Katarina Peixoto
A fim de “incentivar a diversidade de gênero”, o Fórum Econômico Mundial está solicitando aos seus “parceiros estratégicos” que, dentre os cinco convidados a que têm direito, convidem ao menos uma mulher. Pedir aos parceiros “ao menos uma mulher” é uma confissão do embrete civilizatório em que esses patifes estão.
Que o Fórum Econômico de Davos está mal das pernas ninguém questiona. A novidade do Fórum que não é mais só do Norte, embora siga frio e dos muito ricos e riquíssimos, está num pequeno detalhe: os organizadores estão consternados com a falta de diversidade de gênero dentre os participantes do encontro na cidade suíça.
É claro, a consternação fundamental segue sendo outra, embora não transparente enquanto agenda. Trata-se do enigma de como continuar mandando no mundo, nesta conjuntura e com as mudanças em direção da multipolaridade em curso. Vale dizer que essas decisões importantes não ocupam conferências, por mais fechadas que estas venham a ser. Para cada conferência há algum acadêmico “prêt-à-penser”, como disse o professor da Universidade de Barcelona, Toni Domènech e outros macacos de auditório do gênero, como ex-governantes, periféricos ou não, dos anos 90 e grande elenco de sumidades, do porte de um Paulo Coelho, Bono Vox e coisas assim. Eles são auditório, isso mesmo. Porque as conferências e os acordos, as decisões e os debates, em Davos, não são públicos.
Nem a bagatela do preço dos ingressos dá acesso ao que o Fórum Econômico Mundial estabelece como agenda. Para esta não há bilhete premiado. Poder global não cai do céu nem se compra em paraíso fiscal, unicamente.
O colunista Andrew Ross Sorkin do New York Times fez uma bem humorada crônica (24/01/2001) sobre o custo Davos para os seus participantes. Na crônica, traduzida abaixo, constam não somente os dados relativos à organização do FEM e os relatos de alguns participantes com grande expressão no encontro anual e demais atividades da área.
Ross Sorkin refere um detalhe interessante. A fim de incentivar a diversidade de gênero, o Fórum Econômico Mundial está solicitando aos participantes de nível mais alto (ver no texto do NYT os vários níveis de associação ao WEF, conforme os títulos de sócio oferecidos) que, dentre os cinco convidados a que têm direito, convidem ao menos uma mulher. Em números, os associados com carteirinha de “Parceiro Estratégico” pagam 522 mil dólares (um milhão de reais, em média) para poderem participar do evento de uma semana na cidadela, fora os ingressos individuais, no valor de 19 mil dólares cada um e os demais custos de viagem.
Do outro lado do mundo, em termos quase verticais, ocorrerá o Fórum Social Mundial, em Dakar, no Senegal, pouco depois do encontro dos ricos e muito ricos. Os seus organizadores costumam dizer que o caráter de contraponto a Davos foi superado e que o Fórum Social Mundial é muito maior do que um embate contra os donos do mundo poderia ser. É claro, essa não é uma posição imune a críticas e bem se sabe que o FSM tem um aspecto babilônico gratuito.
Dada a gravidade da crise econômica e financeira no mundo, há quem fale, e não são poucos, em crise civilizatória. O Fórum de Davos não tem, como é sabido e ressabido, autoridade para apresentar uma agenda para o mundo pós-crise ou mesmo de transição que conte com políticas globais para o seu enfrentamento. O Fórum Social Mundial, por outro lado, tem mais do que autoridade para debater uma agenda, aliás em gestação há mais de dez anos, entre os sujeitos objetificados pelos donos do mundo de Davos, e entre os movimentos sociais que ajudaram e estão ajudando a mudar ao menos a América Latina.
Quando a escumalha a ser reunida em Davos apresenta uma regra para quantificar a participação feminina não está adotando mais um expediente de absorção da agenda civilizatória. Pedir “ao menos uma mulher” aos mais ricos dentre o maior encontro dos mais ricos do mundo é um pouco mais que uma confissão de culpa, porque não é errado apenas moralmente, coisa que de resto em nada incomodaria a um Fórum com aquele perfil moral.
Pedir aos bilionários ao menos uma mulher é uma confissão do embrete civilizatório em que esses patifes estão. Ao menos no Senegal há gente, e haverá muitas mulheres. Não será um Fórum somente do Sul, mas também dos do Norte empobrecido e embrutecido pelas políticas brindadas em Davos e impostas ao resto do mundo. E será na África, o continente credor da orgia de Davos, lá onde os “perdedores” e os “mal sucedidos” estarão. Parte deles, inclusive, descerá das ruas geladas para o continente africano, porque outro mundo é possível, ao menos por isso.
A seguir, a crônica de Andrew Ross Sorkin:
Um preço alto para entrar em Davos
Qual o preço do ingresso para ser um Davos Man?
Executivos, governantes, lideranças e acadêmicos ao redor do mundo estão a caminho de Davos, Suíça, para o encontro anual do Fórum Econômico Mundial nesta semana – uma reunião de poderosos que mistura negócios, políticas e Champanhe nos Alpes Suíços.
Trata-se de um evento que pauta uma vasta agenda dos tomadores de decisão, de Jamie Dimon, o executivo-chefe do JPMorgan Chase, ao Primeiro Ministro George A. Papandreou da Grécia ao vocalista da U2, Bono, voltados ostensivamente para contemplar como resolver os problemas do mundo.
É claro, muito do que ocorrerá na semana girará na verdade em torno de uma coisa: networking. Como o autor de “Cisne Negro”, Nassim N. Taleb o descreveu a Tom Keene, da Bloomberg Televisão, o evento está “buscando gente de sucesso que queira ser vista com outras pessoas de sucesso. Este é o jogo”.
Todo convite para o evento é para ser considerado uma honra exclusiva. Mas para os executivos das corporações o custo de ser um Davos Man ou, sim, uma Davos Woman, mesmo somente para um casal não fica tão barato.
Na semana passada eu entrevistei mais de doze executivos-chefes e outros executivos que regularmente peregrinam para se misturarem nas alturas, a fim de que avaliassem o custo financeiro real que as corporações tem no comparecimento a esse encontro anual.
Mas antes de adquirirmos os ingressos para os ambientes privados, hotéis, carro e motorista, há o ingresso mais importante. E este não é grátis. Só para ter a oportunidade de visitar Davos, você deve ser convidado a ser um membro do Fórum Econômico Mundial, uma organização não-lucrativa suíça fundada por Klaus Shwab, um acadêmico de origem alemã que construiu uma conferência global na neve.
Há vários níveis de pertencimento: o nível básico, que lhe concede um convite a Davos, custa 50 mil francos suíços, ou algo como 52 mil dólares. O ingresso mesmo custa outros 18 mil francos suíços (19 mil dólares), mais taxas, levando a um custo total de associação e ingresso de entrada no valor de 71 mil dólares.
Mas esse ingresso só o põe na porta, com as massas, em Davos, com entrada para todas as sessões gerais. Se você quiser ser convidado por trás das cortinas de veludo a participar das sessões privadas, entre colegas empresários, você precisa subir um degrau, para o nível “Associado Industrial”, que custa 137 mil dólares, mais o preço do ingresso, levando o custo total para algo em torno de 156 mil dólares.
É claro, como muitos executivos chefe não gostam de ir a lugar algum sozinhos, eles podem pedir a um colega para ir junto. Bem, o Fórum Econômico de Davos não permite que você compre apenas um ingresso a mais por 19 mil dólares. Mais do que isso, você precisa subir de nível de associado para o de “Parceiro Industrial”. Isso lhe custará algo como 263 mil dólares, mais o custo de dois ingressos, levando a um total de 301 mil dólares.
E se você quiser levar uma entrourage, digamos cinco pessoas? Aí você está falando do nível “Parceiro Estratégico”. O preço do crachá: 527 mil dólares. (Esta é apenas a associação anual, autorizando você a convidar até 5 pessoas. Cada convite custa ainda 19 mil dólares, de modo que cinco pessoas chega a 95 mil dólares, dando um total de 622 mil dólares. Este ano, todos os Parceiros Estratégicos estão sendo demandados a convidarem ao menos uma mulher dentre aqueles a que tem direito, num esforço para diversificar a lista de participantes.
Como parte do nível de Parceiro Estratégico você tem acesso às sessões privadas e às salas de conferência especiais, onde ocorrem encontros. E talvez a maior vantagem de todas: seu carro e motorista tem um adesivo com acesso livre a todos os ambientes.
No momento o Fórum diz que não está aceitando inscrições para se tornar Parceiro Estratégico, a não ser que a corporação seja da China ou da Índia, e deve ser alguns dentre os 250 mais ricos do mundo. É o caso de observar, para ser imparcial, que a associação em todos os níveis não lhe permite acesso apenas ao encontro em Davos, mas também para, ao menos, meia dúzia de outros encontros ao redor do mundo. A associação também lhe dá acesso aos diversos projetos de pesquisa do Fórum.
Todos esses custos, é claro, não incluem os gastos de uma viagem a Suíça, naquela vida dura e talvez indo a um jantar ou a um cocktail para clientes (onde as coisas em todo caso realmente acontecem).
Um grande investidor está alugando este ano um chalé de cinco quartos ao lado de Davos, para ele e seu staff. O custo? 140 mil dólares pela semana. Um carro e um motorista que o Fórum Econômico Mundial providenciará para você gira em torno de 10 mil dólares por semana, para um Mercedes S Class.
Uma tarifa de primeira classe de Nova York para Zurique está custando algo como 11 mil dólares. Mas um jatinho privado da NetLets custará algo como 70 mil dólares pela viagem, de acordo com um executivo que usou o serviço. O serviço de helicóptero de Zurique a Davos? 3400 reais cada perna. (O Fórum providencia um serviço grátis de ônibus para aqueles que se preocupam com a área de cobertura do entorno).
É claro, muitas companhias oferecem jantares para clientes, com vários eventos para algumas firmas.
No Posthotel, por exemplo, o restaurante está cobrando um mínimo de 210 dólares por cabeça. Um festa cocktail para 60 a 80 por cabeça por apenas uma hora? Isso custa algo como 8000. Duas horas? 16 mil dólares.
As grandes festas, como aquela da Google na sexta-feira à noite para centenas de pessoas pode custar mais de 250 mil dólares o evento. (Em anos passados a Google ofereceu bandas de rock e atendentes de bar; num ano a companhia ofereceu um bar de O2).
Todos esses custos incluídos ajudaram a tornar o Fórum Econômico Mundial um grande negócio – talvez a maior conferência estruturadora de agenda do mundo. De acordo com seu relatório anual, ela gera algo como 185 milhões de dólares entre receitas e despesas; aproximadamente tudo dessa quantia vai para a organização (quase metade) de eventos e outra metade, com pessoal.
Mas todo esse gasto pode em breve sair de moda. Como um dos organizadores, o autor David Rothkopf escreveu recentemente no seu blog, “A coisa toda está decaindo por vários razões, todas associadas à inadequação de Davos como fórum de networking”.
Ele explicou que, “Como Steve Case, fundador da AOL me disse uma vez, no bar no meio do tumulto do principal centro de conferências: “Você sempre se sente como se estivesse no lugar errado, em Davos. Como se houvesse um encontro melhor acontecendo em outro lugar, em algum hotel onde você realmente deveria estar. Como se Davos de verdade estivesse acontecendo em segredo, em algum lugar”.
Tradução: Katarina Peixoto
A versão original do artigo
Katarina Peixoto é doutoranda em Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: katarinapeixoto@hotmail.com
fonte: Carta Maior