João Loes – Revista Isto É
Mais de cinco milhões de brasileiros sofrem desse mal, que pode ser sinal de profunda insatisfação com o trabalho
ALERTA
Se a tristeza da volta à rotina durar mais de 14 dias,
é hora de procurar ajuda profissional
Não é fácil voltar de férias. Encarar o trânsito, os horários e as obrigações fica mais difícil quando a lembrança de dias tranquilos, prazerosos e sem compromissos ainda está fresca na memória. Com raríssimas exceções, todos nós sentimos o peso do retorno à dura realidade. Mas há alguns que sofrem mais do que outros. Um trabalho conduzido pelo braço nacional da International Stress Management Association (Isma), organização internacional especializada no estudo do estresse, mostrou que 23% dos brasileiros têm a chamada depressão pós-férias, também conhecida como síndrome pós-férias. Diferentemente da tristeza, que acomete quase todos os que voltam de alguns dias ou semanas de folga – e que logo passa –, esse mal perdura por pelo menos 14 dias e pode ter consequências perigosas. “Muitas vezes é a manifestação de problemas que se acumulavam no plano profissional, mas que estavam latentes”, explica a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da International Stress Management Association Brasil.
Nesse sentido, as férias servem de gatilho para o início de um processo depressivo amplo e que tem como grande causa, segundo o estudo, uma profunda insatisfação profissional, presente em 93% dos que sofrem da síndrome pós-férias. Insatisfação essa que nasce de situações estressantes no ambiente de trabalho, como a falta de perspectivas de ascensão profissional ou conflitos frequentes com colegas. “Para essas pessoas, as férias são o paraíso e o trabalho, o inferno”, explica Anderson Cavalcante, administrador e consultor de empresas. “A perspectiva de voltar ao trabalho é uma tortura”, diz ele.
Foi assim com a
paulistana Cleuza Regina dos Santos, 44 anos. Mãe solteira de dois adolescentes, ela trabalhou na administração de uma empresa de transportes por seis anos. Lá, diz que sempre se sentiu perseguida, fosse pelas roupas que usava, pelo que dizia ou como agia. Enquanto estava na correria do dia a dia, ela conseguia relevar as dificuldades. Mas, quando saía de férias, o desejo de abandonar a empresa aumentava significativamente. “De folga você conversa com outras pessoas, vê que a vida pode ser diferente e melhor”, conta Cleuza, que se debulhava em lágrimas não só nos dias que antecediam o retorno ao trabalho, mas em silêncio, no banheiro da firma. Eram meses de sofrimento até engrossar a carcaça de novo para aguentar os desconfortos do ambiente profissional. Sua história na empresa terminou três meses depois das férias de janeiro de 2009. Abalada, ela procura por um novo emprego desde então.
Colocar o índice de 23% de trabalhadores que hoje sofrem de depressão pós-férias em números absolutos ajuda a entender a abrangência desse mal. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil fechou 2010 com 22,5 milhões de pessoas empregadas formalmente. Isso cria um exército de funcionários que sofrem de depressão pós-férias com mais de 5 milhões de pessoas. Então, o que fazer para administrar o problema? Para Ana Maria Rossi existem dois caminhos que podem ser seguidos por quem sofre desse tipo de depressão. O primeiro é resignar-se, dentro dos limites que cada uma estabelece para si, e se adaptar às dificuldades no ambiente de trabalho compensando a frustração com alguma outra atividade, como trabalho voluntário ou hobby. Já o segundo, mais radical, é buscar um novo emprego. Também dá para minimizar o impacto da depressão retomando uma rotina semelhante à do trabalho três dias antes do fim das férias. Voltar de viagem no mínimo dois dias antes do retorno ao serviço também é válido, asseguram os especialistas.
INSATISFAÇÃO
Cleuza Santos ficava tão deprimida
quando voltava de férias que ia chorar no banheiro
É comum recorrer às férias quando a vida profissional não caminha bem. Foi isso que Murilo Ferreira, paulista de Ribeirão Preto, 24 anos, fez ao perceber que estava insatisfeito com os rumos de sua carreira. Mal sabia ele que, com o descanso, sua percepção dos problemas se acentuaria. Aos 22 anos, ele pediu demissão da empresa na qual trilhava uma bela carreira como administrador. “Era coisa demais para mim naquele momento”, reconhece. Hoje ele trabalha com o mesmo chefe daquela época, mas em outro lugar onde o ritmo, segundo ele, é mais adequado. “Já estava em situação crítica antes das férias”, diz. “Com o final do descanso, ao ver que teria que voltar para o ambiente que me desgostava tanto, percebi que tinha que sair.”
“Ao ver que teria que voltar para o ambiente que me
desgostava tanto, percebi que tinha
que sair” Murilo Ferreira
Especialistas são unânimes: é importante dar atenção à tristeza pós férias, pois essa é uma grande oportunidade para se conhecer. “Existe um jogo de empurra entre empregador e profissional quando o assunto é depressão pós-férias”, diz Ana Maria. “Um tenta empurrar a culpa para o outro, mas a responsabilidade deveria ser compartilhada.” Trabalhadas as causas do problema, tanto a empresa quanto o funcionário podem sair ganhando. Mas não é sempre que isso acontece. Mais depressão…