Adeus, silicone

Rachel Costa/Revista ISTOÉ

A ciência descobre que combinar células-tronco e gordura extraídas do próprio corpo proporciona bons resultados para dar maior volume às mamas e rejuvenescer a face

 Foto: Frederic Jean

 

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Como em um passe de mágica, tirar a gordurinha que está sobrando na barriga ou no culote e usá-la para aumentar os seios de forma definitiva. Isso feito de maneira natural, sem usar nada que não seja produzido pelo próprio corpo. Mais um sonho maluco de aficionadas pela beleza? Não no que depender de uma verdadeira revolução em andamento no mundo da beleza e que pode representar o fim dos implantes das próteses de silicone. Trata-se de um novo método que usa as células-tronco – capazes de se transformar em vários tipos de tecidos do organismo – presentes na gordura para reconstituir e dar volume maior às mamas. Exatamente como o silicone, mas sem as desvantagens de ser artificial.
A novidade vem sendo testada e usada em diversos países do mundo. Na Inglaterra, por exemplo, mulheres podem ir a um consultório e, em apenas cinco horas, trocar a gordura sobressalente no abdome ou nas coxas por seios maiores. A inglesa Michelle Freeman, 42 anos, passou pelo procedimento oito meses atrás. Em vez de usar as próteses de silicone, resolveu aproveitar a gordura excedente nas coxas para garantir os dois números a mais que hoje ostenta no sutiã. “Pareceu-me a melhor opção para um resultado mais natural e com menos riscos de efeitos colaterais”, disse a inglesa à ISTOÉ. Na Áustria, o cirugião Karl-Georg Heinrich, membro das sociedades americana e europeia de cirurgia estética, faz cerca de dois procedimentos desse tipo toda semana. “Cerca de 90% das pacientes ficam satisfeitas com os resultados a longo prazo”, disse Heinrich à ISTOÉ. 

A ideia de usar células-tronco para aumentar as mamas começou a ganhar fôlego quando se descobriu que o tecido adiposo (gordura) é uma fonte generosa dessas estruturas. Antes, sabia-se de sua existência em outros locais, como a medula óssea, onde a extração é complicada e a concentração é menor. A título de comparação, um grama de tecido adiposo tem cerca de 500 vezes mais células-tronco que a mesma quantidade de medula. “Muita gente pode achar ruim ter de perfurar o osso para a extração de parte da medula, mas quem vai se importar em tirar um pouco de gordura do abdome?”, brinca a pesquisadora Nance Nardi, do departamento de genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e coordenadora do laboratório de células-tronco da Universidade Luterana do Brasil. Com acesso fácil à gordura – só em 2009, mais de 1,6 milhão de lipoaspirações foram feitas em todo o mundo – os profissionais da cirurgia plástica logo se interessaram pelas possibilidades do uso dessas células. 

Verificou-se que elas possuem potencial para aumentar a eficácia de uma técnica já conhecida, mas cujos resultados podem deixar a desejar: a lipoenxertia, caracterizada pelo uso da gordura excedente em uma região para restaurar outras áreas do corpo. Desde 1983, com o médico alemão Franz Neuber – que publicou o primeiro trabalho sobre o assunto –, são testados meios para aprimorar o método. Isso porque sua eficiência sempre foi ameaçada pelo risco de o próprio corpo reabsorver a gordura transplantada, jogando todo o esforço no chão.

No entanto, estudos mostram que, quando é possível enriqu
ecer o enxerto com células-tronco – ou seja, deixá-lo com uma quantidade dessas células muito maior do que a que teria normalmente –, a realocação da gordura tende a ser mais bem-sucedida. Isso ocorre porque com a grande concentração de células-tronco há a criação de vasos sanguíneos que manterão a gordura permanentemente alimentada, reduzindo a possibilidade de o enxerto ser metabolizado pelo organismo. “As células-tronco são colocadas de volta em um ambiente com o qual elas já estão habituadas, em uma função que elas já conhecem”, explica Leandra Baptista, professora de ciências biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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O cientista Radovan é responsável por laboratório
pioneiro no Brasil no cultivo e no armazenamento
de células-tronco tiradas da gordura

Para realizar o enriquecimento da gordura, são necessárias várias etapas. A primeira delas é a lipoaspiração. Em seguida, o material lipoaspirado do paciente é separado: parte será guardada, enquanto o restante é submetido ao processo de extração das células-tronco (leia mais no quadro abaixo). Feito isso, as células são misturadas à gordura que havia sido armazenada, resultando em uma amostra de gordura com elevada concentração de células-tronco. É essa mistura que será reinjetada na paciente.

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NOVIDADE
O médico César criou técnica que
usa as células-tronco para rejuvenescer a face
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José Neto fez aplicações para melhorar 
a vitalidade da pele

Nos resultados obtidos até agora, a técnica é capaz de aumentar em até dois números o tamanho do sutiã. Por isso, é mais indicada para quem não quer exagerar no volume das mamas. Afinal, o resultado está condicionado à quantidade de gordura disponível no corpo da mulher. “As próteses de silicone ainda são úteis para pacientes muito magras ou em casos de reconstrução da mama, assim como para quem pretende fazer um aumento muito grande dos seios”, disse à ISTOÉ o pesquisador Kotaro Yoshimura, da Universidade de Tóquio, um dos pioneiros no uso da técnica. Ele começou a estudar a possibilidade de usar células-tronco do tecido adiposo para fins estéticos em 2001. A primeira aplicação em humanos aconteceu dois anos mais tarde, em 2003. Desde então, já fez mais de 400 aumentos de mamas baseados na terapia celular, permitida no Japão para fins estéticos há quatro anos.

Apesar das limitações para utilização na reconstrução mamária após retirada de mama por causa de câncer, o método também vem sendo testado para esses casos. Um estudo está sendo feito pela empresa americana Cytori Therapeutics, fabricante do Celution – um equipamento que faz o enriquecimento da gordura com células-tronco. Como nos Estados Unidos o procedimento ainda não tem aprovação, a pesquisa está em curso na União Europeia, onde o aparelho pode ser vendido sem problemas e já se encontra em cerca de 100 consultórios. O trabalho envolve 70 mulheres que precisam reconstruir as mamas. Os primeiros resultados, oriundos da observação de 32 dessas voluntárias por seis meses após o enxerto, apontam a satisfação das pacientes e a segurança do processo. Trabalho semelhante, usando a mesma máquina, foi realizado sob coordenação do professor Kaoru Kitamura, do departamento de cirurgia de mama do Kyushu Central Hospital, no Japão. A pesquisa envolveu 21 pacientes e os resultados foram muito parecidos com os obtidos na Europa. “Porém, mais estudos são necessários para medir a eficácia do procedimento a longo prazo”, ressalvou Kitamura.

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EXPECTATIVAS
Rosângela foi voluntária em pesquisa
para testar efeitos das injeções de células-tronco.

No Brasil, o enriquecimento de gordura ainda acontece apenas em centros de pesquisa. Não há máquinas, como a Celution, comercializadas por aqui até este momento. Por essa razão, o aumento dos seios com gordura enriquecida não é realizado. Isso, todavia, não significa falta de interesse dos cientistas brasileiros pelo tema. Muito ao contrário. No último ano, por exemplo, a Anvisa licenciou o Excellion, primeiro laboratório do País autorizado a processar, cultivar e congelar células-tronco extraídas do tecido adiposo em escala comercial.

Localizado em Petrópolis, o empreendimento se prepara para começar a fazer a tal gordura enriquecida. “Estamos trabalhando para criar a estrutura necessária ao atendimento a casos de reconstrução de mama”, diz Radovan Borojevic, professor aposentado do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor científico do Excellion. Por enquanto, o serviço oferece apenas as amostras de células-tronco tiradas da gordura do
paciente. Para lá são enviadas pequenas quantidades de tecido adiposo extraído por médicos cadastrados pela empresa. As células são isoladas desse material e multiplicadas. Em seguida, são devolvidas aos profissionais, que fazem a aplicação no paciente.

Basicamente, elas são usadas para o preenchimento de sulcos e rugas da face, procedimento permitido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Para se chegar à comercialização dessa terapia celular para a face, foram necessários vários anos de estudo. O marco do processo foi uma pesquisa realizada na UFRJ e concluída há dois anos. 

O trabalho acompanhou, por um ano, 15 voluntárias. Quatro foram tratadas apenas com ácido hialurônico, substância sintética usada no preenchimento de rugas e sulcos. Outras seis receberam uma combinação desse ácido com células-tronco. Nas cinco últimas foram usadas somente células. “Nos casos em que é necessário preencher o sulco, ou seja, em que é preciso dar volume, a combinação com ácido hialurônico mostrou-se superior”, conta Cesar Cláudio-da-Silva, professor de cirurgia plástica da UFRJ que coordenou a pesquisa. A razão é que o ácido garante o efeito de preenchimento imediato, dando às células injetadas tempo para se multiplicar – o que leva alguns meses.

Quando o ácido não é usado, os efeitos costumam ser sentidos apenas após alguns meses, tempo necessário para o enxerto de células se multiplicar na face. “Só senti alterações oito meses depois”, diz a técnica em química Rosângela Leiria, 46 anos. Moradora do Rio de Janeiro, ela foi uma das voluntárias no estudo. Em 2006, recebeu uma injeção de células-tronco. A experiência, avalia, foi positiva: “Se tivesse que fazer de novo, faria. Gostei muito do resultado.” Rosângela não sabe, mas serviu de inspiração para o recifense José Coelho Pereira Neto, 46 anos, tentar o mesmo método. Distantes mais de dois mil quilômetros um do outro, Neto, que é funcionário público, viu os resultados do tratamento de Rosângela pela televisão e gostou. “Achei eficiente e natural”, conta ele, que se submeteu, no mês passado no Rio de Janeiro, à última de três aplicações e agora aguarda os resultados.

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Jandira guardou
as células obtidas após uma lipo para,
no futuro, aplicá-las no rosto

Pensando no futuro, a empresária Jandira Zeitoune, 60 anos, resolveu recorrer à preservação de suas células-tronco presentes na gordura. Elas estão congeladas no laboratório Excellion, em Petrópolis. “Fiz uma lipoaspiração e soube que poderia guardá-las”, conta. Ela, que nunca usou nem botox nem ácido hialurônico, agora se anima com a possibilidade de fazer aplicações com suas próprias células. Sua esperança é de que a antes incômoda gordurinha no abdome a ajude a ganhar uma pele mais jovem.

Entretanto, é preciso atenção por parte dos pacientes por causa da proliferação de clínicas que dizem oferecer a técnica, mas não têm condições de aplicá-la. “A pessoa deve se certificar se o médico recorre a tratamento laboratorial para retirar as células-tronco do tecido adiposo”, orienta Wanda Elizabeth Corrêa, do Conselho Federal de Medicina (CFM). “E se o laboratório é autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária”, completa. Além disso, a médica ressalva que se trata de um método ainda novo para a medicina. “É algo que está começando e cujos primeiros trabalhos estão sendo publicados agora.”

De fato, deve-se considerar que o entusiasmo em torno do uso das células-tronco do tecido adiposo para fins estéticos – seja para aumentar os seios, seja para apagar rugas – está longe de fazer do procedimento uma unanimidade entre médicos e cientistas. Que elas representam o futuro, ninguém duvida. Paira no ar, entretanto, a seguinte questão: já é o momento certo para usar essa tecnologia?
“Se alguns pesquisadores defendem que a gordura enriquecida permite maior longevidade e retenção de volume, há também estudos mostrando que pode haver necroses, cistos e outros problemas nesses enxertos”, disse à ISTOÉ Jeffrey Gimble, do Centro de Pesquisa Biomédica de Pennington, da Universidade da Louisiana, nos Estados Unidos. Nos últimos anos, ele publicou revisões médicas sobre o assunto. Colega de trabalho de Gimble no centro universitário, o professor Adam Katz, do departamento de cirurgia plástica, sintetiza bem a preocupação mais comum entre os estudiosos. “Pelo que podemos ver agora, o método parece seguro, mas faltam estudos de longo prazo”, falou à ISTOÉ.

Concorda com Katz a geneticista brasileira Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo. “A aplicação estética é uma área em que o uso dessas células tem futuro, mas ainda não podemos nos precipitar”, avalia. Para Mayana, ainda faltam protocolos claros que determinem a ação dessas células após a aplicação. “É algo para ser usado quando soubermos exatamente quanto o tecido adiposo deve ser enriquecido para termos o resultado pretendido”, pondera o médico João Carlos Sampaio Góes, coordenador de comunicação da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica.

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