Especialistas repudiam trote da Faculdade de Agronomia e Veterinária da Universidade de Brasília

Debora_Diniz_1Cecília Lopes – Da Secretaria de Comunicação da UnB

Professoras afirmam que brincadeiras com mulheres sempre estão carregadas de conotação sexual

Especialistas da UnB repudiam trote que ocorreu na Faculdade de Agronomia e Veterinária, no último dia 11 de janeiro. Durante a recepção, as calouras estavam ajoelhadas lambendo uma linguiça lambuzada de leite condensado. O episódio chegou à Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM/PR), que pediu esclarecimentos à universidade sobre o fato. Leia aqui.

As professoras afirmam que, quando ocorre uma brincadeira envolvendo mulheres, sempre está ligada à sexualidade. “O mais grave e lamentável é que os nossos jovens universitários ainda enxergam as mulheres como objeto sexual”, afirma Lourdes Bandeira, subsecretária da Secretaria de Políticas para Mulheres e professora do Departamento de Sociologia da UnB.

Lourdes Bandeira defende que o fato de o trote ser uma atividade optativa não justifica o caráter violento. As meninas não foram informadas que participariam da atividade com a linguiça. “As fotos mostram uma situação de constrangimento como se as mulheres se prestassem a qualquer coisa”, afirma. “O fato de ser opcional não pode de maneira nenhuma violar o código de convivência da universidade”, opina Tânia Montoro, professora da disciplina Comunicação e Gênero, da Faculdade de Comunicação. 

As especialistas acreditam que a mulher tem dificuldade de se posicionar contra o trote. “A fala da aluna que disse ter participado porque quis é curiosa”, afirma Débora Diniz (foto), professora do Departamento de Serviço Social. A professora explica que o trote reproduz a ideia de hierarquia, em que se o calouro se nega a participar ele será ainda mais ridicularizado. “Quem vai sair do coletivo dizendo que não vai participar e ser respeitado por isso?”, questiona. “A pessoa sabe que vai pagar um preço muito alto e por muito tempo.”

Lívia Gimenes, coordenadora do projeto Promotoras Legais Populares e mestranda da Faculdade de Direito, afirma que os calouros acham que o trote faz parte da entrada na universidade e que é preciso passar por isso para ser aceito no ambiente acadêmico. “Talvez as meninas não enxerguem isso como humilhação”, disse. Ela acredita que o machismo é algo que se perpetua na sociedade. “Elas deixam isso acontecer porque é uma forma de se ver. O machismo está impregnado, inclusive entre as mulheres.”

As professoras esperam que a atitude da Secretaria de Políticas para Mulheres faça com que a universidade repense suas práticas. “A UnB deve uma resposta formal à secretaria e também precisa refletir sobre o trote”, opina a professora Débora Diniz. Ela acredita que a UnB está caminhando para isso. Um exemplo é o tema de o vestibular ter sido o trote. “Fez com que os próprios calouros refletissem sobre o assunto antes de entrar na universidade. Isso já é muito importante”, completa.

Tânia Montoro afirma que a UnB está com problema de autoridade com os alunos. Ela defende que a universidade tenha regras. “É como se o filho passasse a mandar nos pais. Eu dou aula há 30 anos na UnB e percebo que os alunos não respeitam a universidade”, afirma. Para ela, um espaço de convivência como a universidade não pode haver humilhação. “Se querem fazer trote que façam fora da UnB.” Lurdes sugere que a UnB determine o que não pode ocorrer no trote. “Sem descaracterizá-lo como um rito de passagem, mas não deixando acontecer opressão, humilhação e desrespeito. Deve haver regras para o que não pode ocorrer”, opina. “Se nada for feito esse episódio vai se repetir”, completa.

foto: Profa. Debora Diniz

 

Denúncia sobre trote chega à Presidência da República

 

Reitor considera que trote “traduz atos de violência contra mulheres” e pede explicações sobre o episódio ao diretor da Faculdade de Agronomia e Veterinária


Thássia Alves – Da Secretaria de Comunicação da UnB

 


A Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República encaminhou à Reitoria da Universidade de Brasília pedido de esclarecimentos sobre trote da Faculdade de Agronomia e Veterinária (FAV), ocorrido no último dia 11 de janeiro. De acordo com a notificação assinada pela ouvidora Ana Pau
la Gonçalves: “as calouras foram submetidas a uma encenação que incita ao sexo oral, ridicularizando e desrespeitando as mulheres”. A representação, também encaminhada ao Ministério Público Federal, foi produzida a partir de denúncia encaminhada à Ouvidoria da Secretaria.

O documento traz fotografias de jovens lambendo uma linguiça lambuzada de leite condensado. Ao redor das calouras, veteranos e veteranas dão risadas. As fotografias foram registradas pela equipe de reportagem da UnB Agência em frente ao Centro Acadêmico de Agronomia (CAAGRO). Leia reportagem sobre o trote da Agronomiaaqui.

A representação da Secretaria de Políticas para as Mulheres foi encaminhada pelo reitor José Geraldo de Sousa Júnior ao diretor da FAV, Cícero Lopes. O reitor pede ao diretor da FAV informações sobre o fato. Em seu despacho, o reitor afirma que: “As fotos traduzem atos de violência e discriminação contra as mulheres. Elas mostram a diminuição da dignidade e violam a ética da convivência comunitária”. O reitor aguarda a manifestação do diretor da FAV para determinar novas providências.

Procurado pela reportagem, o diretor da FAV condenou o trote. “Essa cena da linguiça é deplorável”, resumiu Cícero Lopes. Segundo ele, os calouros têm recebido orientações para não participar dos trotes. “Fizemos um café da manhã para recepcioná-los e orientá-los a dizer não. Infelizmente, não foi isso que aconteceu”, lamentou.

Ana Paula Gonçalves, ouvidora da Secretaria de Política para as Mulheres, lamenta a exposição à qual as alunas foram submetidas. “É lamentável que a mulher ainda seja submetida a situações desse tipo. Elas provocam constrangimento e humilhação”, comentou. Ela destaca que as “brincadeiras” de cunho sexual atingem principalmente as mulheres. No trote da Agronomia, os homens não participam da “brincadeira” da linguiça.

DEBATE – Caio Batista, presidente do CAAGRO, justifica que a participação no trote é optativa. “Só passa pelo trote quem quer. Quem se sente prejudicado deve resolver isso aqui, e não fora”, afirma. De acordo com o veterano, os calouros são informados sobre as atividades da recepção antes do trote. “De 80 alunos, 40 decidem que vão participar. E eles já sabem quais são as atividades”.

Laura Lino é aluna do 3º semestre do curso e afirma que participou do trote porque quis. “Todo mundo faz por livre e espontânea vontade. No meu semestre todas as meninas toparam”, conta. Já Gilma Rosa, estudante do 5º semestre, não quis entrar na brincadeira. Ela conta que é contra o trote, mas que não houve nenhuma represália dos colegas por ter dito não. “Falei que não ia participar e pronto. Sempre frequentei o CA”, afirma.

Os trotes sujos têm provocado discussões entre a comunidade acadêmica. Em entrevista publicada no Portal da UnB, o reitor defendeu o fim da prática. Veja aqui. O debate chegou até mesmo ao Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE). Orientações sobre a violência nos trotes também integraram a lista de ações de recepção aos calouros da universidade no último semestre.

    

DFTV 2ª Edição > 28/01/2011 > Reportagem

Calouras denunciam trote humilhante

Alunas do curso de agronomia foram obrigadas a ajoelhar em frente aos homens em posições obscenas. Elas levaram o caso à Secretaria de Políticas para as Mulheres.

Calouras da Faculdade de Agronomia da UnB denunciaram à Secretaria de Políticas para as Mulheres o trote humilhante a que foram submetidas, no último dia 11.

Em uma das fotos, elas são obrigadas a ajoelhar em frente aos homens em posições obscenas. Além de vídeos na internet, outras fotos do trote foram divulgadas no site da UnB e mostram os alunos sujos de tinta levando banho de mangueira e se jogando no chão da universidade.

A Secretaria de Políticas para as Mulheres, que é ligada à Presidência da República, cobrou esclarecimentos da UnB no dia 17, mas até agora não teve resposta.

O reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Júnior, divulgou nota concordando que o trote teve atos de violência e discriminação contra a mulher. Ele aguarda informações do diretor da Faculdade de Agronomia para decidir o que fazer.

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