2009 13 cidadãos brasileiros vivendo em parcerias do mesmo sexo (que tem estatuto diferente do casamento) no país.

Também permitem o casamento gay Islândia, Holanda, Bélgica e Suécia. 

 

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