Thelma Torrecilha, especial para o iG | 27/07/2010 12:57
Segundo pesquisa inédita do Projeto Atenção Brasil, explicação está na habilidade social e melhor índice de saúde mental delas
Pela primeira vez, a saúde mental da população infanto-juvenil brasileira foi avaliada por um estudo científico. Pesquisadores do Projeto Atenção Brasil analisaram o comportamento de meninos e meninas de diferentes Estados do País e concluíram que as estudantes do sexo feminino têm 59% a mais de chance de alcançar um desempenho escolar acima da média do que os do sexo masculino.
Segundo eles, a explicação está no comportamento e na forma como ambos lidam com as emoções. As meninas apresentam melhores índices de saúde mental. O estudo comprovou que meninos estão mais sujeitos a dificuldades emocionais, problemas de conduta e de habilidade social. Os menores índices de saúde mental deles aumentam em 70% os riscos de baixo desempenho escolar.
Os dados são do Projeto Atenção Brasil, um estudo populacional desenvolvido pelo Instituto Glia, de Ribeirão Preto (SP), com a colaboração de pesquisadores da Universidade La Sapienza (Itália) e do Albert Einstein College of Medicine (EUA). Para o presidente do Instituto Glia e coordenador da pesquisa, neurologista da infância Marco Antonio Arruda, a superioridade no desempenho escolar proporcionada pela habilidade social e os melhores índices de saúde mental das meninas foi um achado importante.
“No que se refere a desempenho escolar, as meninas ganham de lavada. A pesquisa surpreendeu, porque mostrou características comportamentais próprias das meninas, que interferem no desempenho escolar. Elas pensam antes de agir, concluem as tarefas, são mais resilientes, proativas”, afirmou.
De acordo com a pesquisa, as meninas apresentam um comportamento pró-social, são queridas pelas outras crianças, têm pelo menos um bom amigo e consideração pelos sentimentos das pessoas. Já os meninos não gostam de compartilhar brinquedos e doces, têm acessos de raiva, mentem ou enganam, brigam e amedrontam colegas com frequência.
Foram entrevistados pais e professores de 9.149 crianças e adolescentes de 81 municípios, em 16 unidades da Federação. Os pesquisadores coletaram e analisaram dados de crianças e adolescentes de ambos os sexos, de 5 a 18 anos de idade, frequentando classes regulares do 1º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio em escolas particulares e públicas, de zona urbana e rural.
A amostra final da pesquisa foi de 5.961 crianças e adolescentes, pois foram considerados apenas os questionários completos, respondidos por pais e professores.
Conceitos mais amplos
O estudo apresenta diferenças estatísticas significativas entre meninos e meninas. Segundo Arruda, essa é a mais ampla amostragem da saúde mental da população infantil brasileira, que além de confirmar estudos internacionais, revelou dados importantes.
“É a primeira vez que uma pesquisa nacional tem essa dimensão, confirmando a diferença entre meninos e meninas. Os meninos têm mais transtornos mentais, isso não é novidade. Mas, saúde mental é um conceito mais amplo, não é apenas a ausência de transtorno mental. A criança pode ter um baixo índice de saúde mental mesmo quando não apresenta nenhum transtorno”, explicou.
As dificuldades apresentadas pelas crianças e adolescentes, como problemas de conduta e com os colegas, hiperatividade e desatenção são sinais de alerta para os pais e para o sistema educacional do País. Os prejuízos gerados pelas dificuldades do dia a dia à saúde mental das crianças e dos adolescentes são chamados de “impactos” pelos médicos.
O estudo identificou fatores de risco e de proteção que podem direcionar medidas para impedir, minimizar ou inverter impactos na saúde mental das crianças. Os resultados, além de uma série de recomendações para a escola e a família, foram reunidos em uma cartilha que será lançada, no final da semana, durante o III Congresso Aprender Criança, em Ribeirão Preto.
A pesquisa mostrou que, entre os meninos, o impacto das dificuldades enfrentadas no dia a dia em problemas emocionais ou de conduta, por exemplo, foi de 14%, enquanto para as meninas foi de 10%. Ou seja, eles são mais afetados do que elas, em geral, porque têm menos condições de lidar com problemas. O risco de fraco desempenho escolar nesses casos é 580% maior. “Quanto maior o número de dificuldades e maior o impacto, maior a diferença na escola”, ressaltou.
Além de comprometer o desempenho escolar, os prejuízos causados pelos baixos índices de saúde mental de meninas e meninos se refletem na convivência familiar, no contexto escolar e na vida social. Esses índices também apontam para a propensão dessas crianças de desenvolver algum transtorno mental ao longo da vida.
No meio do caminho, entre países ricos e pobres
Entre as 5.961 crianças e adolescentes de ambos os sexos, 32,6% apresentaram dificuldades. Os meninos têm maiores índices de dificuldades (29,4%), com problemas emocionais (36,7%), de conduta (31%), com os colegas (26,9) e hiperatividade (19,3).
Segundo Arruda, 12,7% das crianças brasileiras acabam desenvolvendo problema emocionais, ou de conduta, por causa do impacto das dificuldades rotineiras em sua saúde mental. Com esse índice, o Brasil está em uma posição intermediária entre países pobres e ricos: Índia (15%), Porto Rico (16,4%) e China (12%) a Estados Unidos (8,4%), Grã Bretanha (8,8%) e Noruega (7%).
“A porcentagem de dificuldades é semelhante, com pequenas variações. O impacto que é diferente, esse é o dado importante. A partir deles, a gente parte para bons programas de prevenção, de identificação precoce das dificuldades. Pais com bom nível de escolaridade têm melhores condições de evitar que se desenvolva o impacto”, afirmou Arruda.
Segundo o neurologista, o despreparo dos pais, pela falta de escolaridade e de informação, está intimamente ligado às questões sociais da infância e ao fraco desempenho escolar. E os professores, que, muitas vezes, passam mais horas do dia com as crianças do que os próprios pais, podem desempenhar um papel muito importante na identificação dos alertas e na busca de ajuda para meninos e meninas.
De pais para filhos
A pesquisa mostrou que o uso de tabaco pelas gestantes aumenta as possibilidades de baixos índices de saúde mental (180%) e desempenho escolar (170%) das crianças. O uso de álcool na gravidez também potencializa o risco de comprometer o desempenho escolar (150%) e é ainda mais desastroso para a saúde mental (240%).
As crianças estão expostas a riscos que reforçam significativamente as chances de baixos índices de saúde mental. Viver em cidade de grande porte (com mais de 500 mil habitantes) aumenta em 130%; ser filho de pais separados, 50%; e crescer longe do pai e da mãe, 420%.
O estudo do Projeto Atenção Criança traz um dado estatístico muito importante para explicar o fraco desempenho escolar das crianças e adolescentes: o
grau de instrução dos chefes de família.
Comparando-se um filho de pais analfabetos ou com até o ensino fundamental incompleto, com um filho de pais com ensino superior completo, a chance dessa criança ter um baixo desempenho escolar é 680% maior.